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O debate sobre a interdisciplinaridade no campo científico ganhou força a partir dos anos 50 do século passado, na medida em que se fortalecera a necessidade de uma revisão sobre os pressupostos epistemológicos vigentes no cenário acadêmico. Nesse sentido, a interdisciplinaridade corresponde a necessidade de superação de um modelo de produção do conhecimento fragmentado, herdeiro de uma visão reducionista que conformou parte da ciência moderna. Ao mesmo tempo, adotar a direção da interdisciplinaridade diz respeito à realização de um trabalho que se dá pela ideia

PARTE 1 - CAPÍTULO 5 - INTERDISCIPLINARIDADE E O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) BEATRIZ OLIVEIRA ARAUJO, CAIO DE ALCÂNTARA GOMES DA CRUZ,

FABIANA DA SILVA CHRISPIM, FERNANDO SANTANA DE PAIVA

do comum em meio às diferenças, tendo em vista a interação entre os distintos campos científicos.

Isso significa a possibilidade, e ao mesmo tempo, o desafio em se mobilizar diferentes conceitos e metodologias em prol da construção de algo que está para além do preconizado pela racionalidade unidisciplinar (Fazenda, 2011).

Historicamente, a discussão sobre a produção do conhecimento por um prisma interdisciplinar sofreu um declínio no século XIX. A ascensão de um modelo científico de matriz positivista contribuiu para a segmentação dos diferentes campos do saber, e, expressou o auge de um tipo de racionalidade, e, de forma paralela, fortaleceu o saber restrito aos moldes unidisciplinares (Gomes & Deslandes, 1994). A este respeito, Japiassu (1976), autor crítico da disciplinaridade dos saberes, considera que esta racionalidade segmentária, culminou em um tipo de exploração científica que valorizou sobremaneira o carácter da expertise como mola mestra da produção do conhecimento. Concomitantemente, passamos a experimentar o tempo dos especialistas, e, com isto, uma acentuada fragmentação do conhecimento. Ao longo do tempo, valorizou-se, portanto, a necessidade construída, de se especificar os objetos, métodos e materiais que teriam como finalidade conferir certa estabilidade, e, mesmo, o reconhecimento de uma disciplina tida como verdadeiramente científica.

Minayo (1994; 2010) considera ainda que a expansão da ciência, como prática social, ocorreu de maneira substancial durante o século XIX, produzindo efeitos diretos na organização da vida social. O surgimento de novas disciplinas, bem como as transformações observadas em campos já existentes, adveio em virtude das necessidades forjadas em um mundo em movimento. Neste cenário, a autora adverte que o modus operandi oriundo da vertente positivista hegemonizou-se, e, consequentemente, as disciplinas passaram a se organizar através da adoção de objetos isolados, reificando uma metodologia específica, de caráter reducionista, a-histórica e asséptica. Esse movimento representou a adoção de uma linguagem e uma prática própria de uma dita “ciência rigorosa”, tida como regra a ser seguida.

A defesa em torno da articulação dos diferentes campos do conhecimento, assim como sua aproximação com a realidade do mundo vivido, ressurgiu muito fortemente no século XX, sobretudo a partir da crise universitária dos anos 1960, quando os paradigmas científicos tradicionais, compartimentados e com base na filosofia da consciência - que separa o sujeito do objeto - passaram a ser questionados. Foi na década de 1960 e no início dos anos 1970, que se fortaleceu entre intelectuais e estudiosos uma crítica mais refinada das teorias totalizantes, das grandes narrativas sociológicas e da pouca adesão do paradigma positivista às razões e necessidades colocadas pela sociedade à comunidade acadêmica (Alves-Mazzotti & Gewandsznajder, 2010).

A partir destas considerações, Minayo (2010) salienta que a interdisciplinaridade constitui uma articulação de várias disciplinas em que o foco é o objeto, o problema ou o tema complexo, para o qual não basta a resposta de uma única área. Ao falarmos em interdisciplinaridade, temos em mente que frente a um objeto concreto, sempre trabalhamos com fragmentos disciplinares conectados pela pergunta central, com o intuito de compreendê-lo de forma mais profunda, mais

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ampliada e mais complexa. Certamente, a cooperação interdisciplinar deve ocorrer mediante o diálogo com a realidade e o mundo vivido pelos sujeitos sociais. Assim, precisar quais disciplinas deverão ser mobilizadas para compor uma abordagem interdisciplinar prescindirá da delimitação do problema a ser investigado, mas sobretudo, da perspectiva ético-política que orienta tal análise e intervenção.

Minayo (2010) considera ainda que, ao adotarmos uma abordagem interdisciplinar, é necessário que o conjunto de trabalhadores realize uma revisão sobre a teoria com a qual se almeja trabalhar. Para tanto, é importante colocar em debate os conceitos de cada área, realizando uma profunda reflexão sobre os processos de produção do conhecimento realizados, bem como as práticas decorrentes. Trata-se de um novo modo de operação, tanto da produção do conhecimento, mas certamente na realização das intervenções profissionais.

De acordo com Furlanetto (2011, p. 48) a interdisciplinaridade “está destinada a mover-se nas fronteiras de territórios estanques e separados, procurando descobrir brechas e permeabilidades no espaço do entre que permitam estabelecer novas relações”. Tais fronteiras que foram rigidamente construídas ao longo da história do conhecimento científico, resistem ao serem colocadas em xeque, haja vista os interesses e dogmatismos envolvidos na manutenção de poder sobre o conhecimento, que é considerado restrito a um determinado campo científico.

Gomes e Deslandes (1994) entendem que a interdisciplinaridade é requisitada na medida em que se reconhece que a fragmentação do saber encontra seu real limite. As diferentes áreas do conhecimento e as profissões não devem assumir, sob risco de um fracasso iminente, a pretensão de oferecer todas as respostas a um problema, haja vista os limites inerentes a toda e qualquer área. A interdisciplinaridade, como um caminho a ser seguido, representa, por sua vez, a busca e o reconhecimento pela totalidade do conhecimento. A fragmentação dos objetos, temas e questões analisadas, pode representar, em verdade, uma impossibilidade produzida por aqueles que pesquisam, em se conectar o singular ao universal, o individual ao coletivo. Ademais, a institucionalização do saber científico tem produzido, conforme nos advertira Fals Borda (2014), o aprisionamento de nossa capacidade criativa em construir outras maneiras de perguntar e responder sobre as necessidades sociais, em detrimento da valorização de um saber técnico distanciado da vida vivida, e, por conseguinte, altamente limitado.

A necessidade em se romper com uma perspectiva rígida, e, mesmo corporativa no processo de produção do conhecimento e atuação profissional, é atestada por Frigotto (2008), que considera a interdisciplinaridade como uma necessidade humana e não como um mero conceito esvaziado de sentido. Para o autor, o necessário trabalho interdisciplinar, na produção e na socialização do conhecimento no campo das ciências humanas e sociais, não decorre de uma arbitrariedade racional e abstrata. Decorre, sobretudo, da própria forma encontrada pelo homem em produzir-se como ser social e como sujeito do conhecimento.

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Segundo o autor supracitado, os seres humanos, ao intentarem satisfazer suas múltiplas e sempre históricas necessidades biológica, intelectual, cultural, afetiva e estética, estabelecem as mais diversas relações sociais. Nessa direção, a produção do conhecimento e sua socialização ou negação para determinados grupos ou classes, está diretamente relacionada ao conjunto de práticas e relações que produzem os homens num determinado tempo e espaço. É justamente a partir desta condição que o conhecimento e suas práticas decorrentes conseguem atingir uma efetiva materialidade histórica. Por conseguinte:

A necessidade da interdisciplinaridade na produção do conhecimento funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa, bem como na natureza intersubjetiva de sua apreensão. Este caráter uno e diverso da realidade social nos impõe distinguir os limites reais dos sujeitos que investigam dos limites do objeto investigado. Delimitar um objeto para a investigação não é fragmentá-lo, ou limitá-lo arbitrariamente. Ou seja, se o processo de conhecimento nos impõe a delimitação de determinado problema isto não significa que tenhamos que abandonar as múltiplas determinações que o constituem. É neste sentido que mesmo delimitado, um fato teima em não perder o tecido da totalidade de que faz parta indissociável (Frigotto, 2008, p. 43-44).

Frigotto (2008) e Minayo (2010) consideram, portanto, que a interdisciplinaridade se configura como uma necessidade para a superação de um modelo de produção do conhecimento e prática profissional extremamente fragmentado. A interdisciplinaridade de fato, que pode ser promovida no encontro entre Psicologia e Serviço Social no âmbito do SUAS, e demais atores sociais, no enfrentamento às expressões da “questão social”, pode promover uma reinvenção nos modos de produção do conhecimento de ambas as áreas, visando o rompimento de fronteiras rígidas que foram se estabelecendo ao longo da história. Uma demarcação de fronteiras que subdivide as necessidades humanas em esferas objetivas e subjetivas, mas que não condizem com as experiências vivenciadas pelas/pelos profissionais e pessoas atendidas nos serviços ofertados pela política de Assistência Social.

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