• Nenhum resultado encontrado

Consagração a Asclepio

A VRBS OLISIPONENSIS

7. Divindades cultuadas 1 Divindades indígenas

7.2.1.3. Consagração a Asclepio

A terceira inscrição, dedicada a Asclepio (nº 10), foi encontrada no adro da Igreja de Santiago. Vieira da Silva (1944a: 181-182) relembra que apesar de Asclepio ser a forma greco-latina dativa do nome latino Aesculapio, autores como Azevedo, Gasco ou Castro, defenderam que a inscrição não fosse dedicada ao deus da medicina, mas que seria antes a base de estátua dedicada a Asclepo, filho de Clicino Decimo, ou ao monarca Asclepo, datando assim do ano 300 d. C.

Dada a fragmentação da inscrição, no que toca ao dedicante ou dedicantes apenas restou o nome de C. Licinius Decimianus que se identifica à maneira romana, com os tria nomina a denunciar a cidadania romana e, gentilício e cognomen tipicamente latinos. O facto de o dedicante não apresentar vestígios de origem orientalizante na onomástica, torna estranho o uso da versão grega do teónimo, explicável apenas através do grande cosmopolitismo de Olisipo. Se numa primeira análise, uma vez que as razões do voto não surgem diretamente expressas, supomos de imediato que se relacionariam com o cariz medicinal da divindade. Porém, esta hipótese não é segura uma vez a tipologia do monumento sugere a sua inclusão num templo, não obrigatoriamente em termas, dado que estas não têm por princípio um cariz curativo sendo, especialmente, espaços públicos de higiene e convívio (MARQUES, 2005: 104).

7.2.2. Apollo

Comecemos por referir que a qualquer tipo de devoção subjaz um conceito de contrato quase de foro jurídico, no qual um indivíduo assume de livre vontade um compromisso e, em contrapartida, a divindade é forçada a satisfazer o pedido. Todavia, neste cenário entram também motivações políticas, “quem sabe onde acaba o oportunismo político e onde começa a verdadeira devoção?”Tendo em conta o carácter público e as específicas características da entidade venerada, pode vislumbrar-se por detrás

80

das dedicatórias uma outra atitude, onde sob a “discreta capa de devoção privada”, a política se mascara de devoção (ENCARNAÇÃO, 2003: 203).

José d’Encarnação (2003: 204-05) pretende ver tal hipótese testemunhada em Olisipo, na dedicatória a Apollo (nº 11), uma vez que se considerava Augusto “filho de Apolo”22, como confirma uma representação no teatro de Arles, onde o imperador surge esculpido na pose da divindade.

A inscrição encontra-se gravada num pedestal de estátua, sugerindo a sua colocação num espaço sagrado. O dedicante M. Iulius Tyrannus apresenta-se mediante o uso dos tria nomina, nos quais se destaca o gentilício do seu antigo patrono; e um cognomen grecizante, Tyrannus, que pode representar o seu antigo nome de escravo; referindo de seguida o desempenho do cargo de augustal.

Conquanto as termas romanas (balnea) não possuíssem obrigatoriamente o carácter salutífero que tinham as nascentes termais, o facto de este monumento ter sido encontrado perto de uma área com águas salutíferas que por sua vez se encontra relativamente próxima de um estabelecimento termal (as Termas dos Cássios), poderá apontar para a função medicinal do deus. A inscrição não indica a razão do voto mas poderia estar associada a um ato de evergetismo, semelhante ao prestado pelos dois Augustais a Aesculapius (nº 8); ou relacionar-se com o culto imperial, tendo como argumento a favor a grande importância atribuída a Apollo pelo imperador Augusto, ainda que seja relevante para afastar esta hipótese a ausência do epíteto Augustus (MARQUES, 2005: 35; ALMEIDA, 2006: 89).

7.2.3. Diana

Antiga deusa itálica associada ao culto da Lua, Diana, divindade virgem associada à natureza e, simultaneamente, protetora da caça e dos caçadores, foi assimilada à deusa grega Artémis, ganhando assim um cariz ctónico e guerreiro.

Não obstante no município olisiponense existir apenas um testemunho epigráfico que faz referência a esta divindade (nº 12), em termos iconográficos, Diana surge representada em diversas lucernas, evidenciando-se o testemunho oriundo da villa de Freiria (Cascais), no qual a deusa foi representada com o arco em três posições; ou ainda subentendida em símbolos como os crescentes lunares que surgem em lápides funerárias na área de Sintra e em relevo numa lucerna encontrada na zona de Monserrate (CASTELO-BRANCO, 1959: 7-8).

Grosso modo surge representada como uma mulher musculada pronta para as lides dos campos e bosques, usando botas de caça, segurando de um lado o arco e flecha e do outro uma pele de cordeiro

22 Apolo foi considerado protetor pessoal de Augusto, uma vez que lhe é atribuída a vitória no Ácio, dando início a

81

e, ostentando na cabeça, um diadema em forma de crescente lunar. Mais tarde o seu culto assumiu também a proteção das mulheres, nomeadamente no âmbito do parto e, sobretudo, dos escravos, classe que especialmente tutelava (MARQUES, 2005: 106).

Em Olisipo, concretamente no Castelo de S. Jorge, foi encontrada durante as obras de restauro de 1940 uma ara consagrada à deusa, cujo dedicante e cronologia se ignoram. No entanto, a cronologia de casos paralelos remonta aos sécs. II/III d. C., coadonando-se com as preferências religiosas da época dos Antoninos, uma vez que foi durante os imperialatos de Augusto (por ser irmã de Apollo), Adriano e Antonino Pio que o culto de Diana teve maior impacto (SILVA, 1944a: 94; FERNANDES, 2002; 148-49).

Fernando Castelo-Branco (1959: 10-11 e 13) aponta para o facto de até há pouco tempo diversas cerimónias religiosas praticadas no nosso país, verificarem ainda a presença de vestígios e sobrevivências do culto pagão direcionado a Diana, ainda que com influência cristã, sendo que um desses vestígios encontra-se nas festividades de S. Mamede de Janas em Colares. O mesmo autor defende que a palavra Janas possa ter derivado da evolução do nome da deusa Diana » DJana » Jana, apoiando-se no facto da igreja de S. Mamede se dispôr mediante uma planta circular, assente numa construção mais antiga, talvez contendo ainda vestígios de um templo romano que pela planta seria um Phobos – santuário tradicionalmente dedicado a Vestas, Hércules, Mercúrio e Diana.

7.2.4. Iupiter

Os aspetos militares do culto de Iupiter estão presentes na inscrição de Lisboa (nº 17), de paradeiro incerto mas possivelmente proveniente do interior do aro urbano de Olisipo, onde um veteranus, ostentando antropónimos exclusivamente latinos, consagra a inscrição em cumprimento de um voto em honra da divindade suprema sob os epítetos Optimus Maximus (I.O.M.), reforçando a hipótese que uma franja importante de militares ser adepta desta divindade. Note-se que, contrariamente ao que se sucede no conuentus Bracaraugustanus onde a esmagadora maioria das dedicatórias a Júpiter conta com elementos indígenas da população, aqui, no conuentus Scallabitanus, os dedicantes são, grosso modo, cidadãos romanos (SILVA, 1944a: 246; RIBEIRO, 1982-83: 270-71; PINTO, 2007: 559).

O facto do dedicante omitir a filiação poderá indicar uma tentativa de esconder uma origem indígena. No entanto, a identificação como veteranus diz-nos que já cumpriu o serviço militar podendo então ter adquirido a cidadania romana através da participação nas tropas auxiliares do exército romano. Todavia, o facto de Olisipo ter adquirido a municipalidade antes da gravação desta inscrição,

82

e o facto de o dedicante pertencer à gens Cassia excluem esta hipótese, uma vez que se assim fosse este ostentaria muito provavelmente o nome de uma gens imperial como Claudius ou Flavius.

A fórmula final v(otum) s(olvit) a(nimo) l(ibens) pressupõe um pedido pessoal, a sua concretização e o agradecimento à divindade. Neste caso, o dedicante ao mencionar o posto militar, poderia estar a agradecer pelo serviço cumprido e pelo seu seguro regresso à pátria (MARQUES, 2005: 39).

7.2.5. Mercurius

A presença de Mercurius na epigrafia olisiponense não se encontra apenas bem representada, mas trata-se antes da maior concentração de inscrições dedicadas a esta divindade em toda a Hispânia (VASCONCELOS, 1913: 273).