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1 VIGILâNCIA SOCIOASSISTENCIAL: ENTRE TERRITÓRIOS, TERRITORIALIDADES E TERRITORIALIZAÇÃO

A política de assistência social, desde seu marco Constitucional através dos artigos 203 e 2041, traz ao debate a efetivação do direito socioassistencial, descentralizado e participativo. A

1 Os artigos 203 e 204 da CF definem que a” assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente da contribuição à seguridade social”. Os objetivos da assistência social são: I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II- o amparo às crianças e adolescentes carentes; III- a promoção e integração ao mercado de trabalho; IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Os artigos estabelecem também o financiamento das ações governamentais, a descentralização político-administrativa e a participação da população por meio de organizações representativas.

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TERRITÓRIO USADO OU ÁREA DE ABRANGÊNCIA?

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necessidade de romper com a cultura do clientelismo e da filantropia, bem como pautar suas ações, não nos necessitados mas, em suas necessidades sociais se apresenta como um grande desafio ao SUAS. Se, durante muito tempo, a assistência social fundamentou sua abordagem em segmentos inaptos para o trabalho, com a realidade do desemprego estrutural e conjuntural, não ter trabalho, ultrapassa o debate da condição do ciclo de vida, no qual os sujeitos se encontram. Se a intervenção da assistência social, esteve pautada, historicamente, em grupos de crianças, adolescentes, idosos, gestantes e Pessoa com Deficiência, incorporar a localização dessas pessoas, como vivem e como se relacionam com o lugar onde residem, e mais, quais as condições dadas, pelas políticas públicas nestas localizações, passa a ter importância para essa política.

Para a realização do processo de descentralização, apresenta-se a necessidade de enxergar a cidade por dentro, respeitando as diferenças entre os lugares, entre os municípios e os estados, compreendendo que as cidades e os territórios dentro das cidades apresentam aspectos econômicos diferentes, culturas variadas, histórias diversas; relações de poder e identidades que, potencialmente, determinam um maior ou menor grau de cidadania. Em outras palavras, é necessário garantir que os serviços públicos estejam próximos das pessoas. Compreender que dentro das cidades, também temos desigualdades sociais, que quando territorializadas, se tornam desigualdades socioterritoriais, que desvelam certo grau de vunerabilidades e risco que determinada população está sujeita.

Debater territórios e vulnerabilidades traz algumas questões importantes para reflexão. A primeira, é que as vulnerabilidades sociais se expressam no território. E se a vulnerabilidade é uma expressão, ela indica processos que a determinaram. Por si só, territórios não são vulneráveis, então a vulnerabilidade é mais uma expressão da questão social (Koga, 2011).

Pensando no território como espaço onde ocorrem manifestações dessas vulnerabilidades que se expressam na ausência e na privação de acesso às políticas sociais, principalmente, saúde, educação e habitação, às políticas urbanas, tais como saneamento, asfaltamento, energia elétrica, coleta de lixo, transporte coletivo, e às políticas econômicas, sobretudo, aquelas voltadas para a geração de trabalho e empregos, temos aqui um território socioassistencial, que necessita de intervenção pública. O Estado, quando, descentraliza as políticas públicas, reconfigura os territórios e interfere nas relações de poder e da própria questão da ocupação e uso do espaço urbano, intensificando a necessidade de maior enfrentamento intersetorial dos gestores de variadas políticas públicas ao demarcarem seus territórios de intervenção.

A abordagem territorial chega ao SUAS como uma nova forma de pensar, planejar, operacionalizar e ofertar serviços, numa política que sempre pautou suas ações na emergência.

Cabe à vigilância socioassistencial tratar da prevenção e do planejamento da assistência social, mas é mais que isto, trata de garantir o reconhecimento e a localização de onde ocorrem as situações de vulnerabilidades e riscos, bem como as violações de direitos. A proposta da vigilância é que, ao localizar as vulnerabilidades e risco nos territórios, ela poderá contribuir

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com maior assertividade nas outras funções de proteção social e de defesa de direitos. Então a vigilância se torna responsável em:

Conhecer de forma objetiva e profunda as necessidades da população e a organização e dinâmica dos territórios é imprescindível para a consolidação de uma política de assistências social capaz de contribuir para a redução das desigualdades e de assegurar proteção social a todo cidadão que dela necessitar, nos termos da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS. Da mesma maneira, é imprescindível planejar, monitorar e avaliar as ações executadas pela área, analisando criticamente seu grau de adequação às necessidades das populações e territórios, assim como padrões de qualidade e condições de acesso. Estes desafios que constituem a agenda da Vigilância Socioassistencial, precisam ser enfrentados para que continuemos avançando na implementação do SUAS (Caderno 3, 2013, p. 124).

A Vigilância socioassistencial tem o objetivo de apresentar, através de estudos, diagnósticos e relatórios, as reais situações e contextos dos territórios que necessitam de intervenção. Para um sistema de proteção social como se propõe o SUAS, é impossível garantir serviços, projetos, programas e benefícios de qualidade, se não conhecermos as realidades locais e os territórios onde os serviços serão ofertados, sobretudo, reconhecer quem são seus sujeitos e como sobrevivem no cotidiano, mas também que percepções eles têm do lugar onde residem, trabalham, divertem.

Aqui, a dimensão da subjetividade tem o objetivo de não tratar pessoas e lugares como se fossem a mesma coisa. Os sujeitos podem viver no mesmo lugar e ter referências diferentes destes lugares (Koga, 2011, p. 331).

A vigilância socioassistencial tem a pretensão de calcular a medida de demandas e ofertas de serviços, ao mesmo tempo em que seus projetos, ações e benefícios considerem as particularidades do território. Ainda que a questão social seja a mesma, é como se a vigilância pudesse adentrar as particularidades do território, na tentativa de potencializar os serviços a partir das relações sociais ali estabelecidas.

Para a realização da vigilância socioassistencial, a importância entre o que se produz de informações sobre o território e as demandas apresentadas tanto pela Proteção Social Básica, quanto pela Proteção Social Especial devem ser encaradas como elementos indissociáveis, como se planejamento e intervenção corroborassem para uma nova qualidade e efetivação dos serviços, ao mesmo tempo que compreende a complexidade dos territórios, as vulnerabilidades e riscos que se apresentam em seu interior e como se relacionam com o que ocorre fora dele.

É por isso que afirmamos que a função da Vigilância socioassistencial não se aloca apenas num setor, mas como elemento atuante tanto na gestão e nos territórios de atuação. Trata-se de duas faces da mesma moeda; significa uma ação articulada entre a perspectiva macro e estratégica da gestão e o cotidiano de atendimentos e respostas dos serviços, programas e benefícios nos territórios de gestão (Caderno 3, 2013, p. 124).

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A relação estreita entre vigilância socioassistencial e abordagem territorial, nos aproxima da tríade- território, territorialização e territorialidades, debatida pelas ciências geográficas, que necessita de certo cuidado para não reduzir a complexidade da análise social a uma restrita área de abrangência de intervenção de um CRAS, CREAS ou Centro Pop, como se fosse possível pensar o território retirando dele sua característica principal, que é o seu uso, a identidade dos sujeitos, as relações de poder existentes e estabelecidas e como elas se manifestam no espaço.

Nessa perspectiva, o território assume um lugar estratégico tanto como base de organização do sistema, como para leitura diferenciada da presença de vulnerabilidades face aos riscos sociais e fragilização de vínculos afetivos- relacionais e de pertencimento, à presença/

ausência de políticas públicas e da precarização das condições de vida da população (Caderno 3, 2013, p. 124).

Se território, territorialização e territorialidades são afetas a uma densa produção acadêmica pelas ciências geográficas e chegam à política de assistência social como suporte para a função de vigilância socioassistencial, as primeiras autoras do Serviço Social a buscar no pensamento geográfico, o debate sobre território são Aldaiza Sposati e Dirce Koga. Ambas têm nas ideias de Milton Santos, de “território usado”, o conceito que se destaca na construção de todo escopo de material produzido, desde a Política Nacional de Assistência Social-PNAS, à Normas Operacionais Básica- NOBs, os Cadernos de Orientação de Serviços, as Resoluções, dentre outros documentos que compõe a base de sustentação do SUAS.

Assim, partimos então do conceito de Santos, que compreende o território como:

O território tem que ser entendido como território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é uma categoria de análise (Santos, et al. 2011, p. 14).

O uso do território pela política de assistência social, em tese, deve produzir territorialidades voltadas para a garantia dos direitos sociais. A questão é a intencionalidade do Estado quando presente neste território e o quê, de fato ele irá garantir. Então, problematizar a territorialidade no âmbito do SUAS se torna uma forma de compreender como transitar por esses conceitos como estratégia para garantia de direitos sociais e de exercício de cidadania. Sendo assim, para além da ideia de proximidade a que se propõe o território, tão ou mais importante que isso, é o reconhecimento das capacidades coletivas dos territórios, como espaço de vida e vivência, capazes de transpor, através da participação popular e da intervenção estatal, as vulnerabilidades e riscos ali presentes.

Quando abordamos o território no SUAS, estamos localizando áreas na cidade, que contém na produção de seu espaço, vulnerabilidades e riscos sociais, situações concretas de desigualdades

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sociais e de exclusão social que se expressam em desigualdades socioterritoriais, que se relacionam com o todo e com as partes. Cabe aos sujeitos e ao Estado que está presente nos territórios, através dos equipamentos públicos de CRAS, CREAS e Centro POP, produzirem novas territorialidades, distribuindo acessos e oportunidades. De uma forma geral, podemos compreender o território como o espaço material dotado de identidade, ao garantir a identidade, estamos estabelecendo relações em seu interior e fora dele. São essas inter-relações que denominamos de territorialidades.

A territorialização, por fim, é o processo no qual os territórios se formam. O uso do território produz territorialidades e a esse processo, denominamos territorialização.

O uso do território tem relação direta com a produção do espaço, e a cada equipamento implantado nos territórios, outras paisagens se formam, outros atores estão ali introduzidos e outras territorialidades se estabelecem. Para Santos:

[...] por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada. Mas o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de pertencer aquilo que nos pertence [...]esse sentimento de exclusividade e limite ultrapassa a raça humana e prescinde da existência do Estado. Assim, a ideia de territorialidade se estende aos próprios animais, como sinônimo de área de vivência e de reprodução. Mas a territorialidade humana pressupõe também a preocupação com o destino, a construção do futuro, o que entre os seres vivos, é privilégio dos homens (2001, p. 19).

Assim, pensando num horizonte de futuro, a territorialidade no SUAS pode ser encarada como aliada a um projeto societário, um território de direitos, que deve se expandir e produzir novas territorialidades, que distribua equitativamente oportunidades e acessos que possam romper ou minimizar as vulnerabilidades e os riscos existentes nos territórios.

O território ainda permite compreender não só a materialidade de sua área de abrangência, mas todo processo de transformação do espaço e da ação política. Assim, é possível pensar:

O território em mudança; o território como lugar de contradições; o território em seu papel ativo; o território como lugar do trabalho, de residência, de trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. Explica também que as técnicas indicam como o território é usado: como, onde, por quem e para quê. Explica ainda que para definir qualquer pedaço do território é preciso levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade e o seu uso que inclui ação humana e a política. (Gomes, Steinberger & Barbosa, 2013, p. 66).

É possível compreender território usado, para além de uma área de abrangência, que é o sentido identitário, de pertencimento e de relações de poder que estão presentes no território e são elementos indissociáveis para reflexão sobre as tantas territorialidades possíveis no âmbito do SUAS. E, por sua vez, é a proximidade do cidadão e a capilaridade das ofertas que expressam o processo de territorialização. Em outras palavras, é o processo de territorialização que, ao identificar o uso do território e as territorialidades ali presentes, vão configurar quantos e quais são os territórios socioassistenciais.

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Assim, os equipamentos de CRAS, CREAS e Centro Pop podem ser considerados objetos, que passam a ocupar as áreas vulneráveis e de risco, ao mesmo tempo que devem proporcionar a garantia de direitos sociais, trazendo equidade ao território. Tais equipamentos

[...] podem ser compreendidos como um objeto geográfico implantado intencionalmente pelo Estado em territórios previamente identificados. A localização destes equipamentos, nada deve ter de aleatória ou neutra. Ela depende da identificação de territórios que se enquadram como vulnerabilidades e riscos, que são produzidos por processo permanentes de exclusão/inclusão social (Melazzo, 2011, p. 25).

A territorialização, então, se constitui como estratégia para o ordenamento de serviços, programas, projetos e benefícios em um determinado espaço. A proximidade com a população e o provimento de ofertas socioassistenciais torna claro como a dimensão territorial ganha contornos a partir do reconhecimento das territorialidades para a construção de direitos sociais. As territorialidades têm relação direta com a participação e com a mobilização social.

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