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Conseqüências da violência de gênero, nos âmbitos intra e extra-familiar

CAPÍTULO 1 Violência de gênero intrafamiliar: conceitos, especificação, tipos, origens

1.3 Conseqüências da violência de gênero, nos âmbitos intra e extra-familiar

O tema violência de gênero intrafamiliar está inserido no cenário mundial, onde a maioria dos países está comprometida com sua prevenção, punição e erradicação, sendo certo que urge sejam buscadas soluções eficazes para que, em sede de procedimento criminal, a punição dos crimes que caracterizam esse tipo de violência seja eficaz, de tal forma a possibilitar sua prevenção e erradicação.

O RNB/CEDAW68 reputa que a violência contra a mulher, em especial aquela ocorrida no âmbito doméstico e intra-familiar, tem graves e sérias conseqüências não apenas para o pleno desenvolvimento da mulher, comprometendo o exercício de sua cidadania e os direitos humanos que lhe são assegurados, mas também o desenvolvimento sócio-econômico do país. Segundo dados estatísticos apurados pelos elaboradores do referido Relatório,no Brasil, a cada 4 minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém relação de afeto; as estatísticas disponíveis e os registros nas delegacias especializadas de crimes contra a mulher demonstram que 70% dos incidentes acontecem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou companheiro; mais de 40% das

67

Ibid., p. 15.

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BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Relatório nacional brasileiro

relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18 daConvenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW. Brasília, 2002. p. 67.

violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos; e essa violência custa ao país 10,5% do seu PIB.

As conseqüências da violência de gênero intrafamiliar situam-se tanto no âmbito doméstico (interno), como também além deste (âmbito externo).

As conseqüências da violência são variadas e dependem: • da idade da pessoa agredida e da que agride; • do tipo de relação entre eles;

• da personalidade da vítima;

• da duração e da freqüência da agressão; • do tipo e da gravidade do ato;

• da reação do ambiente.69

Como conseqüências no âmbito interno (intrafamiliar), podemos citar: - a) rompimento das relações afetivas entre o casal;

- b) desajuste afetivo e emocional dos filhos. Ferrari e Vecina explicam:

- Nota-se, assim, que a criança necessita de uma figura afetiva estável para ir, por intermédio dela, construindo sua identidade. Seu processo de identificação será conturbado se esse ambiente, esse contexto que a recebe não for continente e protetor. Em geral, esse ambiente à sua volta é conhecido e denominado como família.

(...) Conforme a visão moreniana, a família deve ser vista em seu contexto social como uma parte da rede sociométrica. É dentro dela que ocorre a vinculação entre criança e adulto significativos – ela é o locus, o status nascendi, a “matriz” desses primeiros vínculos sociais da criança.

Quando a família não cumpre seu papel social de protetora de sua prole, de transmissora de valores culturais, considerando como critério seu aspecto funcional,

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FERRARI, Dalka Chaves De Almeida; VECINA, Tereza Cristina Cruz (Orgs.). O fim do silêncio na

pode-se dizer que ela fracassou no cumprimento de suas funções. Observa-se entre os membros dessas famílias a falta de relações verdadeiras (relações télicas, para Moreno), incoerência entre seus membros, substituídas por relações de pseudomutualidades, de duplo vínculo etc.

Quando ocorrem situações de vitimização física e sexual de crianças e adolescentes na família, pode-se dizer que se está diante de um grave problema de relações entre pais e filhos, de uma relação hierárquica que se deteriorou.

(...) Assim, caso a incidência da vitimização ocorra muito precocemente na vida da criança, pode-se dizer que todo o desenvolvimento do Eu (por meio do desenvolvimento dos papéis psicossomáticos, psicodramáticos e sociais) fica abalado. Nessas situações o Eu pode permanecer desestruturado, sem se integrar totalmente, ou apresentar traços que se aproximam do quadro de sintomas próprios das psicoses70.

[...]

A análise de como tais crianças/adolescente vêem a figura feminina indica a percepção de uma mulher sem expressão, submissa e conformada.

No caso dos meninos, muitas vezes a figura feminina é omitida (em 54,69% dos relatos) e, quando citada, em poucas ocasiões aparece desempenhando um papel de autoridade (28,22% dos relatos).

Para eles, tal figura vem associada mais a aspectos de não-proteção, ausência de expressão de afetividade e exercício de papéis violentos, do que de proteção e provimento. Quando, no exercício da autoridade, a mulher adulta aparece submetendo e levando a criança a se conformar por meio de relações permeadas de medo, receio e falta de cuidados.

Para as meninas, a mulher é caracterizada muitas vezes como uma figura infantil, sem poder, frágil ou até impotente, com traços de submissão, dependência e conformismo, quando sentimentos de medo e receio estão presentes em 21,43% desse relatos.

Nos relatos das meninas, a mulher aparece exercendo o papel de autoridade com maior freqüência (50%) do que nos dos meninos. Nestes, a mulher adulta é percebida como alguém que exerce papéis carregados de violência em relação à infância – de destruição, ameaça, invasão e punição -, não deixando que o outro possa usufruir do prazer. Apenas em alguns desse relatos a figura feminina adulta vem revestida de admiração e busca de identificação (10,71%), ou mesmo como alguém capaz de oferecer proteção e alguma afetividade (17,86%).

A figura masculina, quando aparece, é vista, principalmente tanto pelas meninas como pelos meninos, como uma imagem violenta – destruidora, ameaçadora, invasora, punidora. Porém, muitas vezes ela aparece como impotente (em destruição, manipulada pelo feminino, ameaçada).

Tais características, à primeira vista contraditórias, indicam a constituição de um indivíduo ora como agressor, ora como vítima. E, quando este homem se apresenta enquanto uma autoridade, resta à criança a submissão e o conformismo, com a presença de sentimentos de medo, receio, desproteção e dependência.

Se buscarmos as diferenças na formação dessa personagem entre meninos e meninas, observaremos que as meninas percebem muito mais os aspectos violentos nos homens (25%), enquanto os meninos notam sua impotência e fragilidade, porém com a capacidade de desempenhar o papel provedor (especialmente no âmbito financeiro). De qualquer modo, é possível identificar a existência de um modelo de identificação pouco adequado.

Fato curioso é a inexistência de relação com autoridades masculinas – em 52% dos relatos a criança se mostra distanciada dessa autoridade. Tal dado nos sugere, provavelmente, o abandono e a falta de proteção que essa autoridade lhe oferece. Observa-se também que a expectativa de cuidados que essa criança tem é muito pequena, o que a leva à manutenção do status quo, à não-reivindicação, indicando crianças passivas, carentes e desesperançosas de que possam vir a ter a proteção/cuidados necessários.

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Diante desse quadro de relacionamentos constata-se, mais uma vez, que essas crianças/adolescentes não vivenciam um ambiente favorável a um desenvolvimento saudável. Possivelmente, tais formas de relacionamento, permeadas de carências, faltas e violências, nortearão seu futuro modo de contato com o mundo.

Se temos como meta a transformação dessa realidade, resta-nos num primeiro momento ver, questionar e então nela intervir. Para isso é necessário, como diz Rifiotis (1998,p.27):

[...] entendermos que a violência não pode ser simplesmente negada, considerada como ‘parte maldita’ da sociedade, ela é um dos elementos vivos de qualquer projeto social. De um ponto de vista mais amplo, acreditamos que ao invés de negarmos a sua presença e a repudiarmos como um fantasma, deveríamos procurar compreender como ela se insere nas relações sociais e no nosso imaginário. Essa atitude reflexiva poderá contribuir para um melhor conhecimento de nossa sociedade e também para a modulação da própria violência.

A formação da identidade de tais crianças/adolescentes parece dar-se em um ambiente hostil, no qual o silêncio, a impotência e a imobilidade – seja pelo não falar ou reconhecer a própria violência sofrida ou pelo não receber orientação no sentido de sua não-ocorrência – transformam-se em fatores de manutenção de um ciclo perverso71.

- c) manutenção de uma cultura machista de violência de gênero intrafamiliar, pois os filhos, desde a mais tenra idade, convivem dia-a-dia com esse tipo de violência, a qual vai se banalizando e sendo considerada como um padrão de comportamento normal e admissível pelos filhos, que se transformam em potenciais futuros propagadores dessa violência em seus futuros lares, pois conforme:Ferrari e Vecina:

A aprendizagem emocional não será completa, pois, se os pais não aprenderam a enfrentar certa situação na vida, não poderão ensinar seus filhos a fazê-lo. O conhecimento do papel social de pais é sempre adquirido de modelos, retirado da própria experiência de vida. Assim, o problema da criança, hoje, representa quase sempre uma vida de aprendizagem emotiva que seus pais não conseguiram completar no momento evolutivo correspondente.72

- d) esfacelamento da família, com a separação do casal, o que geralmente ocorre quando a mulher é economicamente independente do homem, sendo, portanto, capaz de sustentar a si e aos filhos sozinha; além disso, não mais está disposta a sofrer agressões e humilhações, estando consciente de seu direito à integridade física e psicológica, bem como da possibilidade de uma existência digna e feliz;

71

Ibid., p.67-68

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nesses casos, a mulher assume o sustento e a guarda dos filhos e é cada vez mais comum famílias formadas exclusivamente pela mulher e seus filhos (denominadas famílias monoparentais);

- e) esfacelamento da família, com a saída dos filhos, que abandonam o lar violento para morarem com parentes (geralmente tias ou avós), ou morar nas ruas junto com outros meninos de rua, ou, o que é pior, passam a conviver com delinqüentes, integrando quadrilhas e praticando crimes. Na busca de uma compreensão psicológica do fenômeno da violência e da organização da estrutura familiar, podemos recorrer ainda a Winnicott apud Ferrari e Vecina, quando discute os cuidados maternos e a funções básicas da família. Esse autor descreve a “mãe suficientemente boa” como aquela que se adapta, plenamente, às necessidades do bebê, reconhecendo-lhe as diferentes manifestações de fome, frio, e dor. O bebê é, nesse momento inicial de seu desenvolvimento, um ser frágil, completamente dependente do outro. Assim, a devoção da mãe ou substituta, em sua maneira de segurar, manusear e dar significado ao mundo, é indispensável para que o bebê possa dar continuidade a um crescimento saudável.

- [...] Essa criança estaria buscando, mediante comportamentos ditos delinqüenciais, como roubo, agressões verbais ou mesmo físicas, expressões da violência, um retorno ao período que antecedeu a privação. Segundo ainda esse autor, o problema da delinqüência extrapola as condições sociais de miséria, pobreza, vínculos familiares conturbados ou delinqüência parental. Para ele, a tendência anti-social, observada em qualquer criança, está intimamente ligada à questão da privação.[…]

- Também acreditamos que é na Matriz de Identidade (constituída no âmbito familiar) que a criança vivencia a sociedade. É essa Matriz de Identidade, da qual depende inicialmente de forma total para sua sobrevivência física e emocional, que fornecerá parâmetros para o estabelecimento de futuros vínculos.

- Logo, uma matriz carregada de tensão e violência, em que a prática e o uso de poder sobre o outro é uma constante, favorecerá o desenvolvimento de formas de contato com o mundo compatíveis com essas vivências.73

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- f) as mulheres, vítimas de abuso, apresentam com maior freqüência grande variedade de problemas de saúde física e mental, vários relacionamentos e maior chance de ter parceiros que as impeçam de trabalhar ou estudar. Segundo o documento do Ministérioda Saúde:

As manifestações clínicas da violência podem ser agudas ou crônicas, físicas, mentais ou sociais. Lesões físicas agudas (inflamações, contusões, hematomas em várias partes do corpo), em geral, são conseqüência de agressões causadas por uso de armas, socos, pontapés, tentativas de estrangulamento, queimaduras, sacudidelas. Em alguns casos, podem provocar fraturas dos ossos da face, costelas, mãos, braços e pernas.

Semanas ou meses após a agressão, podem permanecer sintomas de dor no baixo ventre ou infecções, transtornos digestivos – como falta de apetite -, náuseas, vômitos, cólicas e dores de estômago, perda de peso, dores de cabeça e dores musculares generalizadas.

Entre os sintomas psicossomáticos estão a insônia, os pesadelos, a falta de concentração e irritabilidade, caracterizando-se, nestes casos, a ocorrência de estresse pós-traumático.(...)

Alterações psicológicas podem ser decorrentes do trauma, entre eles o estado de choque que ocorre imediatamente à agressão, podendo durar várias horas ou dias. Outro sintoma freqüente é a crise de pânico, que pode repetir-se por longos períodos. Podem ainda surgir ansiedade, medo e confusão, fobias, insônia, pesadelos, auto- reprovação, sentimentos de inferioridade, fracasso, insegurança ou culpa, baixa auto- estima, comportamento auto-destrutivo – como uso de álcool e drogas -, depressão, tentativas de suicídio e sua consumação. As manifestações sociais podem incluir isolamento por medo que outros descubram o acontecido, medo de que se repita, mudanças freqüentes de emprego ou moradia.74

-

Como conseqüências no âmbito externo, podem ser citadas:

a) a queda na produtividade, assiduidade e/ou pontualidade da mulher agredida em seu trabalho, o que vem sendo tratado pelas organizações internacionais de direitos humanos como verdadeiro problema de saúde pública;

b) queda de rendimento escolar dos filhos que convivem com esse tipo de violência. Segundo Duarte e Arboleda apud Ferrrari e Vecina:

Nos casos de violência física na infância e na adolescência surgem conseqüências a curto e longo prazos, segundo vários pesquisadores citados por Duarte e Arboleda (1997,p.78-103):

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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. p. 47-48.

Conseqüências a curto prazo: a) problemas físicos; b) problemas no

desenvolvimento das relações de apego e afeto: desenvolve reações de evitação e resistência ao apego; problemas de afeto como depressão e diminuição da auto- estima; distúrbios de conduta tanto por assumir um padrão igual ao dos pais (tornando-se agressivos), como por apresentar pouca habilidade social ou reação inadequada ao estresse; c) alterações no desenvolvimento cognitivo, na linguagem e no rendimento escolar. As alterações observadas na cognição social, por exemplo, dizem respeito a:rebaixamento da autopercepção sobre suas capacidades;má percepção de si próprio; problemas na compreensão e na aceitação das emoções do outro.

Conseqüências a longo prazo: a) seqüelas físicas; b) pais abusadores mais t arde;

c) conduta delinqüencial e comportamentos suicidas na adolescência que geram mais problemas emocionais, como ansiedade e depressão, com diminuição da capacidade análise e síntese e baixa no rendimento escolar; d) conduta criminal violenta mais tarde. (...)

Efeitos a longo prazo: fobias, pânico, personalidade anti-social; depressão com

idéias de suicídio, tentativa ou suicídio levado a cabo; cronificação dos sentimentos de estigmatização; isolamento; ansiedade, tensão e dificuldades alimentares; dificuldades de relacionamento com pessoas do sexo agressor (amigos, pais, filhos, companheiros); reedição da violência, revitimização; distúrbios sexuais; drogação e alcoolismo.75

c) cada membro da família passa a ser um potencial propagador da violência, tendo em vista os transtornos psicológicos causados pelo fato de presenciar, dia após dia, a violência praticada e sofrida por entes queridos ou por ele próprio. Para ilustrar, segue as palavras de um denunciado, condenado a mais de vinte anos de reclusão por roubo:

Ouviu por outro interno que o mesmo havia comprado do agente RICARDO uma faca e uma droga, tendo espalhado essa notícia para todos os detentos que encontrou, porque tinha raiva do agente RICARDO; que não quer mexer com a raça da polícia porque eles são “ruim”; morava com sua irmã, na casa deixada por seus pais, mas ela vendeu a casa e sumiu com a parte do interrogando; quando era “de menor” matava, mas quando ficou “de maior” só roubava; estava na cadeia quando seus pais faleceram; cometia crimes quando era “de menor” porque “não dá nada”; seus pais eram alcoólatras, nunca teve educação de família; eles brigavam muito entre si, sua mãe “furava o pai de faca” e seu pai batia nela, “só coisa ruim”; está no crime desde os dez anos de idade; não tem ninguém, só Deus; a carta apresentada em audiência não é sua, porque não sabe escrever, só sabe escrever o seu nome; que realmente não é santo e se errou quer pagar por tudo que fez, é folgado mesmo, é verdade o que JARDIM fez, taca bosta na polícia, se corta, mas não é para intimidar, é para ver se eles têm coragem de dar um tiro na sua cabeça; que queria ter uma família, com carinho de alguém que o ame; não está mais fazendo nada para conseguir castigo; já estuprou os tarados de criança nas cadeias e não consegue conviver com eles, está morando sozinho no castigo, isolado e ali está bom, parou de se cortar, de xingar os polícia, o policial DANILO deu uns conselhos para o depoente para de fazer aquelas coisas, senão nunca vai embora; se sair agora da cadeia vai roubar, porque não tem

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DUARTE; ARBOLEDAapud FERRARI, Dalka Chaves De Almeida; VECINA, Tereza Cristina Cruz (Orgs.). O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. São Paulo: Agora, 2002. p.85-87.

para onde ir, se a juíza pudesse ajudá-lo a encontrar sua irmã e conseguir o dinheiro da casa de seus pais, teria para onde ir; quer processar sua irmã; ainda não está estudando porque não é bem comportado; usa todos os tipos de droga, desde os 10 anos de idade; fazia parte de uma quadrilha no Gama.76

Em sendo assim, dadas as características e conseqüências que o fenômeno violência de gênero intrafamiliar apresenta, o mesmo pode ser definido como “problema social”, conforme puseram em destaque Oucharchyn-Dewitt e outros, uma vez que se dá nas seguintes circunstâncias: possui uma incidência massiva na população; referida incidência é dolorosa, aflitiva; observa-se que o fenômeno apresenta persistência espaço-temporal; falta de um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e eficazes técnicas de intervenção no mesmo e consciência social generalizada a respeito de sua negatividade77

.

O grande número de Termos Circunstanciados diariamente encaminhados aos Juizados Especiais Criminais, que dizem respeito a crimes relativos à violência de gênero intrafamiliar acima descrita, possuem ainda, na maioria das vezes, uma nota comum marcante: as vítimas já sofreram violência outras vezes e não a denunciaram, ou denunciaram e depois renunciaram ao direito de representação e mantiveram-se sujeitas à relação de violência.

Este fato conduz o operador do direito a total perplexidade, que pode ser resumida na seguinte pergunta: por qual razão as mulheres permanecem em uma relação de violência? A resposta a tão intrigante questão foi dada pelos profissionais da área da saúde e, tendo-se em vista a relevância de se compreender como ocorre esse processo psicológico tão complexo, reproduzimos a seguir o gráfico que sintetiza o ciclo da violência:

Por que as mulheres permanecem em uma relação de violência?

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Entevista pessoal

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OUCHARCHYN-DEWITT et al. apud GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos.

Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da Lei 9.099/95, Lei

As diversas causas atribuídas à violência influenciam os sentimentos e comportamentos da mulher nessa situação, conduzindo a diferentes resultados. Embora não seja possível determinar a causa da permanência da mulher em uma relação marcada pela violência, o conhecimento de alguns fatores envolvidos pode ajudar na compreensão do processo e de sua dinâmica.

• História familiar

Modelo familiar violento como importante fator de risco para a escolha de um parceiro violento e repetição do modelo parental;

Vivências infantis de maus-tratos, negligência, rejeição, abandono e abuso sexual; Casamento como forma de fugir da situação familiar de origem, onde o parceiro e o relacionamento são idealizados.

• Auto-estima

Auto-imagem negativa, levando a mulher a ter dúvidas acerca de seu valor, capacidades e desempenho;

Sentimento de desvalorização;

Incerteza quanto a se separar de seu companheiro, mesmo que temporariamente. • Situação emocional

Padrão de afeto deprimido e sentimentos de inferioridade, insegurança, desamparo e retraimento social;

Projeção de expectativas irreais de afeto, proteção, dependência e estabilidade no casamento;

Esperança quanto à possibilidade de mudança nas atitudes do companheiro;

Insegurança quanto a sua capacidade emocional de sobreviver sem um companheiro e sem um pai para seus filhos;

Sentimento de responsabilidade pelo comportamento agressivo do companheiro; Tendência a atribuir e justificar o comportamento violento do companheiro por fatores externos, desresponsabilizando-o (dificuldades financeiras, desemprego, uso de drogas etc);

tendência a valorizar excessivamente o papel de provedor e “bom pai” no