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RAÍZES CULTURAIS DO NACIONALIMO NA POLÔNIA: REINO DINÁSTICO E A COMUNIDADE RELIGIOSA BATISMO CRISTÃO, REPRESENTAÇÕES E O

1 ENCAMINHAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: ETNICIDADE, CULTURA, NAÇÃO E NACIONALISMO.

2 RAÍZES CULTURAIS DO NACIONALISMO, CONSCIÊNCIA NACIONAL, TERRITORIALIZAÇÃO DE CULTURAS E IDENTIDADES E A TRIPARTIÇÃO.

2.1 RAÍZES CULTURAIS DO NACIONALIMO NA POLÔNIA: REINO DINÁSTICO E A COMUNIDADE RELIGIOSA BATISMO CRISTÃO, REPRESENTAÇÕES E O

NASCIMENTO DO ESTADO PRÉ-MODERNO NO SÉCULO X.

No contexto de expansionismos religiosos, políticos, culturais e territoriais que se apresentava a Europa e a Polônia no período Medieval, o nascimento do estado polonês ancorado no batismo e a fidelidade jurada ao cristianismo latino de Roma, pelo rei Miezko I, eram uma saída política, uma tomada de posição cultural e religiosa ligada à Europa Ocidental em contraposição ao Oriente e ao Império Bizantino, a possibilidade de unificar as tribos, fortalecer-se e ter apoio externo, fazer-se reconhecer como estado, através de um Reino

Dinástico, que estaria ligado a uma Comunidade Religiosa. Com isso acreditavam ter maiores

turcas, mongóis, entre outras. Era a tomada de um posicionamento em relação ao seu lugar na comunidade cristã-latino-romana na Europa e a consequente adesão a um sistema de representações simbólicas. Então, não se tratava de uma escolha a partir de convicções religiosas e culturais pré-estabelecidas. Conforme Tomacheski (2014, p. 37):

A história polaca é de uma constante autoafirmação de resistência diante das potências e demais nações estrangeiras vizinhas. A Polônia, como conhecemos atualmente, surgiu na fronteira de dois mundos antagônicos: dos germanos e russos; e demais povos eslavos. a história demonstra que a nação polaca serviu de palco para os embates e conflitos entre esses dois universos culturais. Estaríamos diante de um limbo que separa situações culturais, étnicas e religiosas muito diferentes: ao norte e oeste, prussianos, saxões e suecos de fé reformada luterana; ao sul, católicos bávaros e austríacos e o império turco-otomano islâmico; finalmente, a leste, os russos e demais povos eslavos ligados à igreja ortodoxa. Dessa maneira é possível compreender o batismo de Miezko I e a posterior conversão da Polônia ao cristianismo, que se ligava diretamente à primazia de Roma como sendo uma estratégia no jogo político europeu. Esse processo de conversão deveria ter cessado os projetos militares de invasão e conquista cultural do Sacro Império Romano- Germânico.

A tomada do Império Romano Ocidental em 476 d. C. pelos germânicos30, marcando o

início da Idade Média, foi o ponto de partida para o fortalecimento destes povos que se destacavam em sua atuação como guerreiros. Estes não somente iriam dominar os territórios romanos do ocidente, mas, também, incorporar influências culturais romanas, de forma a complexificar suas formas de organização.

Ao tratar sobre a Economia-Mundo romana, Braudel (1989), em “A Identidade da

França”, destaca que, mesmo ao final do império, a sociedade romana deixou ativos por

vários séculos a sua hierarquia31, o seu comércio, a escravidão, a cultura, a latinidade. Assim,

os guerreiros germânicos saem de clãs semi-nômades para o estabelecimento de reinos dinásticos e substituem as assembléias de guerreiros por um conselho de nobres.

O conselho de nobres, composto por membros do clero, seria a principal forma de se tomar as decisões relacionadas ao estado durante a Idade Média. Além disso, usaram do Direito Romano na criação de leis, a incorporação de hierarquias, cuja forma de organização seria bastante útil no sistema feudal da Idade Média, a divisão de terras e o uso do latim nas relações comerciais e oficiais.

Dentre os reinos germânicos, estava o Reino dos Francos. Através dele que a expansão

30 Eram vistos pelos romanos como não civilizados (não haviam aderido à cultura romana), por isso, eram

chamados de bárbaros.

31 No período Carolíngio Braudel (1989, p. 99), destaca que estes “dão forma a uma hierarquia social: fiéis e

vassalos são ligados diretamente ao soberano, por juramento”. Conforme o autor, “Esses vínculos descem até os homens livres, que devem, todos, servir às suas próprias expensas nos exércitos do rei”.

do cristianismo se torna mais efetiva, destarte a influência decisiva do papa na deposição da dinastia Merovíngia e na ascensão da dinastia Carolíngia32e orienta a atuação do rei para o

empreendimento de muitas conquistas e retomadas de territórios através do fim da hereditariedade, e torna o direito às terras algo vitalício, permeado pelas resultantes imposições culturais ligadas à igreja. A grande expansão do reino, no reinado de Carlos Magno, entre os séculos VIII e IX, desemboca na criação do Sacro Império Romano Germânico, em 962, e que dura até 1805 (BRAUDEL, 1989).

Em meio a este contexto das constantes invasões dos germânicos cristãos ligados aos reinos do Sacro Império Romano Germânico, cuja atuação privilegiava a garantia desta expansão em amplos sentidos, emerge a principal condição que apressa decisões como o batismo, por parte da Polônia.

A Polônia iniciou sua história nas terras situadas às margens do rio Warta e se expandiu cruzando os rios Vístula, Bug e Oder, chegando aos Cárpatos e ao Báltico. Nesta configuração geográfica, o rei Mieszko I, entre os anos de 966 a 1000 da era cristã, une as terras da família Piast que estavam espalhadas entre as tribos eslavas. Ele reúne toda a corte no palácio e ordena que todos se ajoelhem para receber o batismo. A partir daquele momento, todo o reino se convertia ao catolicismo e teriam como lema: Polônia, sempre Fidelis (Castilhos, p. 98) (DILL, 2007, p. 16).

Então, embora, para Siewierski (2000, p.9), “a Polônia entrou na família das nações europeias como uma das irmãs mais novas, batizada quase mil anos depois do batismo no Jordão, abraçou o cristianismo voluntariamente e com ele toda a herança ocidental”, há de se considerar que, conforme já mencionado, a adesão “voluntária” teria sido uma atitude que se alinhava muito mais ao estabelecimento de alianças, à demarcação de uma adesão que conteria os ataques dos invasores. Estes buscavam minar e extinguir as ditas “crenças pagãs”, que estavam contempladas nas crenças politeístas e nas compreensões e explicações míticas.

Em relação à organização social e política da Polônia, Dembicz & Kieniewicz (2001, p. 6), entre outros, ressaltam que “As escavações arqueológicas apontam para a organização de estruturas sociais organizadas algumas gerações mais cedo”. Salientam ainda que, assim como Grécia e Roma a. C. haviam sido fundadas a partir da reunião de origens diversas - etruscos, latinos, gregos, itálicos, sabinos, asiáticos-, a Polônia, d. C, como uma passagem do Oriente para o Ocidente europeu e vice-versa, também teria sua origem na fusão de uma

32 Para Braudel (1989, p. 98), “a experiência carolíngia está na origem – ou, se preferirem, ela confirmou o

nascimento – da cristandade e também da Europa; os dois termos eram então idênticos, como duas figuras geométricas que se recobrem exatamente”. Segundo ele, “Os carolíngios não apenas deram a luz à Europa, deram a luz ao feudalismo, vale dizer à adversidade, à divisão, ao desmembramento, ao plural abundante”.

população de origens distintas, que pode ser observada a partir de versões, por exemplo, do campo da arqueologia ou da historiografia sobre a Europa do período.

Neste sentido, Braudel (1989, p. 98), ressalta a “diversidade irredutível” ou mesmo nas teorias do nacionalismo, que fazem destaques como o fato de que as nações que se organizam, após o fim do império Carolíngio, estavam permeadas pela característica multirracial 33dos reinos germânicos; dentre elas Renan (2006, p.1034) destaca que “as primeiras nações da Europa são nações de sangue essencialmente misturado”, permeadas por relações interétnicas, dadas as condições de conquistas e de migrações. Nessa perspectiva, Siewierski (2000, p. 16), relata:

Diz que desde a época da pedra, há 180 mil anos a. C., até a fundação do estado polonês no séc. X d. C., a planície entre os rios Oder e Bug foi habitada ou atravessada por povos do Oriente e do Ocidente. Entre os que levavam uma vida mais sedentária havia várias tribos de baltos, celtas, germanos e eslavos, e dos povos nômades, marcaram também a sua presença os citas, sármatas, hunos e mongóis. Não há dúvida de que nos tempos da queda do Império Romano, os ancestrais dos poloneses viviam algures no continente euro asiático, mas, quanto ao processo de sua separação dos outros eslavos e a conquista da supremacia nas terras da atual Polônia, não foi até agora suficientemente explicado. O nome Polska (Polônia) só aparece no século X d. C. e refere-se apenas a um território habitado pela tribo eslava dos Polanie (“povo dos vastos campos”, pole – campo), hoje nas cercanias da cidade de Poznan.

A partir da concepção de nações pré-modernas, pautadas em sistemas culturais definidos a partir da comunidade religiosa e do reino dinástico, as distinções étnicas não eram decisivas ou proeminentes, estavam em segundo plano. Já posteriormente, nas narrativas voltadas para as nações modernas e delimitadas, como vimos na discussão teórica do capítulo anterior, algumas abordagens buscam afirmações destas definições através das identidades culturais nacionais.

Porém, de todo modo, afastando-nos de uma visão essencialista, ressaltamos que as observações arqueológicas dimensionam similaridades que identificam os povos eslavos - distinção étnica eslava, mas ainda, que tal cultura se transforma ao longo do processo migratório que os leva até as margens do Vístula e aos distintos contatos com outros povos nesse processo que aos poucos geraria construções identitárias eslavo-polacas. Conforme Poutignat & Streiff-Fenart (2011, p. 82), “o grupo étnico não pode se tornar uma categoria pertinente de agrupamento humano senão nas situações plurais” através de “grupos que

33 Considerando o fato de que raça, assim como outros conceitos, entre eles o de cultura e o de etnia, é uma

construção social, cujos delineamentos se dariam somente a partir do século XVIII.

34 As construções teóricas sobre a nação, feitas pelo historiador Ernest Renan, estão localizadas no século XIX e

tratam da nação como algo definido pelo sentimento, identificando, a partir de uma herança comum, acontecimentos, sofrimentos e lutas passadas em um passado heróico, que motivam o compartilhar como nação no presente.

interagem em um contexto dado de relações interétnicas”.

Após longas migrações, os povos eslavos se estabelecem nas regiões onde hoje é a Polônia, a Rússia e a Alemanha e organizam pequenos e nascentes estados, um deles viria a ser a Polônia. Porém, o surgimento do estado polonês, a partir de seu reconhecimento amplo no contexto europeu, para a maior parte da historiografia, estaria ligado umbilicalmente ao batismo cristão, cuja cronologia, localizada no século X, traduz um marco cultural e civilizatório, pois, a partir daí, a questão cultural-religiosa-cristã atuaria em torno de alguns parâmetros estabelecidos, que os unia como povo.

Mesmo que tenham existido estruturas sociais ou até impérios anteriores, como afirmam os autores supramencionados, há que se considerar que o batismo é visto como decisivo para o status de estado, cuja criação é apontada pela atuação de Miezko I na submissão das tribos das aldeias eslavas ao estado e, o estabelecimento da capital em Gniezno. Havia a compreensão de que, ao aceitar o batismo, tal atitude conectava a Polônia ao cristianismo latino de Roma e a sua cultura, embora algumas justificativas mostrem que o objetivo inicial estaria voltado para a preservação de uma cultura já existente, porém, uma coisa não excluía a outra, tendo em vista a dimensão relacional da cultura (CUCHE, 2002). Conforme Iarochinski (2000, p. 17), Miezko I “entendia que povos com uma mesma língua, costumes e tradições, como eram os polano-eslavos, deviam permanecer unidos sob um mesmo brasão”.

O processo que se inicia nesse momento é a base, as raízes culturais do que posteriormente emerge como nacionalismo, o precede, visto que, para Anderson (2008, p. 38- 39), seria a conformação dos “grandes sistemas culturais” definidos como “a comunidade

religiosa e o reino dinástico”, pois, “[...] ambos, no seu apogeu foram estruturas de referência

incontestes que articularam comunidades imaginadas, como ocorre atualmente com a nacionalidade”, ou seja, foram arquétipos que permearam estas comunidades.

Nesse sentido, a religião assume uma posição muito próxima daquela assumida pelo nacionalismo. Estabelece, conforme Anderson (2008), a partir do imaginário religioso, assim como no imaginário nacionalista, vínculos entre mortos e ainda não nascidos, quando a fatalidade na ideia de imortalidade é continuidade, assim como o nascimento o é.

A existência desses sistemas culturais teria sido motivadora para a conformação sob uma mesma orientação religiosa da entidade representada pelo estado, que adota a dinastia como sistema político. A atuação a partir desse sistema político, difere em muito das concepções modernas. Conforme Anderson (2008, p. 48):

A realeza organiza tudo em torno de um centro elevado. Sua legitimidade deriva da divindade, e não da população, que, afinal, é composta de súditos, não de cidadãos. Na concepção moderna, a soberania do Estado opera de forma integral, terminante e homogênea sobre cada centímetro quadrado de um território legalmente demarcado. Mas, no imaginário mais antigo, onde os Estados eram definidos por centros, as fronteiras eram porosas e indistintas, e as soberanias se esvaeciam imperceptivelmente uma dentro da outra. Daí, em certo paradoxo, a facilidade com que os reinos e impérios pré-modernos conseguiram manter seu domínio sobre populações imensamente heterogêneas, e muitas vezes nem vizinhas, por longos períodos de tempo.

Colocam-se sobre os “tetos” dos sistemas culturais definidos por Anderson (2008), uma diversidade de povos e uma soberania contingente. Nesse propósito, as soberanias podem ser ampliadas a partir de casamentos entre domínios. De todo modo, trata-se de uma forma diferente de conceber os povos e as relações que se estabelecem a partir dos reinos e impérios pré-modernos.

Nessa perspectiva de ordenamento sob este “teto”, conforme Dill (2007, p. 16), “No século X despontaram os poloneses localizados em torno de Poznam e Gniezno, expandiram- se para o oriente e se aproximaram de importante rota comercial de Bizâncio”. Seguiu-se um período de organização do estado iniciado por Mieszko I e, então, “Surgiram estruturas sociais bastante sólidas e puderam consolidar o Cristianismo e enfrentar os invasores estrangeiros”. Desse modo, sendo esta a religião oficial do estado, inseriram-se novos rituais em contraposição e substituição das crenças pagãs.

Conforme o previsto, este novo status possibilitaria o estabelecimento de estratégias de fortalecimento interno, através de uma melhor estruturação do estado para lutar contra a tomada de territórios por invasores, inicialmente os mongóis e depois a própria ordem militar da igreja católica germânica, que, no período das Cruzadas, teria entre os cruzados, os temidos Cavaleiros da Ordem Teutônica. Esses Cavaleiros, através da justificativa de combate aos mongóis e aos pagãos, vinham se fortalecendo na região, e apoiados pelo papa, agiam de forma a incorporar territórios, formando, aos poucos, um estado próprio perto do rio Vístula.

Além do fortalecimento interno, posteriormente, atuariam expandindo os domínios para terras como a Silésia e a Cracóvia, garantindo ainda, livre acesso a rotas comerciais. Porém, outra questão importante a ser enfrentada era o domínio da escrita, neste caso, do latim como língua oficial da comunidade religiosa. Embora Siewierski (2000, p. 17) destaque que “a Polônia de Miezko I (963-992) já era um país consolidado, com a cultura material desenvolvida e bons contatos econômicos e políticos com outros países”, ressalta também que “a sua cultura pagã não desenvolveu a escrita”. Para que isso fosse possível, logo após o batismo, conforme Mazurek (2016, p. 29), “vieram à Polônia os missionários, que trouxeram experiências administrativas, uma cultura escrita e um novo conceito do poder. Introduzindo a

língua latina, os padres introduziam a Polônia no mundo da cultura ocidental”.

Estes religiosos vinham de diversos lugares e, conforme Siewierski (2000, p. 17), traziam consigo “livros, obras de arte sacra, novas idéias, novas tecnologias”. Assim, “Os conventos e as igrejas eram centros de vida intelectual e artística”. Então a educação e a cultura na Polônia da Idade Média, assim como em boa parte da Europa, ficariam a cargo das instituições religiosas que dominariam este setor e criariam as primeiras escolas e universidades.

Neste sentido, “As grandes culturas sacras”, conforme Anderson (2008, p. 39), “incorporavam a idéia de imensas comunidades”, destaca ainda, que compartilhavam o “uso de uma língua e uma escrita sagradas”. Dessa forma, mesmo não compreendendo idiomas particulares em distintas regiões, compreendiam-se, no momento em que tratavam de escritas sagradas e de seus signos. Para a Polônia,

[...] a Idade Média foi antes de tudo a idade do batismo e da alfabetização, portanto, mais da iniciação do que da passagem. Porém, uma vez iniciada, colocada na órbita da cultura latino-cristã, ela procura recuperar a distância que a separa do mundo ocidental para não chegar atrasada aos tempos modernos. Foi preciso aprender o latim e organizar as bibliotecas. Mas também inventar as letras para os sons da sua língua eslava, que o latim não possuía (SIEWIERSKI, 2000, p. 22).

Até o século XVIII, a maior parte de sua produção escrita estava em latim, o que diferia a Polônia de outros povos eslavos que aderiram à cultura cristã grega bizantina e mantiveram o eslavo como alfabeto oficial. Essa opção seria, posteriormente, lembrança de más decisões em relação à nação que seriam repensadas ainda durante o Renascimento. De todo modo, a manutenção da escrita em latim estava ligada a uma relação de cultura e poder, apoiados na perspectiva de abrangência da comunidade religiosa. De acordo com Anderson (2008, p. 40), “quanto mais morta é a língua escrita – quanto mais distante da fala, melhor: em princípio, todos têm acesso a um mundo puro de signos”. Para tanto, “Todas as grandes comunidades clássicas se consideravam cosmicamente centrais, através de uma língua sagrada ligada a uma ordem supraterrena de poder”, sendo assim, com alcance teoricamente ilimitado.

Como o alcance do latim não era acessível a todos (povo), como língua, porém o alcance dos signos como representação, era mais efetivo. Conforme Anderson (2008, p. 42), “a realidade ontológica só pode ser apreendida por meio de um único sistema privilegiado de re-presentação: a língua-verdade do latim eclesiástico” em um processo em que a conversão se dá não necessariamente através da aceitação de princípios religiosos, mas de uma “absorção alquímica”, um processo em que destaca: “Toda a natureza ontológica do homem é maleável ao sagrado”. Anderson (2008, p. 42-43) enfatizava que,

[...] se as línguas sagradas permitiam que se imaginassem comunidades tais como a cristandade, não é possível explicar o verdadeiro alcance e a efetiva plausibilidade dessas comunidades apenas pelo texto sagrado: os seus leitores, afinal, não passavam de minúsculos recifes letrados em vastos oceanos iletrados. Para uma explicação mais completa, temos de examinar a relação entre os letrados e suas sociedades. [...] O poder assombroso do papado, no seu auge, só pode ser entendido em termos de um clero transeuropeu com conhecimento do latim escrito, e também de uma concepção de mundo partilhada praticamente por todos, e segundo a qual a camada intelectual bilíngue, ao mediar o vernáculo e o latim, também fazia a mediação entre a terra e o céu.

Conforme Siewierski (2000), a cultura polonesa medieval giraria em torno de uma produção artística e literária religiosa, escrita quase sempre em latim e bem menos em vernáculo. Acrescentamos que esta produção escrita e artística era de domínio de uma porção simbólica da sociedade, com o que corrobora o fato de que, como ainda não existiam universidades, “No século XII os primeiros poloneses vão estudar nas universidades estrangeiras, como a de Bolonha ou de Paris” (SIEWIERSKI, 2000, p. 18).

Porém, mesmo com as medidas adotadas e a adesão à cultura cristã romano-latina, o Reino da Polônia, até o século XII, viveu uma fase de fortalecimento em alguns sentidos, mas também, de progressiva desintegração, tendo em vista que, além das invasões não estancadas totalmente, somou-se o agravante de que as províncias governadas pelos membros da família Piast formaram uma dinastia que se desdobrava em diversas ramificações, e isso, aos poucos, desintegrava o estado.

A desintegração ocorre ligada ao fato de que, como todos os filhos tinham direito a sucessão dinástica no reino, durante a dinastia Piast, Boleslau III, no século XII, dividiu a Polônia em ducados reinantes e, cada ducado estaria sob a responsabilidade de um dos seus descendentes. Assim, formou-se, conforme Iarochinski (2000, p. 18), os ducados da “Polônia Menor, Polônia Maior, Alta Silésia, Baixa Silésia, Kujavia, e Łęczyca”, sendo que a “Pomerânia Ocidental por sua vez, dividiu-se em outros ducados menores”, assim como, se dividiu a Pomerânia Oriental dando origem a outra dinastia.

Estes ducados estariam sob o comando superior do membro mais velho da dinastia (Princípio Senhorial). Porém, a disputa pela posição de alto duque fazia com que os critérios pré-estabelecidos fossem esquecidos e se estabelecesse uma situação interna de disputas, incontornável. Somado a isso, estava o peso dessa nobreza feudal que dependia do trabalho da servidão e, o enfraquecimento interno que os ameaçava sob os ataques vizinhos germanos. Assim, a decisão pela necessidade de unificação não demora a acontecer.

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