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3.3 Fundamentos

3.3.2 Confiança

A boa-fé objetiva, como se defendeu, é o principal fundamento do venire, mas faltava um elemento que lhe conferisse autonomia científica, uma identidade própria, capaz de situar a proibição dos comportamentos contraditórios como preceito normativo apto a, isoladamente, regular condutas.51

Com o aprofundamento dos estudos do venire e da boa-fé objetiva, percebeu-se que seu propósito não era coibir incoerências quaisquer, porque essa diretriz era frágil e inconsistente. Não seria, portanto, qualquer contradição proibida, mas aquela contrária à expectativa criada com o comportamento inicial que vinculou os sujeitos, por força da boa-fé, a um comportamento leal e ético.

Para que essa expectativa fosse capaz de coibir a prática de um ato aparentemente lícito era necessário que ela decorresse de uma relação de confiança. Assim, como sintetiza Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011b, p.290), “a confiança permite um critério de decisão: um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas.”

O jurista alemão Hemann Eichler (apud MENEZES CORDEIRO, 2011b), a partir da boa-fé, confeccionou a doutrina jurídica da confiança, identificando este outro elemento e fundamento desse instituto, que acabou por consagrá-lo, pois conferiu-lhe a necessária autonomia para sua inserção na ciência jurídica. Trata-se

50 A rejeição da contradição com a sua própria conduta anterior é baseada na mesma exigência de confiança que fundamentalmente impõe a manutenção da palavra, o pacta sunt servanda, e a limitação do dever de prestação injusta através do princípio da boa-fé. [tradução livre]

51 Neste sentido, pontua Antonio Manuel

da Rocha e Menezes Cordeiro (2011b, p.285): “o recurso puro e simples a uma boa-fé despida de quaisquer precisões torna-se, perante essa relação de necessidade, num expediente insatisfatório para a ciência do direito e insuficiente para a prática jurídica”.

da tutela da confiança, “em que o nemo potest venire contra factum proprium se enquadra com perfeição” (SCHEREIBER, 2007, p.95).

Quando, respaldado na boa-fé objetiva, um comportamento aparentemente lícito é proibido, porque incoerente com o anterior, objetiva-se preservar aquele que foi traído nas suas justas e legítimas expectativas e, a partir daí, descobriu-se que, em última análise, o que se estava tutelando com a proibição do venire, era a confiança.

Assim, o estudo desse elemento é de fundamental importância para a compreensão do tema, considerando que é através da proibição de comportamentos contraditórios, em determinadas condições, que se conseguirá tutelar esse importante dogma, imprescindível às relações contratuais na era da boa-fé objetiva e inteiramente alinhado com os pilares constitucionais da dignidade da pessoa humana e solidariedade social.

O nemo potest venire contra factum proprium52 se insere nesse ideal axiológico, como um núcleo ou célula de proteção mais específica – a confiança.

Não é ético e, tampouco, leal que um sujeito crie em outro uma legítima expectativa por meio de uma conduta inicial, a qual se materializou pautada na confiança de que a incoerência não ocorreria e essa expectativa é frustrada por um segundo comportamento, totalmente incompatível com a postura anterior.

É possível concluir, desta forma, que a confiança é fundamento do venire, “de modo que o que se propõe a vedar não é a simples contradição, mas a quebra da confiança, que se materializou através da incoerência com o comportamento inicial” (SCHREIBER, 2007, p.101).

Nesse sentido, Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007) ressalta, em diversas passagens de sua obra, que a proibição do venire contra factum proprium, muito mais do que destinada à proibição da conduta de má-fé, na realidade destina- se, precipuamente, à proteção da confiança.

Assim, embora tenha na boa-fé seu principal fundamento, é na doutrina da confiança que o venire se destaca e ganha independência. Como revela Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011b, p.285), “o recurso puro e simples a uma boa-fé despida de quaisquer precisões torna-se, perante essa relação de necessidade, num expediente insatisfatório para a ciência do direito e insuficiente

para a prática jurídica.” Patente, portanto, que é o elemento da confiança que vai oferecer ao venire sua autonomia científica.

A confiança perpassa, inicialmente, por uma visão sociológica, como uma base indispensável nas relações humanas em geral, pela qual se reconhece ser fundamental “para a formação e a manutenção de condições que permitam aos homens se relacionar, assim como a impossibilidade de formação de vínculos sem a confiança” (GONÇALVES, 2008, p.38-39). Porém, para merecer tutela jurídica, a confiança não se vale apenas desta dimensão sociológica, sendo oportuna a lição de Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011a, p.1242-1243), neste sentido:

A importância sociológica assumida pela confiança não deve levar, no seu alcance como na sua construção, a uma transposição mecânica para o Direito. Em termos de relacionamento social, o Direito, como sistema, é um factor poderoso de redução da complexidade social, surgindo como fonte primordial de confiança: o conhecimento dos esquemas dogmáticos permite, por excelência, simplificar e ordenar os factores condicionantes de decisão. Numa sociedade dominada pela impessoalidade, como é de norma na sequência das revoluções industriais, as reduções permitidas pela confiança num contrato celebrado não advêm tanto de expectativas de comportamento regular da outra parte, como da segurança inculcada pela inserção do pacto em canais jurídicos, cujo percurso se encontra pré-determinado. Tanto basta para deixar claro não corresponder, a confiança sociológica, à dimensão que, da noção, se espera no Direito.

Portanto, a confiança assume seu valor objetivo e conteúdo jurídico a partir do seu juízo valorativo, do qual resultará a aplicação da boa-fé, pois esta necessita destes valores para a sua concreção enquanto norma aberta. Será extraído este juízo valorativo não por um critério puramente subjetivista, mas a partir da consciência jurídica da sociedade, pautando-se nos critérios objetivos fincados pela jurisprudência em casos assemelhados (GONÇALVES, 2008).

Eichler (apud MENEZES CORDEIRO, 2011a, p.1240) assegura que a lealdade contratual realiza a confiança, traçando regras incorporadas como verdadeiras situações de confiança na boa-fé objetiva, especialmente com os deveres pré-contratuais que lhe são inerentes. Acrescenta que a conexão entre a confiança e a boa-fé leva à criação de um elemento subjetivo de confiança nesta cláusula geral, pois para a sua concreção dependeria, inicialmente, de um

relacionamento pessoal entre as partes. Define, com estas aferições, que “o princípio de comportamento segundo a boa fé quer dizer que se deve actuar como, no tráfego, se é de esperar uns dos outros.”

A frustração da confiança por qualquer dos sujeitos que se comprometeu e levou a contraparte à criação de expectativas sérias e fundadas do seu comprometimento e do seu agir deve ser repelida pelo Direito. Não pairam dúvidas, então, sobre o fato de ser crucial para o ordenamento jurídico a proteção da confiança investida pelos sujeitos numa dada relação jurídica.

Para a proteção desta confiança, com base na boa-fé, alguns requisitos cumulativos mostram-se imprescindíveis, como a existência de uma situação justificada de confiança a ser protegida, a essencialidade da situação de confiança, a imputação ou responsabilidade pela situação de confiança e o interesse na proteção da confiança.53

A exigência de uma situação justificada de confiança deve ser pautada na ideia do homem médio para, a partir daí, aferir se a situação concreta tem aptidão para criar legítimas expectativas na contraparte, ou se estas decorreram de credulidade exacerbada da última, privilegiando-se apenas a primeira crença.

Ao lado deste pressuposto, deve-se observar a essencialidade da situação de confiança, assim entendida como o motivo determinante para a atividade do sujeito, sem a qual não haveria que se falar de relação jurídica. Logo, exige-se que o beneficiário da tutela tenha pautado a sua atuação na própria confiança, de forma que não pode desfazer sua atitude sem prejuízos irreparáveis. Perceptível que este requisito busca defender situação objetiva criada pelo investimento da confiança e não na confiança puramente interior da pessoa.

Ao denotar-se a noção de responsabilidade pela confiança incutida na contraparte, tem-se o terceiro requisito descrito – imputação ou responsabilidade pela situação de confiança – que determina que aquele que se valeu da confiança será o responsável pela sua defraudação.

Desta tutela jurídica da confiança, que gera um ambiente jurídico estável e previsível, promana a vinculação negocial das partes, não valorando apenas a

53 Vale-se a presente classificação da apresentação feita por Ronnie Preuss Duarte (2004, p.417), em seu artigo A Cláusula Geral da Boa-Fé no Novo Código Civil Brasileiro. O autor pauta sua divisão na proposta de Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro e Pais Vasconcelos, que entendem ser exigida a proteção da confiança se atendidos aos seguintes requisitos: a) situação de confiança; b) justificação para esta confiança; c) investimento de confiança e imputação da situação de confiança.

declaração de vontade, mas a confiança que esta declaração suscitou na contraparte. Logo, a confiança e suas expectativas criadas em quem se compromete no campo obrigacional é uma das principais motivações da realização do negócio jurídico, reforçando a sua força vinculativa, como certifica Judith Martins-Costa (2009, p.329):

É que, se por um lado a confiança é um dos fundamentos dos negócios jurídicos, por outro, a constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma declaração negocial. E assim o é na medida em que nenhuma ordem jurídica poderia tolerar que os negócios jurídicos fossem atos de leviandade, mutáveis segundo o arbítrio exclusivo de uma das partes, sem nenhuma consideração aos legítimos interesses do alter, destinatário da declaração negocial. Pelo contrário, os negócios jurídicos pressupõem declarações marcadas pela seriedade, sendo as declarações negociais, por sua própria função, especialmente capazes de gerar um qualificado grau de certeza – e, portanto, de confiança – sobre os significados da conduta da contraparte. A manifestação negocial, assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na confiança gerada pela declaração.

Devido à estrita ligação entre a boa-fé objetiva e a doutrina da confiança, princípio subjacente e implícito do sistema, existe a tutela de determinadas situações especiais que, quando violadas, projetam-se no campo da responsabilidade civil, gerando o dever de indenizar.

Assim, dessas situações especiais se extrai a repulsa a comportamentos injustificados dos sujeitos, mesmo durante as tratativas pré-negociais, em violação às legítimas expectativas geradas pela confiança depositada pela contraparte.

Lembra Judith Martins-Costa (2009, p.332) que muitas tratativas pré- negociais, como outros fatos jurídicos não enquadráveis como negócio jurídico, geram não o dever de prestação, mas “a geração de específicos deveres de proteção contra danos resultantes de uma confiança ilegitimamente suscitada”, caracterizando-se como a eficácia indenizatória do princípio da confiança.

Por fim, é preciso investigar o interesse nesta tutela, ou seja, o sujeito que dela necessita tem de demonstrar que o abrigo jurídico lhe trará alguma vantagem, ainda que limitada à repulsa do prejuízo que amargaria sem a proteção (DUARTE, 2004).

Configurados todos os requisitos necessários à tutela da confiança, este elemento, essencial em qualquer relação negocial, também fundamenta a aplicação do venire contra factum proprium na solução dos casos concretos.

3.3.3 Abuso de Direito

É possível estabelecer, ainda, íntima relação entre o venire contra factum proprium e o instituto do abuso de direito, bem como deste com a boa-fé.

O abuso de direito foi expressamente previsto no CC, que positivou a premissa de que também comete ato ilícito aquele que, no exercício de seu direito, “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” – artigo 18754.

Pautado na máxima de que nosso direito termina onde começa o do próximo, Rui Stoco (2002, p.59) confirma a teoria da relatividade dos direitos subjetivos, ressaltando que o direito deve ser exercido com ética, sob pena de transformar o exercício regular em abusivo.

Judith Martins-Costa (2004, p.122), depois de afirmar que o artigo 187 do CC é “sedes materiae do venire contra factum proprium no ordenamento brasileiro”, ressalta que esse dispositivo contempla um novo conceito de ilicitude civil (ilicitude de meios) que reverbera no delicado problema da limitação do exercício de direitos subjetivos.

O abuso de direito está, assim, inserido no contexto de noções éticas que devem nortear os negócios jurídicos e o exercício de direitos. Sua relação e sintonia com a boa-fé objetiva são históricas e tão alinhadas que muitas vezes os institutos se confundem. Ao exercer um direito de forma abusiva, sem razoabilidade e ética, o seu titular também comete ato ilícito.

Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011b, p.670-671), após aprofundado estudo sobre o abuso de direito – desde a origem da expressão, atribuída ao autor belga Laurent – destaca que o instituto surgiu após “uma série de situações jurídicas ocorridas na França, nas quais o tribunal, embora reconhecendo,

54 O dispositivo legal sofreu direta influência do art. 334º do Código Civil português, que possui semelhante dicção: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito.”

na questão de fundo, a excelência do direito do réu, veio a condenar, perante irregularidades no exercício desse direito.” O jurista português critica a abstração do instituto e conclui:

O abuso do direito – no que se mostra por detrás da mera fórmula legal, uma verdadeira recepção da doutrina germânica – serviu para dar cobertura à reprovação do venire contra factum proprium, à supressio e à inivocabilidade de certas nulidades formais (MENEZES CORDEIRO, 2011b, p.716).

Após profícuos estudos sobre o tema, a doutrina procurou distanciar a noção subjetivista do abuso de direito, pois este critério exigia a investigação da esfera íntima do sujeito, não logrando os resultados desejados.

Partiu-se, então, para uma configuração objetiva do abuso do direito, baseada em um critério teleológico para sua identificação, que ocorreria sempre que o titular do direito, ao exercê-lo, se distanciasse do ideal de solidariedade social, que tem no seu conteúdo o respeito à boa-fé objetiva. Desta forma, diante do novo critério norteador do abuso do direito, prescinde-se do exame da intenção ou culpa do sujeito que exorbitou os limites no exercício do seu direito.

Lembra Wagner Mota Alves de Souza (2008, p.181) que a doutrina do abuso de direito teve por finalidade estabelecer contornos jurídicos ao senso ético orientador da conduta humana, impondo limitações àquele que, sob a alegação do exercício de direitos, buscava desvirtuá-los. Verifica-se, portanto, que a noção de boa-fé objetiva foi incorporada à teoria do abuso de direito, uma vez que haverá exercício abusivo de direito se ocorrer violação da boa-fé.

Existe, portanto, uma indiscutível e salutar ligação umbilical entre abuso de direito e boa-fé objetiva no ordenamento jurídico pátrio, através do art. 187 do CC, podendo-se afirmar que “a boa-fé funciona como um dos critérios axiológico- materiais para a verificação do abuso de direito” (SCHREIBER, 2007, p.118).

Torna-se visível que, sob este ângulo, o abuso de direito seria mais amplo que a boa-fé. Perfeitamente compreensível, portanto, o entendimento que considera a boa-fé objetiva espécie do gênero abuso de direito, já que, além dessa figura, também são consideradas abusivas as condutas contrárias aos bons costumes ou ao fim econômico e social do Direito.

Entretanto, sob outra ótica, a boa-fé mostra-se mais ampla que o abuso de direito, tendo em vista as demais funções que desempenha – interpretativa e

criadora de deveres anexos – pelo que se pode afirmar que boa-fé objetiva e abuso de direito são conceitos autônomos e não excludentes, podendo-se falar, então, em “abuso de direito por violação da boa-fé, sem que aí se esgotem todas as espécies de abuso, ou todas as funções da boa-fé” (SCHREIBER, 2007, p.119).

Como o abuso de direito ocorre quando alguém, ao praticar ato lícito (exercendo o seu direito), se excede a ponto de causar lesão a direito alheio, o venire se insere como categoria de ato abusivo, mas a abusividade se caracteriza pela violação da boa-fé, que acaba por se constituir o seu fundamento.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p.518) reconhecem que:

[...] apesar do silencio da lei, promovida uma interpretação liberta das amarras positivistas, percebe-se que o venire contra factum proprium é consectário natural da repressão ao abuso de direito, sendo perfeitamente aplicável no direito brasileiro.

A boa-fé, assim como a função social do contrato, serve de elemento para caracterização do abuso, dada a abstração do seu conteúdo e a proibição do venire; embora se destaque como hipótese de abuso, só pode ser considerado ilícito porque violou a boa-fé objetiva, decorrente da expectativa frustrada daquele que se pautava na relação de confiança existente.

Com efeito, como ressalta Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p.296), “toda ocorrência do venire contra factum proprium, traduzindo uma agressão à boa- fé e um desvio de finalidade para qual o direito subjetivo havia sido reconhecido ao seu titular, poderá sempre ser enquadrada como um caso de abuso do direito.” Nesse contexto pode-se enquadrar o venire como espécie de exercício abusivo de direitos.

Certo é que a boa-fé objetiva é o maior fundamento e respaldo para aplicação do venire contra factum proprium, que tem na tutela da confiança seu principal traço, conferindo-lhe papel relevante na ciência do Direito. Essa engrenagem já funcionaria por si só, ainda que sem a figura do abuso de direito. Este, contudo, agrega, configurando-se como mais um fundamento e reforçando a importância e aplicabilidade do instituto do venire.

3.4 Pressupostos

A proibição de comportamentos contraditórios pressupõe a coexistência de alguns requisitos para sua configuração e incidência nos casos concretos. Como já se destacou neste capítulo, a incoerência, um dos requisitos e sua principal característica, por si só não tipifica o ilícito, carecendo para tanto da existência concomitante de outros fatores para que produza os efeitos jurídicos necessários a coibir a contradição ou a indenizar eventuais danos e prejuízos.

3.4.1 Factum Proprium

Para caracterização do venire é indispensável a realização de um primeiro ato, gerador de uma justa expectativa naquele que teve sua legítima confiança vilipendiada. Tudo começa, então, com o ato inicial, denominado factum proprium, primeiro requisito analisado.

De modo contrário ao que parece, não se trata de um ato jurídico strictu sensu – assim compreendida uma declaração de vontade, sem conteúdo negocial e com efeitos jurídicos já previstos no direito positivo. Nesse sentido, a respeito do ato jurídico, esclarecem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p.349) que:

Neste tipo de ato não existe propriamente uma declaração de vontade manifestada com o propósito de atingir, dentro do campo da autonomia privada, os efeitos jurídicos pretendidos pelo agente (como no negócio jurídico), mas sim um simples comportamento humano deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei.

O factum proprium não tem uma consequência jurídica definida no ordenamento jurídico positivo. Não se pode extrair dele, isoladamente, nenhuma obrigação já fixada por lei. Sua força vinculante decorre da tutela da confiança, que exsurge da boa-fé objetiva. No ato jurídico tradicional o direito positivo já assegura a proteção aos sujeitos por eventual contradição, independente da análise da confiança despertada por um dos sujeitos.

Não fosse o interesse em tutelar a confiança, inserida nas diretrizes éticas da boa-fé objetiva, o comportamento inicial seria irrelevante do ponto de vista

jurídico e não se enquadraria na concepção de factum proprium. Quando eventual contradição a um comportamento inicial encontra sanção estabelecida em lei, ou no próprio contrato, não há necessidade de valer-se do instituto do venire para solucionar o conflito.

Anderson Schreiber (2007, p.134-135) classifica o factum proprium à luz do direito positivo como “conduta não vinculante” e apresenta como exemplos o comportamento concreto de uma das partes à margem das cláusulas contratuais, a sustentação de um determinado sentido na interpretação de uma norma, as tratativas iniciais do negócio jurídico e conduta qualquer que não seja em si

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 68-89)