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ELEMENTOS PARA REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE jUIZFORANA

Com o advento da Constituição Federal de 1988, um novo contexto social é inaugurado no cenário nacional. A redemocratização do país, enquanto parte de grande mobilização de diversos segmentos e movimentos políticos e sociais, propiciou que a constituição incorporasse em seu texto direitos que já eram parte de reivindicações da classe trabalhadora. Contudo, seguido da nova

1 A análise que segue o presente artigo parte de um amplo estudo e revisão bibliográfica realizados na construção da monografia intitulada “organizações da Sociedade Civil com viés Religioso em Juiz De Fora: O Exercício Profissional do Assistente Social em um Cenário de hegemonia do Terceiro Setor”, defendida na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora em 2019, enquanto requisito para conclusão do curso de especialização em Serviço Social, Política Social e o Processo de Supervisão de Estágio.

Para este estudo, foram consideradas tanto minha inserção profissional em uma instituição filantrópica da referida cidade, quanto a participação em espaços políticos de articulação da categoria, tais como a Comissão de Políticas Públicas do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/MG) e a atuação no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS/JF) no mandato de 2018/2020.

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normativa que foi considerada enquanto “Constituição Cidadã” – segue em curso, paralelamente, o aprofundamento da exploração e das contradições próprias da ordem do capital, com proposta de profundas reformas na perspectiva da retirada de direitos e de redução do papel do Estado para o social e alargamento para o capital, políticas que compõem o receituário neoliberal. A implementação deste “receituário” impactará no cenário municipal de forma muito significativa.

Contudo, para melhor entendermos, cabe resgatar elementos sobre o a Política de Assistência Social em Juiz de Fora.

Quanto às ações públicas no âmbito da competência para prestação da assistência social, os primeiros passos são marcados pela criação da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (SEBES), em 1973. Até a década de 1970, a assistência social municipal era prestada exclusivamente pelas iniciativas do setor privado através de suas associações, e das iniciativas da sociedade civil através das instituições religiosas (Defillipo, 2012). Defillipo (2012) registra que, antes da criação da SEBES, foram implantadas 42 novas instituições com ações na área da política de assistência social em Juiz de Fora.

Em 1984, por meio das ações do Grupo de Ação Comunitária, que concentrava trabalhadores da assistência social direcionado por um viés voluntarista de participação social em busca de soluções para as questões emergentes no âmbito municipal, a Secretaria de Governo cria a Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC), com vistas a esses atendimentos, sendo esta uma associação civil financiada pelo poder público (Defillipo, 2012). Sobre a AMAC, é importante que façamos algumas considerações fundamentais.

A AMAC expressou seu caráter ambíguo ao longo dos anos, de modo que, sendo gestora da política de Assistência Social em âmbito municipal até 2009, todos os prefeitos desse período foram presidentes da instituição. Após a Reforma Administrativa em 2001, sendo a AMAC vinculada a Diretoria de Política Social, mas permanecendo sob a gestão da política de Assistência e sua executora central, o cargo de superintendente da instituição passou a ser ocupado pelas primeiras damas e pessoas que articulavam os interesses políticos do poder público municipal (Defillipo, 2012).

A AMAC passou por várias adequações conforme seguiram-se os avanços normativos no âmbito da política nacional de Assistência Social, como a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS – 2004), a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/

SUAS-2005), e as alterações em âmbito municipal com a Reforma Administrativa de 2001. Iniciada a estruturação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005, já acumulando a função de gestora e executora de serviços da política de assistência social municipal, a AMAC passou a ofertar, também, os serviços regulamentados pelas diretrizes nacionais que compunham, no âmbito do SUAS, a Proteção Social Básica e Proteção Especial de Média e de Alta Complexidade, em conjunto com a Secretaria de Política Social (SPS) (Defillipo, 2012).

Acerca do papel do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS/JF) na função do exercício do controle social dessa política, Defillipo (2012) registra que, entre 2005 e 2009, diversas

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discussões referentes à implantação e aprimoramento da gestão do SUAS foram realizadas e deliberadas. Dentre elas, destacam-se a implantação dos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), a construção do Plano Municipal de Assistência Social (PMAS), a gestão plena da política de Assistência Social por parte do município, e mudanças no financiamento dos serviços dessa política.

No entanto, para o cumprimento dessas estratégias de desenvolvimento da política, no ano de 2006, foi necessário a interferência do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que, por ofício, exigiu a aprovação do Plano de Ação Municipal.

Em 2006, o município inaugura seu primeiro CRAS na região Leste e, em 2008, mais três CRAS nas regiões Norte, Sul e Sudeste. Neste mesmo ano, foram implantados ainda três Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Mas, ao contrário dos moldes do SUAS, onde se prevê uma lógica de proteção social fundamentada nas necessidades sociais, com cortes a partir do nível de proteção necessária para cada grupo, os CREAS foram implantados com corte por faixa etária e de gênero, se constituindo em CREAS infância e Juventude, e CREAS idoso/mulher (Filho & Oliveira, 2014).

Cabe destacar que, os equipamentos dos CRAS estavam subordinados à Coordenação Socioeducativa, e os CREAS à Coordenação da Proteção Especial, sendo as duas coordenações vinculadas ao Departamento da Infância/Adolescentes, demonstrando que os equipamentos, além de contrariar o amparo dado pela NOB/SUAS enquanto público estatais, ainda estavam constituídos na sua organização constitucional dentro do município enquanto um programa de atendimento.

É valido destacar, que segundo as normativas do SUAS, programas são ações de natureza complementar, com tempo definido, não se caracterizando enquanto uma ação continuada. Ainda seguindo o curso das readequações para enquadramento às novas normativas, em 2009, com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, novamente, toda a política de assistência social passou por uma reconfiguração. Neste processo, o município de Juiz de Fora assume, conforme deliberação da Comissão Intergestores Tripartite - CIT- e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o compromisso de reordenar os serviços socioassistenciais até julho de 2013. As instituições de Assistência Social no âmbito municipal passaram por reestruturações internas na elaboração dos seus serviços para atender as aquisições, provisões e objetivos da tipificação2.

Em suas pesquisas, Defillipo (2012) constata que a AMAC não possuía nenhum convênio formal com o município, haja vista que a ela era garantida uma dotação orçamentária diretamente com a prefeitura, vindo a realizá-lo somente em 2008, ainda assim apenas com vistas ao repasse de recursos. Logo depois, em 2009, foi realizado um convênio para regularizar essa parceria atendendo às novas regulamentações do SUAS. Filho e Oliveira (2014) pontuam que, em 2009, a instituição

2 Nas reuniões de capacitação para preenchimento do Censo SUAS, realizadas anualmente pela atual Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) da PJF, nas quais tenho participado representando a instituição em que atuo, tem sido recorrente, embora menos expressivo no ano de 2019, o aparecimento de instituições com projetos, programas e serviços que não se encaixam nos requisitos da Tipificação. Isso nos mostra que o reordenamento dos serviços socioassistenciais ainda segue em curso nas instituições no âmbito municipal, apesar dos avanços em relação a 2015, quando iniciei a atuação profissional na área, onde havia, inclusive, creches respondendo ao Censo Suas como executoras de Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, sem que houvesse nenhuma atividade no equipamento sendo executada pela política de Assistência Social.

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teve intervenção do Ministério Público (MP), que questionou sobre sua natureza jurídica. Contudo, contrariando a solução apresentada pelo MP que extinguiria a instituição, foi realizada uma solução intermediária com vistas à continuidade, alterando a configuração jurídico-administrativa da AMAC.

A criação do SUAS exigiu mudanças estruturais administrativas que possibilitassem a efetivação da Política de Assistência Social municipal, pois “em substituição à SPS foi criada, em 2009, a Secretaria de Assistência Social (SAS) - Lei 9750/ 02 de janeiro de 2009 -, órgão da administração direta, com autonomia administrativa, orçamentária e financeira na Política de Assistência Social municipal (Defillipo, 2012, p. 105).

Filho e Oliveira (2014) registram que, logo após a implantação da SAS, foram implantados mais cinco CRAS no município, correspondentes ao Centro, Sudeste, Oeste, Sul II, Leste II, Sudeste II, aproveitando espaços já existentes como os dos CURUMINS, programas da AMAC direcionado ao público infantil. Para compor as equipes mínimas, foram remanejados funcionários dos diferentes programas da AMAC gerando um esvaziamento destes, os quais tiveram suas atividades suspensas temporariamente. Acerca dessa questão Defillipo (2012) relata que, após implantação do SUAS, houve tentativa de extinguir a AMAC, distribuindo seus projetos e incorporando parte deles à estrutura administrativa municipal. A autora denomina a articulação da entidade com o poder público como “Grande Parceria”, legitimada não só pelo poder público como também pela sociedade civil por intermédio do CMAS/JF. Mas ressalta que, diante das novas determinações nacionais, essa configuração vai se tornando inviável. E completa que

[...] ela [AMAC] também foi usada durante todos estes longos anos de indefinição estrutural e política enquanto ‘cabide eleitoral’, nepotismo, clientelismo, paternalismo, e mais, espaço sócio-ocupacional de precarização do trabalho, uma vez que não era preciso concurso público para a incorporação dos mais de 2.000 funcionários, ficando estes submetidos ao regime CLT e indefinição da instituição enquanto pública ou privada. Vale ressaltar, ainda, que o direcionamento da administração da AMAC, principalmente no que se refere aos altos cargos da associação, sempre foi atrelado às gestões da prefeitura, portanto, utilizadas enquanto estrutura de poder (Defillipo, 2012, p. 107).

Diante deste breve resgate acerca da implantação da política de Assistência Social municipal, fica explícita a importância da AMAC na sua configuração e implementação por meio de seus serviços, projetos e programas que atenderam, durante anos, parcela significativa da população em um período que a política de Assistência Social permanecia sem normatizações específicas, volúvel ao paternalismo político. Cabe ressaltar que sua implantação não rompeu de forma imediata com esse modelo de assistência voltado para a filantropia e para o clientelismo, pelo contrário, o perpetuou, mas a estruturação institucional desse atendimento da política de Assistência Social, naquele contexto, já se configurou um avanço.

Conforme já apresentado, com o avanço normativo da PNAS e da NOB SUAS, a configuração da AMAC entrou em conflito com as diretrizes nacionais para a política de assistência social, tornando

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sua existência, conforme sinaliza Deffilipo (2012, p. 152), “esquizofrênica”, com dualidade entre

“rupturas e continuidades com o passado”. E, distante de romper com o modelo assistencialista e paternalista de prestação da política de Assistência Social, o município perpetuou traços marcantes do conservadorismo, mantendo fortes alinhamentos de interesses políticos entre instituições e poder público. Demarcando um profundo clientelismo, a política municipal de Assistência Social seguiu encontrando novas formas de reconfigurar esse cenário, na direção da sua continuidade.

Sobre a centralidade da gestão e execução dessa política por uma organização sem fins lucrativos, infringindo sobre a sua efetivação enquanto um “direito de cidadania e dever do Estado”, Filho e Oliveira (2014) apontam que essa configuração revela a fragilidade do poder público na condução da política de Assistência Social. Corroborando com essa análise, apresentam dados retirados do Portal da Transparência da Prefeitura de Juiz de Fora de 2010, em que demonstram que 72,77% do montante de recursos utilizados pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) e Fundo Municipal de Assistência Social (FUMAS) foram destinado à contratos e convênios com a AMAC. E constatam em análise ao Anuário Estatístico de Juiz de Fora do ano de 2009 que, em 2008, a AMAC, junto com outras instituições, realizou 81% dos atendimentos socioassistenciais do município, reafirmando que, após a implantação do SUAS no município em 2005, permaneceu mantendo sua centralidade na gestão da política.

Outro significativo apontamento realizado por Filho e Oliveira (2014) diz respeito ao financiamento dessa política, que em 2003 recebia o aporte de mais de 19 milhões, correspondendo a 2,04% do gasto público total, considerando que, no Portal da Transparência, constava um gasto público total de mais de 962 milhões; enquanto, em 2005, em um contexto de implantação do SUAS, esse recurso caiu para cerca de 1,89% do gasto público total, com um investimento na assistência social de cerca de 24 milhões, onde havia um gasto público total de mais de 1 bilhão. Ou seja, enquanto o gasto público total crescia, a fatia correspondente ao financiamento da Assistência Social reduzia. Feitas estas observações, cabe, agora, discorrermos sobre a regulamentação da filantropia.

2 A FILANTROPIA REGULAMENTADA SOB OS MARCOS DO GOVERNO

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