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Homenagens ao imperador Adriano e à imperatriz Sabina Augusta

A VRBS OLISIPONENSIS

9. As Homenagens Imperiais

9.5. Homenagens ao imperador Adriano e à imperatriz Sabina Augusta

Na homenagem ao imperador Adriano (nº 35) este surge identificado através do nome do pai já divinizado, o imperador Trajano, com os cognomina honoríficos Dácico e Pártico (sendo, sobretudo o último, celebrado com fulgor dada a vitória contra os Partos, em 116 d. C.) e do avô, o imperador Nerva, talvez numa tentativa de afirmação da sua legitimidade na sucessão ao trono por hereditariedade.

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Adriano atuou no quadro da reformulação estrutural das manifestações do culto imperial, nas quais não esteve alheia a sua estadia em Tarraco entre 121-122 d. C. Ainda que a tónica da viagem estivesse nas reformas militares, simultaneamente, foi-lhe empreendido assinalável cariz religioso, como parece testemunhar a restauração do templo de Augusto a expensas suas, com o objetivo de aprofundar o culto imperial. Não será também decerto alheio o facto de em 21 de Abril de 121 d. C., dia da comemoração da fundação de Roma por Romulus, ter sido inaugurado um templo dedicado à Dea Roma e Vénus, as duas bases conceptuais nas quais o imperador se apoiou para se afirmar como o único homem pré-destinado a assegurar a Felicitas e a Aeternitas do Império.

Doravante, o objeto de culto é fundamentalmente o imperador vivo. É no quadro desta nova política religiosa imperial que se enquadra a inscrição de Olisipo, como clara adesão política ao poder central. Mais que uma homenagem, José d’Encarnação (2014: 110-112) considera-a uma oferta (Felicitas Iulia Olisipo donum dedit) feita oficialmente com a intervenção direta dos duúnviros M. Gellius Rutilianus e L. Iulius Avitus.

No entanto, esta inscrição não constitui um caso isolado, uma vez que sob os mesmos duúnviros, Felicitas Iulia Olisipo promoveu uma similar homenagem a Sabina Augusta (nº 37). A associação do imperador à sua esposa não pode ser indiferente ao interesse das comunidades provinciais manifestarem a sua lealdade à política ideológica da domus Augusta.

A imperatriz Víbia Sabina, sobrinha de Trajano e esposa de Adriano, parece não ter sido muito popular na Hispânia, onde somente se registou esta inscrição honorífica, contrastando significativamente com as numerosas inscrições dedicadas ao seu marido. Neste panorama, as duas epígrafes parecem constituir um conjunto, no qual se honrava simultaneamente o casal imperial, Adriano e Sabina, explicando-se assim a ausência dos títulos imperiais (GARCIA, 1991: 473-474).

Não obstante, ser de esperar que estivessem juntas no fórum da cidade, a inscrição de Adriano foi encontrada a alguma distância do centro de Olisipo (identificada no séc. XVI numa muralha enfrente ao Convento de S. Francisco de Xabregas), explicando-se somente recorrendo ao processo de reutilização que sofreram muitas epígrafes; o que parece ser corroborado pelo facto de se ter encontrado a epígrafe dedicada à imperatriz Sabina no Beco do Bugio, no centro da cidade (SILVA, 1944a: 203-204; MANTAS, 2005: 33).

Vasco Mantas (2005: 32) sugere a data de 121 d. C. para ambas as inscrições, baseando-se no facto de ter sido conferido ao imperador o poder tribunício pela quinta vez entre 10 de Dezembro de 120 d. C. e 9 de Dezembro de 121 d. C., confirmado nos miliários hispânicos; tendo já exercido o consulado por três vezes (o última em 119 d. C.). Esta discordância deve-se, por conseguinte, ao facto de as nomeações para serem desempenhadas determinadas funções não serem de imediato difundidas para todo o Império. Por outro lado, deve ainda ter-se em consideração o facto do texto de uma

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epígrafe, especialmente quando esta apresenta carácter honorífico e monumental, ter de ser encomendado com bastante antecedência, não permitindo por vezes actualizações (ENCARNAÇÃO, 2014: 104).

Ora, atendendo ao facto de se tratar de dedicatórias feitas pelos mesmos duúnviros, as mesmas teriam sido coevas, o que levanta alguns problemas relacionados com a cronologia atribuída à titulatura destas figuras. Enquanto a referência ao quinto poder tribunício de Adriano situa a dedicatória nos anos 120-121 d. C.; no que respeita a Sabina, o epíteto Augusta implicaria uma datação mais tardia, possivelmente do ano de 128 d. C. De todo o modo, a leitura do Anónimo Napolitano refere o seu décimo primeiro poder tribunício; aceitando-se que apenas o Anónimo Napolitano e Accursio viram efetivamente a inscrição e que os autores posteriores dependeram do seu relato, a epígrafe dataria do período entre Agosto de 126 d. C. e Agosto de 127 d. C. (GUERRA, 2006: 280).

No que toca aos dedicantes, M. Gellius Rutilianus, casado com a flamínica […]lia Vegeta41 de Olisipo (nº 55), desempenhou funções de duúnviro em conjunto com L. Iulius Avitus. Relativamente ao primeiro, quer o gentilício Gellius como o cognome Rutilianus se encontram pouco representados na Hispânia (MANTAS, 2005: 32); enquanto no segundo o gentilício Iulius encontra-se amplamente representado na cidade, sendo também o cognomen Avitus frequente na Hispânia, concretamente em Olisipo onde se encontra referenciado em todos os estratos sociais. Note-se, porém, que este pode encobrir um nome indígena ou derivar de um substrato itálico pré-latino.

Estas duas epígrafes demonstram claramente como os notáveis locais não perderam a oportunidade, logo no início da primeira série de viagens do imperador às provincias (entre 121 e 125 d. C.) de exprimir, em nome do município, a sua leal e oportuna devoção (SILVA, 1944a: 179-181e 276-283; MANTAS, 2005: 34-35 e 45; ALMEIDA, 2011: 54-55).

9.6. Homenagem ao imperador Cómodo

Esta inscrição encontra-se encastrada numa das paredes de um edifício na Rua da Madalena onde esta entronca na Rua das Pedras Negras, próximo do local onde se poderia situar o fórum da cidade. O texto da inscrição recorda o modelo usado por Olisipo nos monumentos dedicados a Matídia (nº 37), Adriano (nº 35) e Sabina (nº 36), exemplos da época da exuberante adesão à ideologia imperial através de homenagens aos membros da domus Augusta. Os duúnviros Q. Coelius Cassianus e M. Fulvius Tuscus dedicam a inscrição ao imperador Cómodo (nº 38), “o sol nascente”, ainda em vida do imperador Marco Aurélio (SILVA, 1944a: 116-118; MANTAS, 1982: 77; GARCIA, 1991: 478-479).

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O gentilício do primeiro magistrado, Coelius, apresenta alguma representação na Hispânia, mas pouca na Lusitânia. Identificou-se, ademais, uma referência ao seu filho, Q. Coelius Aquila, numa inscrição (CIL II 284) achada em Dois Portos (Torres Vedras), que sugere a existência de uma villa (ainda não localizada) nessa zona, consistindo um sinal representativo da presença de elementos itálicos no termo de Torres Vedras, e justificando a relação entre os Coelii de Olisipo e uma inscrição de Roma que menciona uma Coelia Macellina, negotiatrix olearia ex Baetica (ALMEIDA, 2011: 55- 56).

Por outro lado, o cognome Cassianus sugere uma pertença à gens Cassia, integrada no mais importante núcleo da elite social de Olisipo com projeção em áreas tão significativas como a Bética ou mesmo Itália. As Termas dos Cássios foram, provavelmente, construídas por membros desta importante família com a qual, sem dúvida, Q. Coelius Cassianus mantinha fortes ligações. Como pertencente a uma elite que ultrapassava os limites da província poderia talvez associar-se também a M. Cassius Sempronianus, diffusor olearius, originário de Olisipo, indivíduo envolvido sobretudo na distribuição de azeite (MANTAS, 2005: 35-36; ALMEIDA, 2011: 47).

Relativamente ao segundo magistrado, o facto da epígrafe se ter perdido levou a que fossem feitas diversas leituras do seu gentilício, tais como Fabius ou Fabricius, embora sem possibilidade de confirmação; porém, guiamo-nos pela proposta de Hübner que considerou Fulvius. Já o cognomen Tuscus surge como um antropónimo quase caraterístico da Lusitânia, em particular com fortes ligações à região de Olisipo.

No que toca à cronologia, se grande parte dos investigadores segue a proposta de Hübner, situando esta homenagem entre 178-180 d. C., Vasco Mantas, baseando-se na titulatura imperial, sugere uma data perto do final do governo de Marco Aurélio, uma vez que se indicam os títulos Germânico e Sarmático, recebidos em 172 e 175 d. C., respetivamente, o que permite situar a homenagem em 176 d. C., quando Cómodo, com 15 anos, toma o título de imperator como sucessor presuntivo de Marco Aurélio, com o qual governa entre 176-180 d. C. (VEIRA da SILVA 1944a: 116; MANTAS, 2005: 34-36).