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OS CONSELHOS DE DIREITOS E SUA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO

2 POLÍTICAS SOCIAIS E OS ESPAÇOS CONSELHISTAS NO BRASIL

2.4 OS CONSELHOS DE DIREITOS E SUA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO

Pelo conjunto de problematizações que elucidam os limites dos espaços conselhistas, o qual tratamos nas páginas anteriores, tem-se desenvolvido reflexões de que o investimento dos movimentos e organizações sociais na segunda metade dos anos 1980 na participação em arenas institucionais - cuja força maior são os espaços conselhistas - reduziu a capacidade das mobilizações coletivas no campo extra-institucional. Defendemos que estas problematizações, menos do que conduzirem a um descrédito destes espaços, apontam em direção à necessidade de aperfeiçoá-los e consolidá-aperfeiçoá-los no sentido de que atuem no conjunto de atribuições a eles legalmente postas.

A contribuição maior destes espaços para o processo de democratização da esfera estatal – mediada aqui pela universalização e qualidade das políticas sociais - está ancorada na ampliação do seu potencial político sustentado na articulação destes espaços institucionais com as lutas mais amplas dos movimentos e organizações das classes subalternas. É esta articulação que substantiva o conteúdo político destes espaços em sua relação com a democratização, é ela que possibilita ampliar o entendimento da relação conselho-democracia pela simples formalização de espaços de participação no campo das políticas. Relacionar conselhos com processos de democratização é investir na criação e fortalecimento de espaços extra-institucionais de organizações, movimentos e lutas e que estas possam exercer pressão nas arenas conselhistas em prol da defesa dos projetos e demandas advindas “dos de baixo”.

Combinar a capacidade de proposição com a mobilização e o protesto é condição para ampliar a força de incidência das organizações sociais sobre as políticas públicas. É esta articulação que substantiva a contribuição conselhista para a democratização. Como nos esclarece Netto (2004, p. 20), os espaços conselhistas, se apartados de uma dinâmica político-organizativa que os transcenda, terão sua funcionalidade minimizada. Para dar densidade e potencialidade política aos espaços e à funcionalidade dos conselhos, o autor nos convoca à tarefa em combinar a resistência nesses espaços com um pesado investimento na organização política das classes subalternas.

Uma outra contribuição dos conselhos para a democratização é em relação à atuação estatal nas políticas. O exercício da participação institucional de diferentes segmentos que compõem o campo da representação da sociedade civil bem como de agentes públicos tem contribuído para a redução, mesmo que ainda frágil, de comportamentos e ações do Estado no campo das políticas, como o clientelismo, a corrupção e o autoritarismo. Como processos em permanente construção, estas arenas possibilitam, por exemplo, o exercício da exigência de transparência das informações da questão financeiro-orçamentária, a fiscalização dos gastos e questionamento de sua legitimidade através de mecanismos judiciais (representação junto ao Ministério Público, Ação Civil Pública) ou político-administrativos (denúncia junto ao tribunal de contas, aos meios de comunicação etc.); dos critérios de criação de serviços e políticas, das prioridades e fiscalização das ações etc. Elementos

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DETERMINAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA O DEBATE DOS ESPAÇOS CONSELHISTAS MARIA LÚCIA DURIGUETTO, RODRIGO DE SOUZA FILHO

que contribuem para o fortalecimento de uma tendência contrária à privatização dos espaços e dos assuntos públicos e de formas mais democráticas de gestão pública nas políticas.

Neste campo de intervenção, torna-se fundamental destacar que a ação dos conselhos no sentido da reivindicação de políticas públicas de caráter universalista pode contribuir para o tensionamento dos recursos do fundo público em favor dos interesses das classes subalternas. O fato de ocorrer o tensionamento não significa dizer que ocorrerá, efetivamente, uma reorientação dos recursos do fundo público para a ampliação e melhoria das políticas sociais; muito menos, significa que esta ação é ou deva ser a estratégia central das lutas sociais. O que afirmamos é que os espaços conselhistas, se dotados de intervenções na direção da ampliação e da qualidade das políticas sociais contribuem para tensionar a luta em torno da destinação do fundo público e, portanto, para o processo de democratização20.

Nessa direção, o espaço dos conselhos é apreendido como uma das instâncias sócio-políticas possibilitadoras do desenvolvimento de processos de lutas de defesa de direitos e sócio-políticas, de promoção da fiscalização das ações estatais no campo das políticas, de articulação entre forças sociais convergentes, da denúncia e publicização da redução de direitos e do financiamento público para as políticas e os serviços sociais e do desenvolvimento de ações que extrapolem o espaço restrito da institucionalidade estatal (principalmente através da articulação dos conselhos com as lutas extra-institucionais). É com estas duas dimensões – a do âmbito dos processos organizativos e mobilizatórios das classes subalternas na sociedade civil e a do âmbito das políticas públicas setoriais estatais que situamos o significado político-estratégico dos conselhos e a contribuição desses espaços para o processo de democratização social e política no Brasil. O desafio que nos é colocado, de forma urgente, é fazê-los funcionar com esse conteúdo político-estratégico (sem o qual eles não têm nenhuma funcionalidade e eficácia), ainda mais nesses marcos conjunturais que acentuam de forma mais perversa e restrita a destinação do fundo público para os investimentos sociais.

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20 No capitalismo a apropriação e a destinação do excedente que compõe o fundo público estatal nunca poderá comprometer um determinado nível de lucro que compense o investimento do capital. No entanto, a luta para a expansão da destinação desses recursos para atender as necessidades do trabalho, em si, tensiona a ordem do capital, pois pode interferir no nível da apropriação privada do excedente.

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CAPÍTULO 5

INTERDISCIPLINARIDADE E O SISTEMA

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