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CONSELHOS: NATUREZA, ATRIBUIÇÕES E PROBLEMATIZAÇÕES

2 POLÍTICAS SOCIAIS E OS ESPAÇOS CONSELHISTAS NO BRASIL

2.2 CONSELHOS: NATUREZA, ATRIBUIÇÕES E PROBLEMATIZAÇÕES

Como explicitado, a partir da década de 1990 temos uma conjuntura antagônica à implementação do projeto democrático de constituição de políticas sociais públicas e universais. É no contexto daquelas macro-determinações que são enunciados e criados os espaços conselhistas no campo das políticas sociais na realidade brasileira. A funcionalidade destes espaços, sua natureza, atribuições e ação política se desenvolveram e se desenvolvem nos marcos das imposições econômicas e políticas dessa agenda.

Os Conselhos gestores de políticas públicas setoriais são espaços de composição numérica paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, com competência legal para atuar na formulação de políticas e na fiscalização da sua execução11. No que se refere à sua composição, os assentos governamentais são em geral ocupados por agentes públicos que possuem cargos de gestão, por responsáveis pelas áreas das políticas ou áreas afins. Os conselheiros da “sociedade civil” são compostos por representantes dos usuários, entidades prestadoras de serviços e trabalhadores da área12 (Tatagiba, 2002, p. 54-55).

A caracterização do funcionamento dos conselhos gestores é muito heterogênea, pois está diretamente vinculada às especificidades próprias dos contextos em que opera13. Entretanto, análises produzidas pelos militantes de movimentos populares e pesquisadores acadêmicos do tema - que se focam nas experiências empíricas14 – tem revelado constatações recorrentes de um conjunto de questões que respondem pelos déficits, limites e dificuldades de seu funcionamento. Em termos de

11 Os conselhos são obrigatórios, por lei federal, em diversas políticas sociais específicas como saúde, educação, criança e adolescente, assistência social e trabalho. Também são criados conselhos por políticas regulamentadas tanto no plano estadual quanto municipal, em que se encontram diversas outras temáticas, como transporte, habitação, meio ambiente, ligados à questão de gênero e raça etc.

Santos Jr, Ribeiro e Azevedo (2004, p.21).

12 Os mecanismos de escolha desses representantes podem ser por assembleia com a participação de diferentes sujeitos e organizações sociais; fóruns setoriais de políticas públicas; ou indicações de categorias profissionais e segmentos sociais. Conselhos de saúde apresentam uma composição tripartite entre usuários, prestadores de serviços, profissionais de saúde e governo.

13 A efetividade da natureza, composição e atribuição dos conselhos toma forma variável em dois aspectos: o perfil político dos agentes públicos – tanto dirigentes como técnicos que interagem com os conselhos – e o perfil do tecido associativo da sociedade civil - organização dos segmentos sociais e sua representação social. Nessa direção, é oportuna essa afirmação: “Constatamos que os municípios brasileiros diferem muito no que se diz respeito à constituição dos espaços conselhistas. Não só o grau de associativismo da população é bastante diferenciado entre as regiões, e mesmo no interior das cidades, como também há diferenças significativas entre os padrões de relação entre o poder público e os espaços conselhistas. Em consequência, são muito distintas as possibilidades de constituição dos conselhos em razão dos diversos contextos sociais – heterogêneos e diversificados – que caracterizam a realidade brasileira” (idem, p. 18).

14 Grande parte das avaliações realizadas tem se limitado a estudos de caso, na maioria das vezes, circunscrito à experiência dos conselhos em uma determinada política setorial ou então em determinado recorte geográfico.

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funcionamento, os limites mais significativos parecem se situar na relação que o Estado estabelece com os conselhos e, no campo organizativo, das representações da sociedade civil.

Os Conselhos estão localizados dentro da estrutura político-administrativa estatal e são geralmente alocados junto às Secretarias de governo responsáveis pela definição e execução das políticas sociais. O Estado é responsável pela provisão de espaço físico e condições de infraestrutura para o funcionamento dos Conselhos. Estes apresentam, portanto, um alto grau de dependência da máquina pública, seja no que se refere aos recursos materiais e humanos necessários para o desenvolvimento das atividades, seja no que diz respeito à sua estrutura de funcionamento. No âmbito estatal, são recorrentes as constatações da prevalência histórica de uma cultura política autoritária e clientelista, que no espaço conselhista aparece pelas mediações dos vetos governamentais e mecanismos de obstrução e inviabilização das deliberações dos conselhos; na manipulação das informações; na imposição de um discurso tecnocrático, na cooptação dos conselheiros não-governamentais com artifícios clientelistas, na falta de recursos para o funcionamento dos conselhos etc.15

No âmbito da sociedade civil, o conteúdo das questões centra-se na tradição das organizações e movimentos sociais existentes nos espaços de operação dos conselhos. A questão que se coloca é como vem sendo elaborada e apreendida a participação da sociedade civil no campo conselhista – suas dificuldades e dilemas – e quais os desafios que esta participação deve enfrentar para contribuir no processo de democratização tanto do campo da sociedade civil (fortalecendo os interesses e agendas de demandas das classes subalternas) quanto da esfera estatal ao que tange sua intervenção nas políticas sociais.

A participação da sociedade civil nos Conselhos é inserida em uma normatividade institucional com regulamentação legal. Como ressalta Dagnino (2002, p. 294), a maioria dos processos de criação dos Conselhos não encontra um campo mobilizatório e organizativo que lhe dê densidade ideo-política, o que constitui-se como fator determinante para a sua existência enquanto mera exigência legal, constituindo-se como “meras estruturas governamentais adicionais” (ibidem).

Esta constatação nos remete à problematização da participação paritária. Uma primeira reflexão no campo da paridade é que sob o termo sociedade civil ou setor não-governamental abriga-se um conjunto diferenciado de formas organizativas e de distintos projetos políticos como ONGs, instituições filantrópicas, organizações sindicais, empresariais, etc. Esse campo heterogêneo ganha contornos específicos na esfera conselhista, particularmente nos conflitos de interesses em relação a objetivos e significados das políticas e serviços públicos, demandas, formas de encaminhamento de suas reivindicações etc. Isto é ainda mais evidente quando constatamos a diversidade de interesses existentes no mesmo campo de representação (como no da sociedade civil), composta pelos usuários, entidades prestadoras de serviço ou trabalhadores da área. Os motivos e interesses que levam à participação deste heterogêneo universo organizativo nos espaços conselhistas também são

15 São pouco presentes reflexões que, articulam essas limitações ao caráter de classe do Estado, ao processo de desenvolvimento das políticas sociais no capitalismo e à hegemonia da política neoliberal na realidade nacional pós anos 1990.

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variados, como os de buscar recursos para suas organizações entidades, ou demandar por um serviço pontual16, ou então, de forma menos frequente, atuar na perspectiva da democratização.

Essas diferenças ideo-políticas, no campo não-governamental, tendem a tornar a paridade uma questão meramente numérica, uma vez que dificulta ou impossibilita a formação de alianças em torno da defesa de projetos e propostas comuns, orientadas para o fortalecimento do processo de democratização.

Se pensarmos a paridade ao que tange às relações entre os dois campos de representação – o governamental e o não-governamental – também encontraremos elementos que dificultam ou impossibilitam a existência de uma relação simétrica entre ambos. Esta constatação está, por exemplo, no descompasso da igualdade nas condições de acesso a informações, na possibilidade de formação e capacitação e na disponibilidade de tempo (Carvalho & Teixeira, 2000). No entanto, esta constatação não pode obscurecer o fato de que encontram-se, também, no campo governamental, expressões de projetos políticos distintos. Neste sentido, inclusive, podem ser verificados projetos políticos mais progressistas em alguns setores governamentais que no campo não-governamental.

O espaço conselhista também tem-se caracterizado por uma descolagem das representações - governamentais e não-governamentais – dos que representam. Identifica-se que os posicionamentos e propostas explicitados não são resultado de deliberações coletivas - seja da discussão dos primeiros com as agências estatais envolvidas, seja da discussão dos segundos com as organizações e sujeitos que representam. A distância dos governamentais em relação às entidades e aos órgãos da administração pública responsável pela execução das políticas muitas vezes decorre da pouca importância conferida aos conselhos, que se reflete nos altos índices de ausência dos conselheiros e da grande rotatividade e pela escolha de representantes pouco preparados e com pouco poder de decisão. Em muitos casos, esses representantes são indicados e escolhidos obedecendo a outros critérios que não o conhecimento, o compromisso e o poder efetivo de decisão acerca da temática em questão. Assim, questões relativas à capacitação, informação, qualificação também são presentes nos conselheiros governamentais, apesar de atingirem de forma mais aguda os não-governamentais.

Já a pouca relação dos não-governamentais com suas bases produz uma baixa visibilidade dos conselhos e uma representação conselhista despida da defesa de projetos e demandas criados coletivamente. Este isolamento reduz o fortalecimento das entidades, organizações e movimentos e, por consequência, revela a baixa capacidade de mobilização e legitimidade do conselheiro nas disputas intra-conselho. Uma outra implicação da pouca articulação dos conselheiros não-governamentais com os sujeitos e organizações que representam é a dificuldade destes conselheiros

16 É importante esclarecer que esta característica interventiva não é própria dos espaços conselhistas. O universo das instituições, organizações e entidades atuantes na realidade brasileira no campo das demandas por serviços e políticas públicas é fortemente caracterizado por ações fragmentadas, setorializadas e por demandas de caráter pontual, emergencial e compensatório (Cf. Dagnino, 2002, p. 299).

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explicitarem os conflitos de interesses nos espaços conselhistas. A baixa capacidade de mobilização acaba dificultando a sustentação, por parte dos conselheiros, de uma tática de confronto nestes espaços, podendo limitar-se a uma atuação setorializada, localista e fragmentada17. São os espaços de organização extra-institucional que podem promover a mobilização social e a pressão sobre os conselhos para reforçar o poder de seus representantes nas disputas e conflitos de interesses existentes. Dessa forma, quanto mais qualificadas as discussões desenvolvidas nestes espaços, maior a capacidade de representantes não-governamentais em propor e intervir com qualidade nas políticas públicas.

Como também ressaltamos, tanto entre os diversos segmentos que representam a sociedade civil como entre esta e os representantes governamentais existem assimetrias com relação às informações e conhecimentos necessários para uma participação mais consequente nos espaços conselhistas. Essa constatação é fortemente identificada na função deliberativa dos conselhos. Os conselhos têm incidido mais nos aspectos de implementação e fiscalização das políticas (alguns mais afetos à normatização das ações e convênios outros a uma avaliação da qualidade dos serviços) do que aos relativos à sua elaboração (discussão do conteúdo dos programas e ações governamentais), proposição e deliberação. A pouca efetividade da ação deliberativa é também evidenciada no que se refere aos aspectos orçamentários dos programas e das políticas. Constata-se uma baixa incidência dos conselhos tanto em relação às discussões relativas às previsões orçamentárias quanto aos recursos dos fundos públicos18, que ocorre tanto devido ao não repasse destas informações pelos governos quanto à dificuldade dos conselheiros da sociedade civil de lidarem com tal tipo de informação. A centralidade desta discussão na determinação das possibilidades e limites de criação de políticas e serviços tem relação direta com a função deliberativa dos conselhos.

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