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À GUISA DE CONCLUSÃO: A PARTICULARIDADE DA DEPENDÊNCIA BRASILEIRA E SEU IMPACTO NA ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO DAS

POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL (1930-1980)

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A Revolução de 1930 é um ponto de inflexão na trajetória histórica do Brasil, na medida em que representa o início de um novo projeto político e social para a sociedade: expansão das relações capitalistas, por meio da industrialização e urbanização, sob o comando da intervenção estatal, a partir do pacto conservador entre a oligarquia agrária e a burguesia emergente.

Do ponto de vista da economia política, esse projeto, como muito bem demonstrado por Oliveira (2003), é conduzido a partir da articulação entre a economia agrária e a indústria emergente, constituindo um entrelaçamento entre características “pré-capitalistas” e capitalistas de produção, através da relação entre a produção agrícola baseada numa intensiva exploração de trabalho e a recente produção industrial que se beneficia daquela exploração.

Segundo a análise de Oliveira (2003, p. 45-47), a relação dialética entre a agricultura e o setor industrial emergente se expressa na funcionalidade da agricultura para o crescimento industrial, via fornecimento da força de trabalho e de alimentos, através da manutenção do padrão “primitivo” de acumulação na agricultura, “baseado numa alta taxa de exploração da força de trabalho” (Oliveira, 2003, p. 45).

De acordo com o analista (idem, p. 55-58), esta mesma articulação que combina “alta taxa de exploração da força de trabalho” na agricultura e ampliação das condições de acumulação urbano-industrial, no início do processo de industrialização brasileiro, ocorrerá, no momento posterior de consolidação do referido processo, entre o setor terciário e o setor industrial. Ou seja, como a

5 Para um esboço de análise das políticas sociais a partir da CF-1988 até o início do governo Temer, ver nesta coletânea: Duriguetto, M. L. & Souza Filho, R. Democratização, política econômica e política social: determinações fundamentais para o debate dos espaços conselhistas.

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industrialização brasileira desenvolveu-se com base numa “acumulação capitalista razoavelmente pobre”, no momento de sua consolidação, a exigência de expansão do setor terciário teve de ser atendida, também, através do “crescimento não-capitalístico do setor Terciário”. Dessa forma, como argumenta Oliveira (idem, p. 57), “os serviços realizados à base de pura força de trabalho, que é remunerada a níveis baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista, uma fração de seu valor, ‘mais valia’ em síntese”.

Em nosso entendimento - apesar do autor não fazer esta articulação -, essa análise concreta da expansão e consolidação das relações capitalistas no Brasil, fundada na “alta taxa de exploração”

e remuneração a “níveis baixíssimos” da força de trabalho, realizada por Oliveira (2003), nos permite indicar, como hipótese, que essa é a singularidade do processo de superexploração da força de trabalho em nosso País.

Dessa forma, a dinâmica estrutural da dependência no Brasil, fundada na superexploração da força de trabalho, se realiza objetivamente através das conexões existentes entre o processo de industrialização, responsável pela expansão das relações capitalistas no Brasil, e as funções desempenhadas pelo setor agrícola e pelo setor terciário, tendo como base o rebaixamento do valor da força de trabalho rural e do setor terciário.

Florestan Fernandes (1981, p. 241) completa a análise mostrando que o desenvolvimento capitalista no Brasil se processa a partir de uma dupla articulação: “1.°) internamente, através da articulação do setor arcaico ao setor moderno (...); 2.°) externamente, através do complexo econômico agroexportador às economias capitalistas centrais”. Esse tipo de transição da economia capitalista brasileira produziu uma aliança entre a burguesia industrial emergente e setores da oligarquia agrária para processar o projeto de industrialização e urbanização de forma dependente ao capital internacional.

Neste contexto, criou-se, então, no País, um sistema diferenciado de intervenção na área social. Para os trabalhadores urbanos regulamentados estruturou-se um sistema público de proteção social, baseado na previdência social e assistência médica, desenvolvido pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (Santos, 1987); para os demais trabalhadores e o restante da população, ou seja, aos excluídos do sistema público, destinou-se o aparato assistencial existente, fundado nas ações das entidades filantrópicas (laicas e religiosas), apoiando sua expansão, através de subvenções públicas (Mestriner, 2001). Assim, de forma geral, podemos dizer que a política social no Brasil será constituída tendo como base as concepções de “cidadania regulada” (Santos, 1987), na perspectiva da política previdenciária e de assistência médica - destinada aos trabalhadores urbanos que possuíssem sua profissão reconhecida legalmente -, a qual será implementada com base na lógica corporativo-estatal, e a “cidadania invertida” (Fleury, 1991) como expressão da ação assistencial - destinadas aos demais segmentos da população -, configurando-se como recurso de clientelismo do poder central.

É importante destacar que esse formato de desenvolvimento de políticas sociais no Brasil - incorporação seletiva e limitada das classes subalternas às riquezas produzidas

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nacionalmente - se adequa ao processo de desenvolvimento de nosso capitalismo dependente que, conforme descrito acima, por condições estruturais não possuía recursos para a implementação de políticas sociais amplas e abrangentes. Ou seja, as condições objetivas6 postas eram adversas a um projeto de universalização e aprofundamento de direitos sociais.

Em linhas gerais, esse padrão de operar as políticas sociais não sofrerá alteração até o advento do golpe de 1964.

Na análise de Fiori (1995), o processo de consolidação monopólica do projeto de capitalismo periférico e dependente, implementado a partir de 1964, se caracteriza, uma vez mais, como uma

“fuga para frente”. Para fugir dos conflitos e contradições do projeto de economia dependente, o Estado desenvolvimentista projetava-se para frente, buscando ampliar as condições de acumulação, através de sua maior intervenção na economia.

Nesse sentido, a opção política das classes dominantes se orientou, por um lado, para manter a “dupla articulação” e, por outro lado, para excluir as classes trabalhadoras do processo de participação política das decisões sobre o desenvolvimento e da ampliação do acesso às riquezas produzidas, mantendo assim, como destaca Oliveira (2003), o caráter concentrador de poder, renda e propriedade.

Oliveira (2003, p. 84) afirma que “a aceleração, a partir do período Kubitschek, fundada numa base capitalística interna pobre e nas condições internacionais descritas, requeria, para sua viabilização, um aumento na taxa de exploração da força de trabalho”. Em seguida, afirma o autor: “a repressão salarial é um fato” (idem, p. 100). Esta repressão é essencial para sustentar a superacumulação necessária para viabilizar a realização da acumulação real.

Oliveira (2003, p. 100-105) demonstra que a situação de manutenção da desigualdade social durante a expansão capitalista no período pós-1964, mais precisamente a partir de 1967, explica-se pela necessidade de se realizar um processo de acumulação compatível com a estratégia de monopolização e aceleração da industrialização do período, através do aprofundamento da exploração do trabalho como mecanismo central para resolver as contradições entre relações de produção e desenvolvimento das forças produtivas, na medida em que é “necessário aumentar a taxa de lucros, para ativar a economia, para promover a expansão” (idem, p. 100). Nesse sentido, afirma o autor, o aprofundamento da taxa de exploração do trabalho se apresenta como requisito estrutural da expansão monopólica.

Nesse contexto, é reafirmada a opção da burguesia brasileira de se aliar ao capital internacional, mantendo, mesmo que de forma subordinada, as oligarquias agrárias no poder, em detrimento de uma aliança progressista com a classe trabalhadora voltada para um projeto burguês nacional-democrático.

Ao longo desse período (1964-1985), com a restrição dos direitos civis e políticos, os direitos sociais implementados pela ditadura civil-militar, por meio de suas políticas sociais, marcaram o

6 Para o interesse do presente artigo, o fundamental é explicitar as determinações objetivas da restrição de utilização do fundo público para as políticas sociais, por isso não entraremos no debate sobre as condições subjetivas.

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início do desmonte do aparato de regulação da cidadania, unificando, uniformizando e ampliando os serviços sociais, com certa tendência universalizante. Como não se procedeu a uma alteração substancial das bases de financiamento das políticas sociais, devido à condição estrutural da dependência, conforme abordado anteriormente, ampliaram-se os serviços de baixa qualidade.

Nesses termos, conforme sinaliza Werneck Vianna (1998), institui-se uma “americanização perversa” na seguridade social brasileira. A universalização das políticas sociais se processa de maneira combinada à mercantilização de serviços. Dessa forma, forja-se um sistema público de baixa qualidade para a massa da população brasileira. Por outro lado, cria-se um sistema privado (principalmente nas áreas de saúde e educação) para as camadas média e alta da sociedade.

Portanto, desenvolvem-se políticas sociais de tendência universalizante, conduzidas pelo Estado, porém constituídas sobre uma estrutura institucional residual e precária para desenvolver tal tarefa.

A não efetivação da universalização dos serviços possibilitou que se mantivesse, dessa forma, a situação de “cidadania invertida” para a grande maioria da população brasileira em combinação com a expansão de serviços sociais públicos de baixa qualidade.

As políticas sociais de baixa qualidade foram organizadas através de uma estrutura administrativa também de baixa qualidade, a expansão de serviços não foi acompanhada por um incremento proporcional nos investimentos para sua implementação, devido, principalmente, ao investimento no processo de consolidação da fase monopólica no País, no contexto da dependência.

Neste sentido, reproduz-se a dinâmica da superexploração da força de trabalho como elemento estrutural da acumulação periférica, devido à manutenção da transferência de valor produzida internamente, agora no quadro da consolidação da fase monopólica no Brasil, impactando, as condições de disponibilização do fundo público para as políticas sociais.

Dessa forma, sobre outras bases, rearticula-se a dinâmica pautada, por um lado, pela deterioração das condições de vida das classes subalternas e, pelo outro, pelos parcos recursos disponíveis do fundo público para o fortalecimento de políticas sociais universalistas, gratuitas e de qualidade, reatualizando as determinações objetivas centrais que fundamentam, estruturalmente, a precarização das políticas sociais nos países periféricos.

REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO 2

MAPEAMENTO DA PRODUÇÃO

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