• Nenhum resultado encontrado

2     DESIGN: AVENTURA PELO TEMPO

2.7     A conexão entre a retórica e o design

 

2.7    A conexão entre a retórica e o design  

 

Design  e  Linguística  são  grandes  áreas  de  conhecimento  com  algumas 

características em comum, e possuem como matéria principal em seu âmago a comunicação  e  a  linguagem.  E,  como  a  Linguística,  o  Design  encontra‐se  no  estudo  e  no  emprego  dos  conjuntos das linguagens, seja verbal ou não verbal, no caso do Design Gráfico, verbo‐visual.  No  início  do  estabelecimento  da  Linguística  como  ciência,  seu  precursor,  Saussure,  já  assertou, deixando claro que qualquer manifestação da linguagem humana seria matéria de  constituição da linguística: 

 

A  matéria  da  Linguística  é  constituída  inicialmente  por  todas  as  manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou  de  nações  civilizadas,  de  épocas  arcaicas,  clássicas  ou  de  decadência,  considerando‐se  em  cada  período  não  só  a  linguagem  correta  e  a  “bela  linguagem”,  mas  todas  as  formas  de  expressão.  Isso  não  é  tudo:  como  a  linguagem escapa as mais das vezes à observação, o linguista deverá ter em  conta  os  textos  escritos,  pois  somente  eles  lhe  farão  conhecer  os  idiomas  passados ou distantes. (SAUSSURE, 2012, p. 37) 

 

   

Saussure  já  aponta  que  manifestações  de  linguagem  são  alvo  de  estudo  da  Linguística  e  lembra  que  também  as  linguagens  visuais  compõem  textos.  E,  como  se  sabe, 

uma das áreas de conhecimento que se sanciona pelo uso das linguagens visuais é o design  gráfico, que se dedica a configurar elementos visuais como forma de linguagem e seu caráter  persuasivo  o  faz,  mais  particularmente,  tangente  a  uma  área  específica  da  linguística,  a  Retórica. Almeida Junior e Nojima (2010), que estudam essa relação entre design e retórica,  afirmam: 

 

A afirmação acerca do Design Gráfico constituir uma tipologia de linguagem,  trazer  uma  face  gramatical  e  um  conjunto  vocabular  em  constante  formação,  colabora  com  a  abertura  de  um  grande  leque  exploratório  de  pesquisa.  Como  um  acontecimento  da  linguagem,  os  mais  diversos  discursos  dos  produtos  resultantes  dos  processos  do  Design  modelam  e  orientam,  retificam  e  reorientam  a  paisagem  cultural  da  vida  cotidiana.  E,  ao  qualificar  especialmente  o  Design  Gráfico  como  uma  espécie  de  linguagem,  assevera‐se  que,  num  sentido  amplo,  sua  aplicação  se  dá  por  meio  de  signos  voltados  à  comunicação  humana,  representados  nos  mais  diversos  suportes  passíveis  dos  processos  gráficos  de  reprodução.  Nessa  linha,  a  abordagem  reflexiva,  orientada  pela  manifestação  da  linguagem,  abre  caminho  ao  estudo  de  características  que  permitem  reconhecer,  em  uma composição gráfica, a potência criativa, persuasiva e argumentativa do  Design Gráfico: sua retórica. (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA, 2010, p. 15)    O caráter persuasivo das peças gráficas produzidas no design se encontra dentro  da matéria de estudo da Retórica: a argumentação.    

Argumentar  é  o  meio  civilizado,  educado  e  potente  de  constituir  um  discurso que se insurja contra a força, a violência, o autoritarismo e se prove  eficaz  (persuasivo  e  convincente)  numa  situação  de  antagonismos  declarados. Argumentar implica demonstrar ideias para clarear o espírito do  outro  nossa  posição  diante  de  um  assunto  polêmico.  (FERREIRA,  2015,  p.  14) 

 

Para se determinar o caráter persuasivo do design, é necessário que se entenda  em  qual  tipo  de  discurso  ele  se  enquadra.  Dos  três  gêneros  definidos  por  Aristóteles,  o  epidíctico é com o qual o design mais se identifica, pois sua característica principal associa‐se  à do design, que é a função do auditório. Ou seja, ele se comporta como espectador, dele é a  responsabilidade  de  julgar  o  discurso  apresentado  gostando  ou  odiando.  Nesse  sentido,  Meyer  (2007,  p.  28)  explica  o  gênero  epidíctico  como  “centrado  no  estilo  atraente  e  agradável,  em  que  o  auditório  desempenha  um  papel  preciso,  pelo  fato  de  comandar  o 

louvor  ou  a  aclamação  ou  a  censura”.  Ferreira  (2015,  p.  22)  advoga  também  a  função  do  auditório no gênero epidíctico como espectadores: 

 

aqueles que analisam a capacidade do orador no ato de louvar ou censurar  algo  ou  alguém,  no  ato  de  versar  sobre  um  tema  do  presente,  atual,  que  causa interesse hoje e agora. Depois do discurso, os espectadores declaram  se concordam ou discordam, se acham belo ou feio o que foi dito, da forma  como  foi  dito,  sem  que  necessariamente,  precisem  tomar  uma  posição  definitiva sobre o que foi exposto [...]. (FERREIRA, 2015, p. 22) 

 

As  práticas  do  Design  funcionam  justamente  dessa  forma.  Isto  é,  apresenta‐se  um  discurso,  em  forma  de  uma  peça  gráfica  ou  artefato,  a  fim  de  produzir  sentido  para  o  auditório e promover a persuasão.   No livro Retórica do Design Gráfico (2010), Licínio de Almeida Júnior e Vera Lúcia  Nojima (2010) estruturam bem uma conexão entre os produtos do design e suas aplicações:    […] atividade criativa cujo objetivo é estabelecer qualidades multifacetadas  de objetos, processos, serviços e sistemas, conforme seus respectivos ciclos  de vida.  O sucesso da ação do designer está diretamente vinculado à materialização  de  suas  ideias  em  produtos  que,  pelas  possibilidades  de  uso,  geram  significação.  Essa  manifestação  semiótica  confere  a  comunicabilidade  exigida  e  desejada  à  construção  dos  significados  e,  consequentemente,  à  apreensão dos efeitos que esses produtos possam produzir. Nesse sentido,  as  modalidades  produtivas  do  Design  Gráfico  são  consolidadas  pela  manipulação de imagens verbais e não verbais. A concretização perceptível  e  decifrável  dessas  imagens  pressupõe  a  efetivação  de  uma  semiose  que  cria enunciações. (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA, 2010, p. 15) 

 

Enlaçando a teoria da argumentação e retórica, tem‐se como um bom exemplar  os filmes de animação, que são discursos epidícticos apresentados ao auditório‐espectador.  Sendo  que,  nos  filmes  de  animação,  o  designer  pode  trabalhar  em  várias  etapas  das  que  foram elencadas. Como elucidado anteriormente, é na grande etapa da pré‐produção, mais  especificamente  na  etapa  de  concept,  que  esta  pesquisa  vai  trabalhar,  visto  que  é  nessa  etapa que o profissional do design atua, não para menos. Ele trabalha na elaboração e nos  projetos dos personagens; analisa os objetivos específicos que o filme e o diretor requerem e  parte para a criação; e projeta os personagens de maneira intencional a corroborarem com  seus papéis dentro da diegese. 

Como  declarado  por  Junior  e  Nojima  (2010,  p.  15),  “o  sucesso  da  ação  do 

designer está diretamente vinculado à materialização de suas ideias em produtos que, pelas 

possibilidades  de  uso,  geram  significação”.  Isto  é,  as  práticas  que  o  design  desenvolve  são  para  atingir  um  objetivo  específico.  Adaptando:  a  prática  do  design  de  personagens  ou 

character design, funciona de forma intencional e cumpre um papel estratégico. 

Ajustando  os  parâmetros  comparativos  entre  design  e  retórica,  podemos  determinar algumas sobreposições:     O filme de animação como discurso.   O diretor como orador.   O público espectador como auditório.   Os objetivos de briefing do design incorporam o papel de objetivos do orador.   As etapas de produção do design com a Inventio e a Elocutio.   

O  filme  de  animação  pode  ser  estabelecido  como  discurso  (logos)  se  levarmos  em consideração que é uma mensagem, um texto. Podemos ainda estabelecer que o prólogo  do filme de animação funciona como exórdio do discurso ‐ de maneira geral, elementos que  precedem e possuem função elucidativa. O diretor sendo organizador, orientador e produtor  do filme, age como orador. Já o público espectador que assiste ao filme, é o auditório que se  atenta  ao  discurso  apresentado.  Como  parte  da  materialidade  do  filme  enquanto  discurso,  temos  os  textos  verbo‐visuais,  que  são  produzidos  pelas  atividades  do  design.  E  a  última,  senão a mais importante comparação, é entre os objetivos do briefing que o designer precisa  atender e os objetivos que o orador pretende com seu discurso. Essa comparação culmina na  premissa  da  eficiência  do  orador:  conhecer  seu  auditório.  O  designer  eficiente  também  se  dirige  a  seu  público‐alvo  de  maneira  minuciosa  procurando  se  comunicar.  Definindo  as  funções de briefing: “O briefing cria um trajeto de ação para criar a solução que se busca, é o  mapeamento do problema com a intenção de, após ter as ideias, criar soluções factíveis ao  problema apresentado”. (NAKATA; SILVA, 2013, p. 56) Em paralelo, o orador se dirige a seu  auditório de maneira também cuidadosa procurando sua adesão. Reforçando Chaïm e Lucie:  “O  conhecimento  daqueles  que  se  pretende  conquistar  é,  pois,  uma  condição  prévia  de  qualquer  argumentação  eficaz”.  (PERELMAN;  OLBRECHTS‐TYTECA,  2005,  p.  23).  O  briefing,  ferramenta do design, encara, como parte da problemática a ser resolvida, se comunicar com 

um público‐alvo determinado. Comunicar‐se de maneira adequada a fim de ser efetivo em  suas atividades.  Tanto  quanto o rétor se preocupa com seu auditório  antes de proferir seu  discurso.  

Essa congruência nos conceitos vai ser o ponto de partida para a associação da  produção dos textos  visuais no design. As etapas do sistema retórico – inventio,  dispositio, 

elocutio, actio – também podem ser verificadas se tomarmos o filme de animação como um 

discurso. Especificamente nas etapas inventio e elocutio que o design pode ser usado como  ferramenta.  Se  observarmos  o  conceito  da  etapa  da  inventio,  podemos  sobrepor  tranquilamente as teorias de briefing do design e objetivos do orador da retórica:   

 

É  no  momento  da  invenção  que  o  orador  demonstra  conhecer  bem  o  assunto e, por isso, consegue reunir todos os argumentos plausíveis para a  interpretação  do  discurso.  É  nesse  momento  também  que  se  interroga  sobre o auditório, identifica‐se com ele para que possa estabelecer acordos,  encurtar  distâncias  por  meio  do  assunto  que  irá  desenvolver.  (FERREIRA,  2015, p. 63) 

 

É  na  invenção,  inventio,  que  os  conceitos  de  briefing  e  objetivos  do  orador  se  encontram, por isso determinamos como ponto inicial, visto que é a sua preocupação com o  auditório ao qual se dirigirá que vai nortear a seleção de argumentos. Porém, nas atividades  do design, esses argumentos podem vir compostos por textos visuais, e a seleção das formas  e  cores  para  corroborar  com  os  objetivos  do  discurso  pode  ser  de  responsabilidade  do 

designer. 

Como Ferreira (2015, p. 63) ainda salienta, “a invenção pode ser invisível para o  auditório,  mas  é  sensível  para  o  analista,  pois,  se  traduz  na  disposição,  na  elocução  e  na  ação”. Perscruta que, para o auditório, essa preparação é discreta e não aparente, mas, para  o analista da retórica, ela é refletida nas outras etapas, inclusive na elocução, elocutio. “[...] a 

elocutio, culmina o processo ao revelar a superfície textual que, como significação global do 

ato retórico, chega ao auditório”. (FERREIRA, 2015, p. 116)  No trecho evidenciado, Ferreira  deixa  bem  claro  que  a  elocução  se  trata  da  maneira com  que  o  discurso  é  apresentado  ao  auditório,  sua  superfície,  como  ele  é  visto,  ouvido,  percebido,  sentido.  Relaciona‐se,  pois,  com a estilística do texto.  

A  maneira  mais  explícita  de  fazermos  ecoar  o  poder  das  palavras  está  no  modo  como  a  empregamos  no  discurso,  na  maneira  como  trabalhamos  a  elocutio (elocução). Em sentido técnico, a elocução é a redação do discurso  retórico.  Mais  do  que  uma  questão  estilística,  envolve  o  tratamento  da  língua em sentido amplo, abrange o plano da expressão e a relação forma  conteúdo:  a  correção,  a  clareza,  a  adequação,  a  concisão,  a  elegância,  a  vivacidade,  o  bom  uso  das  figuras  com  valor  de  argumento.  (FERREIRA,  2015, p. 116)    Ou seja, como esclarecido por Ferreira, na elocução mora a área de contato do  discurso com o auditório, sendo nela que ficam os conectores que podem facilitar a adesão  do auditório, o encurtamento das distâncias, a aproximação dos espíritos.