1 RETÓRICA DESBRAVADA
1.4 O sistema retórico
1.4.3 Elocução
No processo discursivo, essa etapa se define pela expressão dada ao discurso montado e planejado nas duas últimas etapas, a invenção e a disposição. A etapa da
elocução (elocutio) é a mais própria no que se refere ao orador. Logicamente todas as etapas
se referem a ele e, de uma maneira ou de outra, retratam sua capacidade nessa função. Porém a elocução é mais evidente e é a que se mostra em primeiro plano; é o condutor da capacidade do orador de, por sua vez, se aproximar ao auditório.
Para os antigos retores, a elocução está ligada ao estilo e à estética que o orador imprime no seu discurso. E, de forma mais específica, é o lugar em que o orador utiliza o vernáculo para dar vida à etapa da disposição, ou seja, é a etapa em que se aplica a construção linguística, em que se manifestam as qualidades e as imperfeições do orador na construção da superfície textual.
Sobre a elocução, Ferreira (2015) comenta:
A maneira mais explícita de fazermos ecoar o poder das palavras está no modo como as empregamos no discurso, na maneira como trabalhamos a elocutio (elocução). Em sentido técnico, a elocução é a redação do discurso retórico. Mais do que uma questão estilística, envolve o tratamento da língua em sentido amplo, abrange o plano da expressão e a relação forma e conteúdo: a correção, a clareza, a adequação, a concisão, a elegância, a vivacidade, o bom uso das figuras com valor de argumento. Como componente teórico operacional, mantém relação de sucessividade com a dispositio. (FERREIRA, 2015, p. 110)
Conforme citado por Ferreira, não se trata apenas de estilística ou de floreios da língua. Para que seja eficaz, o orador precisa construir um discurso claro, adequado, correto, conciso, elegante e vivo, tendo em vista que a eficiência do discurso seja o foco da elocução. Como Perelman e Olbrechts‐Tyteca (2004, p. 04) declaram que a Retórica se refere à obtenção da adesão dos espíritos diminuindo o espaço entre eles, nada mais estratégico e lógico do que o orador se colocar numa posição de maior proximidade ao auditório. Nesse sentido, Figueiredo e Ferreira (2016) apontam:
Sendo assim, a elocução revela o estilo do orador, que, por sua vez, deve adaptar‐se ao estilo do auditório. Na busca de clareza, o orador deve levar em consideração o auditório a que se dirige, pois o que é claro para um
público culto ou constituído de especialistas pode não o ser para um público iletrado ou infantil. (FIGUEIREDO e FERREIRA, 2016, p. 50)
Confirmando, Reboul (2004, p. 63) declara que “o que é claro para um público culto pode parecer obscuro para quem é menos culto e infantil para especialistas. Ser claro é pôr‐se ao alcance de seu auditório concreto”.
Reboul (2004, p. 61‐65) separa três importantes características a que o orador precisa se atentar na elocução: clareza, estilo e vivacidade. Em relação ao estilo, evidencia sobre os três gêneros de estilos que os latinos reconheciam: o nobre, o simples e o ameno. O orador, portanto, deveria estar atento em usar um estilo específico que fosse conveniente ao tipo de assunto de que se trata seu discurso. Como bem apontado por Reboul (2004):
O orador eficaz adota o estilo que convém a seu assunto: nobre para comover (movere), sobretudo na narração e na confirmação; o simples para informar e explicar (docere), sobretudo na narração e na confirmação; o ameno para agradar (delectare) sobretudo no exórdio e na digressão. (REBOUL, 2004, p. 62)
A clareza, por sua vez, é um aspecto que se refere, especificamente, às adaptações relativas ao auditório, ao que é claro e entendível ao público a que se discursa. Confirmando a afirmação anterior: “Ser claro é pôr‐se ao alcance de seu auditório concreto”. (REBOUL, 2004, p. 63)
A clareza se estabelece, pois, na capacidade que o orador possui de se nivelar comunicativamente ao auditório e conseguir o objetivo de passar o discurso de maneira inteligível e bem estruturada, garantindo que a comunicação no processo argumentativo seja efetuada com sucesso. Assim sendo, no discurso mal estruturado, pode‐se equivaler à falta de clareza, literalmente, à obscuridade. Se um tema ou assunto é estruturado de maneira além ou aquém das capacidades comunicativas de um auditório, é fato que a sensação de desnorteação será estabelecida.
Também a vivacidade é uma característica diretamente associada ao orador. Relacionada tanto à construção como à aplicação prática do ethos junto ao auditório. Com ela, o orador se apresenta alerta, dinâmico, engraçado, caloroso, vivo, instaurando‐se perante o auditório e valorizando sua presença e autenticidade.
O estilo, por fim, é uma característica do orador que trata de uma adaptação entre o discurso e o assunto. Por meio de um ponto‐chave, a conveniência, o orador se adapta ao tipo de assunto com o objetivo de mais se aproximar ao auditório, tornar o assunto mais próximo e tangível ao público.
Os latinos distinguiam três gêneros de estilo: o nobre (grave), o simples (tenue) e o ameno (medium), que dá lugar à anedota e ao humor. O orador eficaz adota o estilo que convém a seu assunto: o nobre para comover (movere), sobretudo na peroração; o simples para informar e explicar (docere), sobretudo na narração e na confirmação; o ameno para agradar (delectare), sobretudo no exórdio e na digressão. (REBOUL, 2004, p. 62)
É possível perceber uma relação entre a classificação dos possíveis estilos que o orador pode adotar, baseado na conveniência dos seus objetivos e nos momentos do discurso.
Quadro 2 ‐ Relação de estilos que um orador pode adotar
Estilo Objetivo Momento do discurso
Nobre/grave comover/movere Peroração (paixão), digressão
Simples/tenue explicar/docere Narração, confirmação, recapitulação Ameno/medium agradar/delectare Exórdio, digressão
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Reboul (2004, p. 62)
Portanto, ao discorrer sobre características específicas que um orador precisa possuir na elocução, Reboul separa: clareza, estilo e vivacidade. Ou seja, um orador, na etapa da elocução, a qual está diretamente relacionada à expressão do discurso, deve se mostrar claro, vivaz e adaptado ao seu auditório. Precisa objetivar clareza do que é proferido, de forma escrita ou falada; objetivar estilo para se adaptar ao auditório de acordo com seus objetivos: ensinar, agradar ou comover; e também objetivar a construção e o estabelecimento do seu ethos com a vivacidade. Reboul (2004, p. 64) corrobora, ao afirmar que “essas regras, porém, não passam de linhas gerais: evitar ser redundante, inutilmente abstrato, etc. O sabor do discurso não se ganha com regra alguma; quem faz é o autor”. Arrematando os conceitos apresentados dentro da estrutura teórica da elocução, é
necessário que se evidencie e ressalte: para o orador eficiente não basta se fazer claro somente, é necessário que se faça presente, pertinente e objetivo.
Quando se trata de filmes de animação, o tópico da elocução se faz muito pertinente. Enquanto discurso, o filme de animação se detém mais evidente na clareza, no
estilo e na vivacidade. É dentro desses três parâmetros que o design – responsável pelas
elaborações visuais do filme – vai demonstrar suas ações. Em capítulo específico, será esclarecida a relação intrínseca entre o design e os termos clareza, estilo e vivacidade. Por ora, é interessante que saibamos que o design lida com a programação visual. Portanto, clareza, estilo e vivacidade serão tópicos que serão relacionados às suas atividades, uma em particular, a character design.