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Um programa de matemática para o nível elementar, de Zoltan Paul

CAPÍTULO IV – A TEORIA DE ZOLTAN PAUL DIENES NO

4.3 O PROGRAMA DE MATEMÁTICA DE DIENES NO BRASIL

4.3.1 Obras traduzidas no Brasil

4.3.1.1 Um programa de matemática para o nível elementar, de Zoltan Paul

O Programa de Matemática para o Nível Elementar foi desenvolvido por Zoltan Paul Dienes, com a colaboração de Claude Gaulin e Dieter Lunkenstein, do Centro de Pesquisas Psicomatemáticas da Universidade de Sherbrooke. Dirige-se às crianças do nível elementar, na faixa de idade de 5 a 11 anos. Foi traduzido no Brasil, em 1969.

O Programa baseou-se no estado atual da Matemática e no desenvolvimento da psicogênese. Dessa forma, une dois campos do conhecimento: Matemática e Psicologia. O trabalho constatou a deficiência dos programas tradicionais e apontou como causa a ignorância dos matemáticos relativos aos problemas psicológicos e o conhecimento superficial dos psicólogos a respeito dos conteúdos matemáticos.

O estudo representou o esforço de dez anos de trabalhos do prof. Zoltan Paul Dienes em diversas partes do mundo e recebeu o apoio de colaboradores do Grupo Internacional sobre a Aprendizagem de Matemática (ISGML) e sua implantação foi realizada em Sherbrooke, província de Quebec, Canadá.

Três concepções subjacentes foram apresentadas pelo programa: (A) a concepção da Matemática; (B) a concepção Psicológica; e (C) a concepção Pedagógica.

(A) A concepção Matemática subjacente ao programa referia-se aos trabalhos de Nicolas Bourbaki, apoiado na teoria de conjuntos, fato que possibilitou

uma unidade nesta disciplina, que pode ser representada pelas estruturas matemáticas.

Diante da modernização do ensino secundário, urge apresentar um programa para o nível elementar que se alicerce sobre as estruturas matemáticas e lógicas, sobre as noções unificadoras de relações, funções (operadores) e morfismos.

O estudo de estruturas matemáticas defendidas por Dienes, no nível elementar e secundário, não diz respeito ao estudo de estruturas no nível formal, mas ao estudo por meio de concretizações múltiplas apresentadas de diversas formas diferentes, tais como:

[...] situações comuns na vida diária, jogos, contos matemáticos, manipulações de materiais concretos, gráficos, etc., os alunos serão, então, levados a explorar e a ―manipular‖ essas concretizações e, em seguida, a construir isomorfismos entre elas (DIENES et al, 1969, p.3).

Essa abordagem didática permite uma aproximação gradual da abstração dos conceitos e das estruturas matemáticas importantes presentes no curso secundário.

O estudo dos conjuntos com crianças pequenas deve ser iniciado no nível concreto (material) com o emprego de cartões, blocos lógicos, miniaturas, brinquedos, entre outros. A seguir, apresentava-se a ideia ―ingênua‖ de conjunto como coleção de objetos particulares, com o objetivo de trabalhar a intuição. O estudo axiomático de conjunto será desenvolvido mais tarde e os objetos serão tratados de forma indefinida, mas que satisfazem a certos axiomas.

Dienes defende o estudo de grupo no nível elementar e diz que é possível o estudo do grupo de Klein nesta fase, desde que não fale no termo grupo de Klein e nem na definição formal de grupo para as crianças. O importante é propor atividades em encarnem a estrutura matemática do grupo de Klein.

Dienes imaginou diversos jogos relativos ao grupo de Klein em que participam crianças, blocos, palavras, formas geométricas, números, etc. Depois de trabalharem com as regras dos jogos, as crianças podem descobrir semelhanças entre eles, podem tentar construir isomorfismos, e, finalmente, atingir o nível de abstração do grupo de Klein.

O programa objetivou construir com o aluno, a partir de experiências concretas, um nível de abstração que funcionava como um suporte intuitivo para a aprendizagem formal.

(B) O conteúdo matemático do programa permitiu uma integração (unidade) entre os diversos assuntos, antes justapostos, tais como: aritmética, geometria, álgebra, entre outros.

Dessa forma, o conteúdo matemático do programa foi apresentado por meio de cinco caminhos paralelos e progressivos, porém considerados em sua integridade. Oficinas podem ser oferecidas aos professores sobre o preparo do material necessário às atividades desenvolvidas no programa que incluirão jogos e fichas de trabalho relativas aos assuntos. Os cinco caminhos apresentados pelo programa são:

 Caminho 1 (―caminho algébrico‖) – noções de conjuntos, representados por meio de diagramas de Venn ou de Carroll. Operadores (no sentido de aplicação ou função) e Introdução à axiomática. Observação: o termo ―algébrico‖ diz respeito à álgebra moderna em que os símbolos apresentados referem-se, de maneira geral, a elementos de conjuntos abstratos.

 Caminho 2 (―caminho aritmético‖) – aprendizagem de número natural a partir das noções de conjuntos. Bases de numeração. Concretização do domínio numérico das estruturas de grupo.

 Caminho 3 (―caminho lógico‖) – propriedades (atributos de objetos) ou de conjunto de objetos, operações sobre as propriedades. Tabelas de verdade.

 Caminho 4 (―caminho geométrico‖) – figuras geométricas planas no espaço; noções topológicas; transformações geométricas no plano. Medidas arbitrárias e convencionais. Operadores sobre figuras geométricas (transformações). Concretizações de natureza geométrica de grupos matemáticos

 Caminho 5 (―caminho probabilísticos e estatísticos‖) – conteúdos estudados no Centro de Pesquisas de Psicomatemática, em Sherbrooke.

A primeira parte dos caminhos de 1 a 4 foram objetos de pesquisas em diversos meios. Os outros itens de cada caminho foram investigados no Centro de Pesquisas Psicomatemáticas, em Sherbrooke, por Zoltan Paul Dienes; em Budapeste, pelo professor Vargas e na Alemanha, no Paedagogishe Heidelberg.

(C) Os princípios pedagógicos, subjacentes ao programa, basearam-se na teoria de Jean Piaget em que a existência de estágios de desenvolvimento cognitivo

é aceita. A criança do curso elementar encontra-se no estágio operatório concreto. Nesta fase, insiste Dienes, a aprendizagem de matemática pode utilizar atividades concretas variadas, empregar uma pedagogia centrada na criança e uma metodologia adaptada.

Como a Matemática tem por objeto a abstração, torna-se indispensável utilizar uma pedagogia adaptada que assegure a cada aluno iniciar e completar os processos de abstração e generalização necessários ao entendimento dos conceitos. Essa abordagem pedagógica necessita de uma mudança radical por parte das autoridades e dos professores. O programa baseou-se prioritariamente no ensino centrado na criança. Esta necessidade decorre dos princípios psicológicos que apoiam o programa e que privilegiam a aprendizagem e não a transmissão de conhecimentos, adotada pela pedagogia tradicional.

Os professores do curso elementar, na prática, podem dar preferência a uma escolha de assuntos de forma flexível, onde a prioridade não é o currículo, mas a formação de estruturas importantes para a aprendizagem de matemática.

Nas classes experimentais de Sherbrooke, o progresso das crianças foi registrado por meio de fichas. Os exames (provas) foram substituídos por exercícios individuais ou em grupo e apresentados sob a forma de fichas ou jogos, ou, às vezes, perguntas. Isto permitiu o acompanhamento do desenvolvimento cognitivo da criança sem privilegiar o caráter seletivo ou eliminatório.

Esse objetivo foi alcançado por meio da organização de aulas em que as crianças discutiam entre si. O trabalho em equipe facilitou a compreensão e o respeito às diferenças individuais. O trabalho individual também foi importante e foi utilizado regularmente. Essa abordagem pedagógica requer compreensão, confiança e paciência.

No entanto, é importante ressaltar que os princípios pedagógicos enfatizados no parágrafo anterior levam em conta a natureza do processo em que ocorre a abstração de um conceito matemático. Para Dienes, até o presente momento não ocorreu na Psicologia um estudo dos processos cognitivos mais complexos que acontecem na aprendizagem de Matemática, tais como: abstração de um conceito, o princípio das concretizações múltiplas; fases na abstração de um conceito; o ciclo completo da aprendizagem de um conceito e a generalização de um conceito ou de uma estrutura.

 Na abstração de um conceito, a criança percorre diversos processos de abstração ligados entre si, isto é, a partir de diversas abstrações, a criança constrói uma propriedade comum a essas situações até chegar a uma classe de elementos.

 Na fase de abstração de um conceito, Dienes foi influenciado pela teoria de Piaget. No entanto, recria, em escala microscópica, as fases de desenvolvimento do pensador suíço dividindo o processo de abstração de um conceito matemático em três fases: no nível elementar, a abstração aparece na atividade lúdica. Assim, prepara-se inconscientemente o terreno para o processo de abstração em que a criança toma consciência das limitações impostas pelo ambiente. Aqui, surge a diferença entre jogo livre (primeira fase) e jogo com regras. A terceira fase acontece quando a criança compreendeu as duas fases anteriores e toma consciência das propriedades que são comuns a estas fases. Esta fase prepara a criança para a abstração de um conceito ou estrutura e, finalmente, para novas operações, abstrações e generalizações.

 O ciclo completo da aprendizagem matemática de um conceito ou de uma estrutura matemática foi percebido, posteriormente por Dienes, em trabalhos realizados com crianças em diversas partes do mundo que o levaram a acrescentar uma quarta, uma quinta e uma sexta fase ou etapa que se seguem ao processo de abstração. O processo completo constituía-se de seis fases, conforme está descrito na obra As seis etapas do processo de aprendizagem em matemática. Dessa forma, para analisar e utilizar um conceito, após o processo de abstração, a criança pode exteriorizá-lo para melhor examiná-lo. Isto é feito por meio da representação (quarta fase) do conceito ou estrutura, por meio de desenhos, esquemas, pinturas, etc., etapa importante para a simbolização (quinta fase) que necessita da criação de uma linguagem de enunciados lógicos. Por último, aparecerá a axiomatização (sexta fase) na qual a criança descobre as regras que permitem deduzir propriedades a partir de outras já descritas.

 A generalização de um conceito ou estrutura ocorre paralelamente ao processo de abstração e desempenha um importante papel na aprendizagem de matemática.