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A diretriz do Venire nas súmulas do TST

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 166-168)

4 O VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM E OS DIREITOS

5.3 A diretriz do Venire nas súmulas do TST

Embora o instituto não seja expressamente mencionado em nenhuma súmula do Tribunal Superior do Trabalho, tampouco nos fundamentos das decisões que serviram de precedente para uniformização da jurisprudência, é possível identificar em alguns verbetes a influência do venire ou, ao menos, situações que se inserem perfeitamente como hipótese de comportamento contraditório que, embora sob outro fundamento, não foram toleradas pela mais alta corte trabalhista.

Na Súmula 29198, que trata da hipótese de indenização decorrente da

supressão de horas extras, o comportamento do empregador, de exigir o labor suplementar de modo habitual por um período razoável de tempo, criou no empregado a legítima expectativa de continuidade na percepção desse plus salarial, que passou a fazer parte do seu orçamento familiar. A supressão abrupta e definitiva mostra-se contraditória com o comportamento inicial e viola a confiança justamente nutrida pelo trabalhador.

Na Súmula 44099, o Tribunal Superior do Trabalho consolidou o entendimento que reconhece ao empregado afastado, em razão de acidente de

98 A supressão, pelo empregador, do serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos um ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a 6 (seis) meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo observará a média das horas suplementares efetivamente trabalhadas nos últimos 12 (doze) meses, multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão. 99 SÚMULA N.440. AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À

trabalho ou aposentadoria por invalidez, a manutenção do plano de saúde, que em tese poderia ser cortado, diante da suspensão do contrato operada com o afastamento.

A Corte Superior não utilizou como fundamento para firmar esse entendimento o venire, mas o comportamento da empresa em retirar esse benefício, justamente quando o empregado dele necessita, revela-se inteiramente contraditório com sua conduta inicial de conceder o benefício, que, por óbvio, somente seria utilizado na hipótese de doença ou acidente. Assim, agiu com acerto o TST, tutelando a confiança do empregado, que normalmente contribui para o plano, criando uma legítima expectativa que poderá utiliza-lo em qualquer ocasião de enfermidade.

Pode-se concluir que a concessão de um benefício ao longo de muitos anos cria a expectativa da sua manutenção, mesmo durante a suspensão do contrato. A sua suspensão, sem que tenha havido a ruptura do vínculo, no momento em que o empregado mais precisa, realmente viola a boa-fé objetiva e se insere como hipótese de comportamento contraditório. Sem falar na função social da empresa, que também serviria de fundamento para robustecer a decisão.

Assim, por meio dessa súmula o TST pacificou esse entendimento, embora sob outro fundamento, entendendo que, embora os efeitos principais sejam paralisados, como pagamento de salário e contagem do tempo de serviço, “as cláusulas contratuais compatíveis com a suspensão continuam impondo direitos e obrigações às partes, porquanto subsiste intacto o vínculo de emprego”,100 dentre

elas, a manutenção do plano de saúde.

MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE OU DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica oferecido pela empresa ao empregado, não obstante suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez.

100 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA RENAL CRÔNICA. MANUTENÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. Nos termos do art. 475 da CLT, a aposentadoria por invalidez opera a suspensão do contrato de trabalho. Suspenso o ajuste, paralisam-se apenas os efeitos principais do vínculo, quais sejam, a prestação de trabalho, o pagamento de salários e a contagem do tempo de serviço. Todavia, as cláusulas contratuais compatíveis com a suspensão continuam impondo direitos e obrigações às partes, porquanto subsiste intacto o vínculo de emprego. Considerando que o direito ao acesso ao plano de saúde, tal como usufruído antes da aposentadoria por invalidez, não decorre da prestação de serviços, mas diretamente do contrato de emprego - resguardado durante a percepção do benefício previdenciário, não há motivo para sua cassação. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-2818/2003-037- 12-00.9, 6ª Turma, Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ de 29/9/2006.)

Pode-se citar, ainda, a Súmula 372101, que trata da supressão de

gratificação de função recebida por mais de 10 (dez) anos.

Esse entendimento também está alinhado com a proibição do venire, embora seu fundamento seja a estabilidade salarial decorrente do pagamento habitual da parcela. Se o empregado é mantido em determinado cargo por mais de 10 anos, criou uma justa e razoável expectativa de que a reversão não mais ocorreria. E se a empresa, sem justo motivo, adota essa postura incoerente, o ato merece censura e a legítima confiança deve ser corretamente tutelada com a proibição da supressão da gratificação, evitando que o venire cause prejuízo ao trabalhador.

Na esfera individual são, portanto, inúmeros exemplos, mas seu raio de ação é ilimitado diante da abertura do instituto e das formas de solução, mas no contexto das relações coletivas é que o comportamento contraditório muitas vezes é detectado e a compreensão desse instituto, com as consequências jurídicas decorrentes, podem ajudar aos operadores do direito na solução de diversos conflitos, na prevenção ou na reparação de danos.

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 166-168)