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ÉTNICO-CULTURAL, DIÁSPORA E REUNIFICAÇÃO.

3.3 A DIÁSPORA POLONESA POSSIBILIDADES IDENTITÁRIAS E CULTURAIS PARA COMUNIDADES IMAGINADAS?

3.3.1 Da Diáspora Polonesa: evidências iniciais.

Enquanto os impérios invasores da Polônia tripartida não aderiram de forma efetiva ao nacionalismo oficial, a dinâmica dos nacionalismos, das diferentes culturas e pertencimentos sob o “teto” dos impérios, era exercida com mais tranquilidade. No entanto, como tratamos anteriormente, esta fase chegou ao final, com o passar do tempo, acentuam-se os discursos voltados para tentativas de fundir império e nação, principalmente no domínio russo, e a diáspora se tornou efetivamente uma saída para um número cada vez mais amplo de pessoas.

Podemos pensar que, inicialmente, a perspectiva judaica do “retorno redentor” foi cogitada entre os poloneses migrantes, no entanto, com o passar do tempo, somaram-se motivações para dar continuidade ao processo migratório e o retorno, embora tenha ocorrido em alguns casos, na grande maioria não acontecia, pois, ao se estabelecerem em seus novos destinos, iniciavam a construção de seus novos lares diaspóricos. No lar diásporico (home), com possibilidade de paz social ou mesmo na falta de condições para retornar, permaneciam. Conforme Gardolinski (1956, p. 10, grifo nosso), em um primeiro momento,

Os emigrantes poloneses fugiam de seu país, com a esperança de que a situação iria melhorar, e então, poderiam regressar aos seus lares. É por essa razão que, a maior parte, não se distanciava muito da pátria; acomodava-se nos países vizinhos até o momento propício, para regressar mais facilmente. As nações preferidas para um refúgio temporário eram as seguintes: França, Bélgica, Suíça, Itália, Inglaterra, e, somente mais tarde, os Estados Unidos. Houve época em que foram suprimidas as liberdades e sufocadas todas as atividades patrióticas. Então a imigração passava a

desempenhar no exterior um papel ativo e importante na preservação de todas as tradições e sentimentos religiosos, morais e culturais deste heróico povo.

Contrariando a ideia de retorno ou de estancamentos, durante o final do século XIX e início do XX, este movimento só aumentou. Conforme Joaquina Pires-O’Brien97, autora que

trata de cultura e de política na diáspora ibérica, “a instabilidade política mais a enorme repressão foi o motivo da emigração em massa dos poloneses não só para o Brasil, mas para outras partes da Europa e para as três Américas”. De acordo com Zdzisław Malczewski (2016)98, “o contingente exato da colônia polonesa no país é desconhecido, pois não existem a

esse respeito dados estatísticos exatos”. Sendo que “alguns autores estimam o grupo étnico polonês em 800 mil, outros em 1% da população do país, o que equivaleria a mais de um milhão e meio de pessoas. Os líderes polônicos apresentam até um número maior, que

97Texto “A Diáspora polonesa no Brasil”, Disponível em: https://jopiresobrien.wordpress.com/2011/10/10/a-

diaspora-polonesa-no-brasil/. Acesso em: 20 ago. 2018.

98Texto “Os poloneses e seus descendentes no Brasil: esboço histórico e situação atual da colônia polonesa no

atingiria 2 a 3 milhões de pessoas”.

Conforme Michael Pieslak99, atualmente existem cerca de 20 milhões de pessoas de

ascendência polaca vivendo fora da Polônia, o que faz com que a diáspora polonesa seja uma das maiores e mais dispersas do mundo, causada por emigração política e econômica, perseguições étnicas e expulsões. Em relação à América Latina, esta questão é reiterada por Dembicz (2006, 2008), Mazurek (2016) 100, entre outros, cuja emigração em massa ocorre

entre 1869 a 1939101.

A dispersão, então, estava ligada à percepção de fuga da realidade de crise cultural e social, fuga da germanização e de russificação e das imposições da igreja ortodoxa russa, buscando manter a liberdade da vivência cultural em diáspora. Estas questões estariam ressaltando as condições de fuga e de resistência, dimensionadas por Silva (2005) em relação à diáspora.

O documento: “Raport o sytuacji polonii i polaków za granicą” (o relatório oficial sobre a situação dos polacos e da Polónia no estrangeiro, tradução nossa)102, disponibilizado

em 2009 pelo Ministério das Relações Exteriores da Polônia103, desenvolvido com

informações diplomáticas e consulares da diáspora polonesa coletadas pelo ministério, situa a presença polonesa em 30 países com contingente emigratório significativo, cuja dispersão massiva está situada nos séculos XIX e XX. Conforme o Relatório do Ministério, os países estão localizados nos continentes: Europeu, Americano, Africano e Asiático, entre eles estão: Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Bielorrússia, Brasil, República Checa, Dinamarca, França, Grécia, Espanha, Irlanda, Islândia, Canadá, Cazaquistão, Lituânia, Letônia, Moldávia, Reino dos Países Baixos, Alemanha, Noruega, República da África do Sul, Rússia, Romênia, Estados Unidos, Suécia, Turquia, Ucrânia, Reino Unido e Itália.

Nesses distintos locais da diáspora, evidenciamos, entre as produções citadas, a presença ativa de organizações de obras polonesas, educacionais, bibliotecas, clubes,

99Texto do Blog: Poloneses ao redor do Mundo. Disponível em: http://www.nasza-

gazetka.com/Menu_Polonia/DIASPORA/DIASPORA.HTM. Acesso em: 20 ago. 2018.

100Jerzy Mazurek é uma referência para o campo. O historiador e pesquisador sobre a emigração polonesa,

principalmente relacionada à América Latina, nascido na Polônia e formado na Universidade de Varsóvia, possui reconhecido envolvimento com a temática em sua atuação docente e produção atual e na perspectiva acadêmica.

101 Sobre as distintas fases migratórias, trataremos no próximo capítulo.

102O relatório oficial sobre a situação dos polacos e da polónia no estrangeiro "Raport o sytuacji Polonii i Polaków za granicą” (tradução nossa), Varsóvia: Ministerstwo Spraw Zagranicznych (Ministério das Relações

Exteriores da Polônia), 2009. Disponível em:

https://web.archive.org/web/20120721162143/http://www.msz.gov.pl/files/docs/polonia/Raport_PPG.pdf. Acesso em: 01 set. 2018.

sociedades, associações, entidades e instituições oficiais, como os institutos culturais104,

organizações culturais, de ajuda mútua, recreativas e religiosas de seus emigrados, localizados no período delimitado pela pesquisa, mas, também na contemporaneidade.

Além de religiosos e camponeses, foram muitos os intelectuais e pessoas de profissões diversas que, principalmente após tentativas sucessivas e frustradas de converter a submissão polonesa, emigram para outros países, levando consigo a herança da resistência ativa aos processos de submissão e, mesmo após a reunificação, a emigração é evidenciada.

As questões acima apontadas são explicitamente decisivas para pensarmos esta situação migratória, considerando não só o aspecto de dispersão por diversos países, característico das diásporas, como apontado pelo relatório do ministério e pela historiografia. Aliado a isso, desvela-se a complexidade social e cultural na Polônia dividida, a resistência à imposição cultural e nacionalista que representava relações de poder conflitivas e de trauma, principalmente nas áreas de domínio russo. Assim, podemos afirmar não se tratar somente de uma emigração econômica, embora esta questão, somada a outras já evidenciadas, seja parte do processo.

No período de maior contingente migratório, o Brasil como país de destino ou lar diaspórico, assim como a Polônia como local de origem, ambos não configuravam estado- nações, então, o ponto de partida das identidades articuladas pelos migrantes em organizações associativas na diáspora, a partir de discursos identitários, não pode ser o Estado Nacional, mas, referências discursivas de identidades étnico-culturais, constituídas no processo pelo qual estão sendo perpassados, articulando-se a uma comunidade imaginada.

Para Mazurek (2016), no pós-reunificação, o fluxo migratório polonês irá apontar para a gradual diminuição da leva no entreguerras. Para o autor, isso se relaciona com as melhores condições da nação e a inserção de políticas nacionalistas. No entanto, esse período não está ligado a uma perspectiva de diáspora em inexistência do Estado-Nação, mas com a reunificação surgem outros objetivos para a diáspora, que agora passa a ser de interesse da Polônia ressurgida. No entanto, mesmo com algumas intervenções na dinâmica cultural e identitária entre migrantes, não há efetivamente como controlar com rigor tais processos.

Embora a emigração polonesa não possa ser somente enquadrada a partir da visão de uma emigração somente política, como no caso dos anti-salazaristas, ela configurava processos de resistência contra a imposição cultural e a (des)mobilização popular em

104Texto “Institutos Poloneses” na página do Ministério das Relações Exteriores do governo Polonês. Disponível

em:

https://www.msz.gov.pl/en/p/msz_en/foreign_policy/public_diplomacy/polish_institutes/polish_institutes/__rp0x 2Content!13229@125603_pageNo/1. Acesso em: 15 ago. 2018.

detrimento da adesão aos discursos nacionalistas imperiais. Haesbaert & Porto-Gonçalves (2006, p. 11) apontam que, quando a exclusão socioespacial se acentua, surgem resistências. Para os autores, “Resistências que não acontecem apenas pela defesa de territórios culturais próprios, muitas vezes opressivos”; surge também a “organização de novas redes – ou novos “territórios rede””. Assim, a dispersão pode ser uma saída importante para exercer as estratégias não possíveis no contexto de dominação. Conforme Siuda-Ambroziak (2017, p. 11),

[...] os fluxos migratórios em massa foram desencadeados desde os finais dos anos 80 do século XIX ate a primeira década do século XX por um mecanismo chamado “imigração de corrente” ou “redes migratórias”, em que as sucessivas ondas apareceram graças a relações mantidas entre os emigrados e seus familiares e amigos nas aldeias polonesas (PRASZAŁOWICZ, 2002, p. 28).

Apoiando-se nas reflexões já apresentadas, compreendemos que, ao pensarmos a dispersão de populações polonesas em distintos locais pelo mundo, considerando o contexto da emigração e o período delimitado, as questões de tangência cultural e a historiografia, torna-se plausível agregar a categoria diáspora como instrumento teórico que percebe como decisiva, a (re)construção de identidades diasporicas.

No entanto, embora tenhamos evidenciado alguns dos aspectos que se relacionam com a perspectiva da situação migratória de diáspora, as questões de tangência cultural e a convergência com fenômenos sócio-históricos na historiografia, não discutimos até aqui a etnicidade articulada na imaginação das identidades étnico-culturais e a comunidade imaginada entre migrantes poloneses no Brasil, questão esta da qual buscaremos nos próximos capítulos, encaminhar respostas de maneira mais focalizada ao estudar a (re)construção das identidades étnico-culturais entre a comunidade polonesa no Brasil, articuladas nas sociabilidades das Uniões das sociedades Kultura e Oswiata, situadas em Curitiba, no Paraná.

4 MIGRAÇÕES E COLONIZAÇÃO NO BRASIL - SÉCULOS XIX E XX, A

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