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Interpretativa e Integrativa

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 49-52)

2.4 Funções da boa-fé objetiva

2.4.1 Interpretativa e Integrativa

De forma simplificada, pode-se afirmar que a boa-fé objetiva, no exercício da função hermenêutica-integrativa, busca a composição da real vontade das partes quando da formação inicial dos contratos e “também atua na integração das lacunas surgidas no decurso da relação contratual em razão de fatos não previstos pelos contratantes ou imprevisíveis à época da concretização do contrato.” (BORGES, 2009, p.143).

Neste caminho, destacam-se as declarações de Célia Barbosa Abreu Slawinski (2002, p.146):

De fato, para a sua utilização como cânone interpretativo, não é preciso apurar se cada um dos contratantes se encontra de boa-fé ao contratar. É suficiente que o intérprete procure entender as disposições contratuais como exige a boa-fé.

Para tanto, deverão ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sócio-cultural dos contratantes, o momento histórico e econômico.

Trata-se de verdadeira função pretoriana, que age em relação ao vínculo contratual, permitindo ao juiz, com apoio na regra de boa-fé, integrar os contratos, segundos os padrões de uso e mentalidade social do momento.

34 As funções da boa-

fé objetiva foram tratadas, pela primeira vez em 1977, na clássica obra “El principio general de la buena fé”, de autoria de Franz Wieacker.

A função interpretativa da boa-fé objetiva encontra-se positivada no art. 11335 do CC e conduz a uma compreensão da norma e dos negócios jurídicos em

geral, de acordo com a boa-fé, como bem elucidam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2005, p.78):

O aplicador do direito tem, na boa-fé objetiva, um referencial hermenêutico dos mais seguros, para que possa extrair da norma, objeto de sua investigação, o sentido moralmente mais recomendável e socialmente mais útil.

Guarda, pois, essa função, íntima conexão com a diretriz consagrada na regra de ouro do art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual o juiz, ao aplicar a lei, deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

A boa-fé objetiva, nesta perspectiva, deve ser observada pelo magistrado no momento da interpretação das normas jurídicas (legais ou contratuais), conferindo- lhes um sentido conforme os valores éticos de um determinado momento histórico, facilitando, sobretudo, o preenchimento de lacunas.

A boa-fé objetiva, então, pode e deve ser utilizada como parâmetro para buscar o real sentido do contrato ou das normas jurídicas em geral, procedendo-se a uma análise de qual seria o sentido, de acordo com a lisura e os valores inerentes à boa-fé. Trata-se, como se deixou implícito, de mais que uma possibilidade, um dever do juiz de buscar o alcance e sentido do negócio jurídico segundo os ditames da boa-fé.

Logo, a boa-fé apresenta-se como autêntico parâmetro que deve ser observado pelo juiz na apreciação de demanda que envolva negócios jurídicos. Deverá o magistrado, nestes casos, analisar as cláusulas contratuais de acordo com a boa-fé objetiva e, havendo lacunas, completá-las conforme este princípio, avaliando qual comportamento se mostraria mais consentâneo com a boa-fé objetiva na situação concreta (DANTAS JÚNIOR, 2007).

Nesta linha, o Enunciado nº 2636 do Conselho da Justiça Federal fixa que “a

cláusula geral contida no art. 422 do Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como exigência de comportamento leal dos contratantes.”

35 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

36 Enunciado 26 do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 17 out. 2011.

Desta forma, como num negócio jurídico as partes jamais serão capazes de regrar com exatidão todas as hipóteses possíveis de ocorrência, as situações inesperadas devem, justamente, ser analisadas e reguladas concretamente de acordo com a boa-fé objetiva. Um exemplo típico desta situação vem expresso no art. 17037 do Código Civil, o qual permite ao juiz a conversão do negócio jurídico nulo, se a vontade das partes for de produzir outro contrato que não aquele manchado de vício, bem como as possibilidades de conversão do negócio jurídico nulo no Código Civil, de forma a favorecer a atuação da boa-fé objetiva como cânone hermenêutico-integrativo.38

A boa-fé permite, ainda, que em casos de proposições confusas ou ambíguas, escolha-se aquela que melhor se enquadre nos seus valores. Também assegura que conflitos decorrentes de circunstâncias fáticas não previstas em um dado negócio jurídico sejam solucionados. Através dessa função a boa-fé objetiva atua como um instrumento hábil ao preenchimento de lacunas, revelando-se muito importante o papel do magistrado nesse esforço interpretativo das cláusulas contratuais, pois, ao interpretar o contrato, é importante que não se separe a cláusula que se quer interpretar do conjunto a que ela pertence, pois esse conjunto tem um significado a ser perseguido.

Sérgio Cavalieri Filho (2008) ressalta que a função interpretativa da boa-fé privilegia o sentido que mais se adéque à lealdade e à honestidade entre as partes, ficando proibida qualquer interpretação que leve a um prejuízo para a outra parte. Dessa forma, enquanto cânone hermenêutico-integrativo, a boa-fé objetiva dirige-se ao operador do direito no sentido de conduzi-lo a uma interpretação dos negócios jurídicos, buscando-se a realização dos valores inerentes à boa-fé e auxiliando o

37 Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se assim houvessem previsto a nulidade.

38 Alzemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p.225-227) apresenta interessantes exemplos da possibilidade de conversão de negócio jurídico nulo, quando afirma que um contrato de compra e venda que supera o valor legal de 30 salários mínimos e, portanto, exige seja formalizado por meio de escritura pública, é feito pelas partes por instrumento particular. Neste caso, apresenta-se como possível ao juiz, visando ultrapassar a barreira da formalidade prescrita em lei como da substância do ato, para que não seja declarado nulo o contrato entre as partes, transformá-lo em contrato de promessa de compra e venda, que aceita a sua celebração em instrumento particular, de forma a primar, a um só tempo, pela vontade das partes e boa-fé objetiva. Portanto, como afirma o mesmo autor, este caso demonstra “a utilização do princípio da boa-fé como uma forma de regular situações que os sujeitos não haviam previsto inicialmente, por ocasião da celebração do negócio jurídico, e com isso se quebrar o rigor da lei pensada em abstrato, interpretando-a de modo mais maleável para que, sem causar qualquer prejuízo a quem quer que seja e sem violação de norma de ordem pública, sejam aproveitadas as vontades desses mesmos sujeitos.”

preenchimento de lacunas, vedando-se sempre qualquer interpretação que viole os padrões de conduta socialmente esperados.

Em suma, a função hermenêutica-integrativa da boa-fé objetiva importa na tradução do comportamento das partes de acordo com a finalidade e função social da relação jurídica, não vista apenas de forma a priorizar uma das partes, mas sim como um sistema de cooperação e atribuição de direitos e deveres para ambas, com o intuito de se atingir a finalidade comum (BARACAT, 2003).

Certo é que a função hermenêutica-integrativa espraia os seus efeitos para as demais funções, de forma que na limitação aos direitos subjetivos, ou na criação de deveres jurídicos, sempre se faz indispensável a interpretação e integração da boa-fé para a inserção ao contrato de deveres jurídicos não previstos, legal ou contratualmente, como também para a limitação dos direitos subjetivos.

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 49-52)