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Tu Quoque – Torpeza

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 106-108)

3.6 O Venire contra factum proprium e as demais figuras limitadoras do

3.6.4 Tu Quoque – Torpeza

Segundo Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011b, p.837), o tu quoque73 impõe uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, “prevalecer-se da situação daí decorrente, ou exercer a posição violada pelo próprio, ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.”

Ronnie Preuss Duarte (2004, p.427) reforça o coro que define o instituto como um exercício abusivo de direito por parte daquele que dá causa a violação da norma jurídica e depois tentar tirar vantagem dessa situação, acrescentando que trata-se da “alegação da própria torpeza, vedada pelo Direito: turpitudinem suam allegan non auditur. A exceção do tu quoque obsta os efeitos de semelhante invocação.”

Diante destas conceituações, o tu quoque pode ser entendido como o exercício inadmissível de um direito em razão da atuação abusiva de um sujeito que violou a norma e pretende beneficiar-se desse ato em benefício próprio.

73Aldemiro Rezende Dantas Junior (2007, p.378) esclarece: “De modo mais específico, se um sujeito violou uma determinada norma jurídica (que pode ser legal ou contratual), não lhe será possível que, posteriormente, venha a pretender exercer a mesma situação jurídica que essa norma lhe havia atribuído, pois é intuitivo que fere de morte a ética que uma pessoa possa desrespeitar um comando normativo, e, ao depois, vir a pretender exigir que terceiros acatem esse mesmo comando por ela desrespeitado.”

Observa-se que, como nas demais categorias de limitação de direitos subjetivos, na fórmula do tu quoque também há uma sequência de dois atos, sendo o primeiro deles ilícito e o segundo, caso não fosse o primeiro que o contamina, poderia ser considerado lícito. Este segundo ato evidencia o exercício abusivo do direito praticado no primeiro ato, motivo pelo qual também é maculado por este vício.

Exemplo sempre lembrado pela doutrina para caracterizar o tu quoque é a cláusula implícita a todo contrato bilateral da exceptio non adimplendi contractos (exceção do contrato não cumprido).74. Nesta situação, há vedação ao contratante de alegar a exceção do contrato não cumprido para operar a rescisão contratual e, com isso, também pleitear indenização pelo descumprimento se, anteriormente, já havia descumprido com as suas obrigações contratuais. Alerte-se que aqui não se está a dizer que o simples descumprimento de uma das partes permite à outra a alegação deste fato para deixar de cumprir as suas obrigações, que permanecem como exigíveis. O que se veda, no caso, “é a rescisão do contrato por quem já violou uma de suas cláusulas” (MEIRELES, 2005, p.75).

Percebe-se, ainda, que na regra do tu quoque não se mostra imprescindível a criação de legítimas expectativas e confiança da contraparte inicialmente lesada no contrato, pois o que se evita é justamente a má-fé da parte que assumiu posturas absolutamente distintas para uma mesma situação jurídica violadora e que, portanto, pode ser reprimida, inclusive, se possível, de ofício pelo juiz.

Assim, pode-se apontar uma distinção com o venire, pois aqui não há interesse em tutelar a confiança, mas de assegurar que alguém se beneficie do ilícito que praticou. Trata-se de conduta desleal que merece repulsa pelo aplicador do direito.

Deve-se ressaltar, no entanto, que não é toda e qualquer violação contratual que permitirá a incidência da categoria de exercício inadmissível de posições jurídicas retratada no tu quoque. Assim, apenas quando a violação da norma jurídica

74 Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011a, p.847) traz importante observação, ao afirmar que, ao contrário do que se pensa, a regra da exceção do contrato não cumprido e a fórmula do tu quoque não se confundem: “O tu quoque tem, porém, uma função explicativa e sistematizadora. Transcende, por isso, os meros contratos sinalagmáticos, cujo nível jurídico imanente traduz, aliás, de modo sugestivo. Nos contratos sinalagmáticos, o Direito valora uma estrutura ôntica disfarçada pelo contracenar de duas prestações de sentido contrário. O tu quoque revela, então, que não interessa, dogmaticamente, a posição desenraizada de cada um. Assim, no campo contratual não sinalagmático, existe, sob os clausulados formais, uma economia real que deve ser respeitada. A pessoa que viole deveres pode alterar esssa economia. Não deve, depois, apelar para o contrato, como se nada houvesse mudado; caso o faça, pode-se contrapor-lhe o tu quoque, numa extensãi da excepção do contrato não cumprido.”

comprometa o fim do contrato, ou seja, vinculada à obrigação principal, afetando o sinalagma dos negócios jurídicos ou mesmo quando se trate de deveres acessórias de tamanha importância, que será aplicável a regra do tu quoque (SOUZA, 2008, p.91-92).

Não há dúvida que a cláusula geral da boa-fé objetiva é o alicerce que dá fundamento ao tu quoque, aproximando-o, desta forma, ao venire contra factum proprium, ao ponto de alguns doutrinadores, a exemplo de Anderson Schreiber (2007, p.184) consideram esse instituto espécie de venire.

Alejandro Borda (2000), por sua vez, ressalta que a regra que impede alguém de se beneficiar da própria torpeza tem um ponto de contato com a teoria dos atos próprios, pois ambas sancionam a conduta posterior contraditória com um primeiro ato e impedem que um negócio irregular seja declarado ineficaz. A diferença entre as duas figuras, contudo, se revela quando se faz necessário para comprovar a hipótese da torpeza, identificar a má-fé de um dos sujeitos. No venire tutela-se a boa-fé do sujeito confiante, sendo totalmente irrelevante e desnecessária a investigação da má-fé no comportamento contraditório.

No tu quoque há comportamento contraditório daquele que viola as normas do contrato e, posteriormente, exige o cumprimento destas mesmas normas infringidas pela contraparte e daí a deslealdade.

Nestes termos, Wagner Mota Alves de Souza (2008, p.93) acrescenta que a crença no fiel cumprimento do contrato “cede lugar a uma nova expectativa de continuidade marcada pelo sentido precisamente oposto, ou seja, pela falta de seriedade do pacto e pelo total desrespeito aos seus termos.”

Desta forma, o propósito do tu quoque, é evitar que aquele que praticou um ato ilícito possa beneficiar-se dessa conduta e só por via oblíqua ou reflexa acaba beneficiando a contraparte.

3.6.5 Duty to mitigate the loss - Dever do credor de mitigar as próprias

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 106-108)