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Supressio/Surrectio

No documento DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAS (páginas 102-106)

3.6 O Venire contra factum proprium e as demais figuras limitadoras do

3.6.3 Supressio/Surrectio

A doutrina majoritária, a exemplo de Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011b), entende que supressio se confunde com a figura retratada pelo direito alemão, o verwirkung68, sendo, portanto, expressões sinônimas.

O mesmo autor (2011b, p.317-318) esclarece que a consagração dogmática da supressio ocorreu diante da desordem econômica decorrente da Primeira Guerra Mundial, em razão de mudanças imprevisíveis nos preços de determinados produtos, gerando elevada inflação. Assim, para conter esta problemática, surge a supressio como uma forma de conter o “exercício retardado de alguns direitos que levavam a situações de desequilíbrio inadmissíveis entre as partes.”

Desta assertiva é possível extrair que a supressio surge, inicialmente, como um instituto autônomo, sendo posteriormente ligada à boa-fé objetiva e ao abuso de direito, como será explicitado neste tópico.

A supressio pode ser definida como a proibição do exercício de um direito, em razão da inércia durante um período de tempo, criando na contraparte a confiança de que não mais seria exercido, de modo que se o titular resolve exercê-lo

equivalência dos contratantes coletivos trata a empresa (ou mesmo o Sindicato patronal) e o Sindicato profissional como entidades representativas de natureza coletiva, capaz, portanto, de pactuarem em pé de igualdade, situação inocorrente quando se trata do trabalhador individual frente ao seu empregador.

68 Antonio Manuel da Rocha e Menezes cordeiro classifica a supressio

como “qualquer situação jurídica – que, não tendo sido exercida, em determinadas circunstâncias e por um certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo, por outro modo, se contrariar a boa-fé.”

estaria violando os ditames da boa-fé e, nesse contexto, fica evidente a sua inteira identificação com a verwirkung alemã.69-70

Esse lapso de tempo não pode ser determinado e deve ser analisado em cada caso concreto, devendo-se considerar o suficiente para fazer crer que o direito não seria exercido.

Deve-se ressaltar que a supressio é um instituto de natureza objetiva, dispensando, por conseguinte, qualquer perquirição acerca da culpa ou intenção do sujeito, mas apenas e tão somente a sua omissão no exercício do direito. Percebe- se, assim, uma íntima ligação desse preceito à segurança jurídica, prestigiando-se a confiança criada na contraparte.

Umbilicalmente ligado à supressio está o instituto da surrectio. Essa segunda figura, é também relacionada ao não exercício de um direito, mas se configura diante não oposição quanto a um comportamento continuado contrário à lei ou ao contrato por um certo lapso de tempo e, que, depois, de modo contrário à boa-fé objetiva, tenta-se reivindicá-lo.

Assim, enquanto na supressio eventual direito não é exercido pelo titular, na surrectio, ocorreu a violação de um direito e a afronta à boa-fé objetiva se configura pela inércia em exigir a reparação. No segundo caso exige-se a ocorrência de um fato positivo. Determinado sujeito aceita determinada situação durante um tempo razoável e depois, tardiamente, tenta se valer dessa situação para exigir direitos.

Nessa linha de raciocínio, enquanto a supressio seria uma limitação ou até mesmo um óbice ao exercício de um direito subjetivo, a surrectio se caracteriza pelo nascimento de um direito subjetivo a partir da consolidação de uma situação de reiterada violação legal ou contratual, de modo que teria ocorrido uma novação nas condições anteriormente existentes.

Pode-se concluir que, assim, a surrectio, em verdade, é a análise da supressio sob a ótica daquele em relação a quem se quer proteger a confiança. Se,

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Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2011a, p.795) assim a conceitua: “Diz-se supressio a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, de contrária a boa-fé.” Ressalta o autor que são dois os seus requisitos: “é necessário um determinado período de tempo sem exercício do direito” e “indícios objetivos de que esse direito não mais seria exercido.” Fernando Noronha (1994, p.185), de outro lado, fazendo alusão a Díez-Picazo, entende serem três os requisitos: a omissão do exercício do direito; o transcurso de um período de tempo e a objetiva deslealdade e intolerabilidade do posterior exercício atrasado do direito.”

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Camila de Jesus Mello Gonçalves (2008, p.50) esclarece: “A supressio implica o desaparecimento de um direito não exercido ou não efetivo socialmente, a fim de aproximar o sentido social de um direito ao seu exercício.”

de um lado, a supressio conduz à inadmissibilidade do exercício de um direito por tê- lo feito tardiamente, de outro lado surge para a outra parte um direito subjetivo, originado da confiança de que o titular do direito não iria exercê-lo.

Nestes termos, perfeita a conclusão de Talita Romeu (2009, p.411), ao afirmar que a surrectio “constitui a própria vantagem adquirida pela contraparte com a consumação da supressio,” constituindo-se na “liberação dos limites antes impostos pela situação jurídica suprimida com base na boa-fé.”

São três os requisitos para a caracterização destes institutos, quais sejam: a omissão no exercício do direito pelo seu titular, o transpassar de determinado tempo e, por fim, indícios de que este direito não mais seria exercido, criando a confiança neste sentido para a contraparte (MEIRELES, 2005).

Seguindo esta diretriz, tem-se que:

A ligação do instituto com a boa-fé reside no fato de que não é suficiente, para caracterizá-lo, o simples retardamento no exercício do direito, sendo além disso indispensável que em virtude dessa delonga tenha surgido no outro sujeito a confiança, em termos objetivos, de que não mais haveria o seu exercício, o que significa dizer que o lapso temporal deve vir acompanhado de outras circunstâncias objetivas, capazes de fazer surgir essa confiança, de modo tal que o exercício posterior e súbito do direito venha a contrariar a boa-fé (DANTAS JÚNIOR, 2007, p.390).

Ao contrário do que se pode imaginar, coexistem de forma harmônica os institutos da supressio, da prescrição e da decadência. Esta situação se justifica pelo fato de a supressio ter como finalidade o resguardo da confiança gerada na contraparte pela inatividade do titular do direito; o que não ocorre com a prescrição e decadência, que busca privilegiar a segurança jurídica, punindo o sujeito pelo não exercício do seu direito ou de sua pretensão no prazo previsto em lei.

Entretanto, ao contrário da prescrição e decadência que tem seus prazos para exercício bem delimitados pela lei ou pela vontade das partes, não há, na supressio esta fixação de tempo para a sua configuração. Explicando esta situação, mais uma vez recorre-se à doutrina de Aldemiro Dantas Júnior (2007, p.390-391):

Além disso, contudo, pode-se apontar que no caso da prescrição e da decadência, em geral, não ocorrem maiores discussões em relação ao momento exato de sua concretização, uma vez que [...] a lei fixa de modo preciso o momento em que o lapso temporal se inicia e o tempo que deverá ocorrer, até que se dê a sua

consumação. No caso da supressio, ao contrário, embora se possa determinar, em regra, o momento preciso em que o direito poderia ter sido exercido por seu titula, não há a menor possibilidade de se conhecer previamente qual o tempo que será necessário decorrer até que possa estar caracterizada a inadmissibilidade desse mesmo exercício pelo seu titular, pois tal momento só poderá ser aferido em virtude das circunstâncias do caso concreto, como aliás é a regra geral nos casos de proteção à boa-fé objetiva.

Exemplo sempre tratado pela doutrina71 é o caso de empregado contratado com cláusula de transferência, a qual não foi exercida por longos anos e, decorridos mais de 10 anos, o empregador resolve executá-la, determinando a transferência para outro estado. Essa situação, como lembra Edilton Meireles (2004), se configura violadora da boa-fé objetiva, segundo os institutos da supressio, pois não tendo o empregador exercido o seu direito de transferir durante largo tempo, este comportamento omissivo despertou no empregado a confiança de que não mais ocorreria essa mudança de seu domicílio.

Faz-se importante acrescentar que o exemplo acima não se configurará como supressio na hipótese de real necessidade de serviço e expressa previsão contratual (art. 469, §2o da CLT),72 pois nesse caso não haveria violação da boa-fé, haja vista a ocorrência de um fato novo e da previsibilidade da mudança.

Fazendo um breve paralelo com o instituto do venire contra factum proprium, em que pese a sua aproximação com a supressio, Antonio Manuel Rocha da Rocha

71 A Jurisprudência nacional não desconhece os institutos jurídicos da supressio/surrectio, como pode ser verificar nas seguintes ementas: “CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (supressio). Recurso conhecido e provido” (STJ. REsp 214.680/SP, 4a Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 16/11/1999).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO. RITO ARTIGO 733. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO OBRIGACIONAL PELO COMPORTAMENTO CONTINUADO NO TEMPO. CRIAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO QUE CONTRARIA FRONTALMENTE A REGRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. SUPRESSIO. Em atenção a boa-fé objetiva, o credor de alimentos que não recebeu nada do devedor por mais de 12 anos permitiu com sua conduta a criação de uma legítima expectativa no devedor e na efetividade social de que não haveria mais pagamento e cobrança.a inércia do credor em exercer seu direito subjetivo de crédito por tão longo tempo, e a consequente expectativa que esse comportamento gera no devedor, em interpretação conforme a boa-fé objetiva, leva ao desaparecimento do direito, com base no instituto da supressio. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. No caso, o filho deixou de exercer seu direito a alimentos, por mais de 12 anos, admitindo sua representante legal que a paternidade e auxílio econômico ao filho era exercido pelo seu novo esposo. Caso em que se mostra ilegal o decreto prisional com base naquele vetusto título alimentar. DERAM PROVIMENTO. Unânime.” (TJ RS. ai 70042234179, OITAVA CÂMARA CÍVEL, REL. DES. Rui Portanova. Publicação em 18 nov. 2011).

72 Art. 469 - Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio.

e Menezes Cordeiro (2001b, p.323) pontua não se identificarem, uma vez que o “factum proprium é, por definição, uma actuação positiva: não uma omissão.” Acrescenta:

Além disso, os regimes deverão ser distintos: o factum proprium é de fácil determinação, através de coordenadas pessoais (o autor), materiais (o que ele fez), geográficas (onde fez) e cronológicas (quando fez); tudo isso falta na omissão conducente à supressio.

Logo, diante da dificuldade em se qualificar a omissão a ser erigida à categoria da supressio, a qual se destinará à proteção de um beneficiário, exige-se que o não exercício prolongado de um direito desenvolva uma crença legítima de que determinada posição jurídica não mais será exercida. É justamente nesta confiança legítima do beneficiário que se pauta a proteção jurídica.

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