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CAPÍTULO III – FONTES DA TEORIA MATEMÁTICA DE ZOLTAN

3.2 JEAN PIAGET

3.2.1 Conceitos centrais na teoria de Piaget

A maioria dos estudiosos da abordagem piagetiana considera que existem três conceitos fundamentais em sua teoria, a saber: conteúdo, estrutura e função.

O conteúdo refere-se ao conjunto de dados brutos de um determinado comportamento. Estes aspectos que se manifestam exteriormente referem-se à atividade pensante do indivíduo, seus interesses, ou como ele resolve um problema. Os conteúdos são manifestos e sugerem diferenças na maneira de pensar. Ao se observar a manipulação de conteúdos do real realizada por uma criança, pode-se inferir quais estruturas construídas ou aquelas que ainda não foram elaboradas. Existe uma relação entre os conteúdos e as estruturas. Os conteúdos são os dados da realidade que serão trabalhados pela estrutura.

A estrutura é um conceito nitidamente de caráter biológico. O desenvolvimento da inteligência é influenciado por fatores biológicos como a transmissão hereditária do sistema nervoso – estrutura física – próprio da espécie. Outro exemplo de estrutura física hereditária são as reações comportamentais automáticas, como os reflexos de sucção, de preensão e de visão.

As reações comportamentais automáticas, nos seres humanos, são modeladas pela influência ambiental após os primeiros dias de vida, segundo pesquisas realizadas por Piaget. As estruturas físicas dão lugar a um novo tipo de organização de esquemas, a estrutura psicológica, que não é diretamente hereditária. Dessa forma, a criança desenvolve gradualmente as estruturas

psicológicas no processo de interação com o ambiente. Uma estrutura é formada de uma série de esquemas integrados. O esquema é um padrão de comportamento, uma estratégia de ação que a criança aplica a vários objetos. Quando dois ou mais esquemas funcionam de forma integrada, organizada, ocorre a formação de uma estrutura. Piaget fala do esquema de sucção, de visão e de preensão. De início, quando o bebê tenta agarrar um objeto que está ao seu alcance e não consegue é porque a estrutura formada pelos três esquemas citados não está formada, pois os esquemas não estão organizados. Posteriormente, as estruturas tornam-se mais complexas.

A criança entre 7 e 11 anos possui esquemas complexos e é capaz de realizar operações de classificação, quando lhe damos continhas de madeira vermelhas e azuis e lhe fazemos perguntas relativas a classes e subclasses, por exemplo: ―há mais continhas de madeira ou continhas vermelhas‖? A classificação é composta de uma série de estratégias de ação – esquemas – que constitui a estrutura psicológica formada por dados brutos da realidade e os processos funcionais. A estrutura apresenta três características: a totalidade, as transformações e autorregulação.

A totalidade é a primeira característica da estrutura que se afirma em oposição sobre a qual todos os estruturalistas estão de acordo: estruturas, agregados ou compostos existem a partir de elementos que dependem do todo. Este conceito é o oposto da visão atomista onde as partes têm suas características conservadas apesar de se encontrarem agrupadas. Na estrutura acontece o inverso, pois cada estrutura apresenta propriedades distintas daquelas dos elementos. Os números inteiros, por exemplo, não existem isoladamente, eles não foram descobertos em uma ordem qualquer para, em seguida, serem reunidos em um todo. Eles se manifestam em função da própria sequência, e esta, por sua vez, apresenta propriedades estruturais de grupos, corpos ou anéis. As propriedades das estruturas citadas são distintas das propriedades apresentadas por cada número inteiro separadamente que pode ser par, impar, primo, etc. Cada número que compõe a estrutura será compreendido não por si mesmo, mas sim em função do todo.

As transformações constituem a segunda característica de uma estrutura, referem-se às propriedades do todo constituído: o aspecto estruturado e o aspecto estruturante. O todo é estruturado como uma totalidade, e é também estruturante

enquanto sistema de transformações. É estruturante na medida em que é base para estruturações posteriores por meio da atividade. Para Piaget, uma estrutura é resultado de um processo contínuo e construído, em oposição às ideias estruturalistas provenientes de um pensamento imobilista. A estrutura não é uma entidade estática, mas um sistema de transformações. Uma estrutura mental é um conjunto de atividades interiorizadas, que assimila dados do real. A estrutura pode ser concebida à imagem de uma entidade orgânica que tem uma gênese. Para Piaget não há estrutura sem gênese, nem gênese sem estrutura, isto é, o todo organizado transforma-se e o que se transforma já estava organizado e neste processo de mudança, ocorre aperfeiçoamento, ultrapassagem, salto qualitativo. O produto não é o que realmente importa, dentro do ponto de vista da Epistemologia Genética, mas sim o processo de construção.

A autorregulação é a terceira característica da estrutura e permite as transformações internas de conservação e fechamento, ao mesmo tempo em que garante a permanência da totalidade. A estrutura regula a si própria e suas transformações inerentes conduzem para sua própria fronteira e os elementos engendrados pertencem sempre à estrutura e conservam suas leis. Apesar de a estrutura fechar-se em si mesma, ela pode como subestrutura fazer parte de uma estrutura maior. A autorregulação é formada de três processos essenciais: as operações, a regulação e o ritmo. As operações são ações interiorizadas, reversíveis que coordenam a estrutura. A regulação é uma operação que funciona como compensação parcial que corrige erros oriundos da ação por meio de antecipações e retroações existentes no processo de equilibração. O ritmo pode ser encontrado em todas as escalas biológicas e humanas, como os ritmos circadianos que apresentam um período de 24h.

O terceiro aspecto fundamental da teoria piagetiana é o conceito de um processo invariante denominado função. São duas as funções invariantes: a organização e a adaptação. Esta última divide-se em assimilação e acomodação. A organização e a adaptação não são dois processos separados, mas dois processos complementares de um único mecanismo. A organização é o aspecto interno do ciclo e a adaptação é o aspecto externo. A organização refere-se à tendência de todas as espécies de sistematizar e organizar seus processos em sistemas coerentes, que podem ser físicos ou psicológicos. Entre os sistemas físicos, o aparelho circulatório, por exemplo, apresenta uma organização de estruturas

menores em hierarquia. No plano psicológico, vemos que o bebê inicialmente apresenta os esquemas de ―olhar‖ e de ―preensão‖ isolados e não integrados. Gradualmente a organização entre os dois esquemas acontece e o bebê consegue estender a mão e segurar o objeto que vê.

A adaptação é uma noção nitidamente biológica e refere-se à tendência que possuem todos os organismos a se adaptarem ao ambiente. É um processo dinâmico que compreende duas funções invariantes: a assimilação e a acomodação. A assimilação é um termo que Piaget tomou emprestado da Biologia e é alusivo ao comer, em que o alimento é ingerido, assimilado. Refere-se ao processo cognitivo que integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual aos esquemas ou padrões de comportamentos já existentes no organismo. Este processo possibilita a adaptação cognitiva do indivíduo ao ambiente, a ampliação dos esquemas, mas não explica como as transformações ocorreram. Pode-se comparar um esquema a um balão e o ato de enchê-lo ao processo de assimilação. Gradativamente o balão fica maior (crescimento por assimilação), mas a sua forma continua a mesma.

A acomodação consiste na combinatória de esquemas anteriores e opera mudanças na estrutura do organismo, o que permite lidar com estímulos ambientais. A expressão afasta-se do sentido corriqueiro do termo – conformação – e significa um esforço de reestruturação para o enfrentamento do meio. Na acomodação, as estruturas e os esquemas são modificados diante de um estímulo diferente ou radicalmente novo advindo do ambiente. Uma criança que estudou português e literatura necessita do processo de assimilação para estudar história; mas se resolve estudar matemática, precisa de novas estruturas para lidar com esta disciplina.