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Os Juizados Especiais Criminais e o Relatório Nacional Brasileiro sobre a Convenção

CAPÍTULO 2 Direito Internacional dos Direitos Humanos e as críticas à atuação dos

2.5 Os Juizados Especiais Criminais e o Relatório Nacional Brasileiro sobre a Convenção

FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (RNB/CEDAW)

A questão da violência de gênero intrafamiliar destaca-se no cenário jurídico brasileiro atual em decorrência da implantação dos Juizados Especiais Criminais, que consubstanciam um novo sistema processual penal, competente para apreciar e julgar o que a Lei 9.099/95131 denominou, indevidamente, de crimes de menor potencial ofensivo, utilizando para tanto o critério da proporcionalidade da pena abstratamente considerada, ou seja, consideram-se como tais os crimes a que a lei penal comine pena de até um ano de detenção.

A Lei n. 10.259/01,132 que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, ampliou tal conceito, elastecendo a competência de tais Juizados para o julgamento dos crimes cuja pena abstratamente considerada não exceda dois anos de detenção. Tendo em vista a necessidade de se impor tratamento igualitário à questão, aplicou-se, via interpretação in bonam partem, o entendimento no sentido de que também para os Juizados Especiais Criminais Estaduais e do Distrito Federal seriam considerados crimes de menor potencial ofensivo aqueles punidos com pena máxima de dois anos de detenção, pois não se pode

130

VON JHERING, Rudolf. A luta pelo Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

131

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 27 set. 1995. p. 15033

132

BRASIL. Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Diário Oficial [da] União, Brasília, p.1, 13 jul. 2001. Disponível em:<https://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/fraWeb?OpenFrameSet&Frame=frmWeb2&Src=%2Flegisl acao.nsf%2FViw_Identificacao%2Flei%252010.259-2001%3FOpenDocument%26AutoFramed>. Acesso em: 10 out. 2005.

admitir que seja dispensado tratamento diferenciado ao autor do fato em decorrência da esfera judicial em que se enquadra o delito praticado (se estadual ou federal).

O que se critica – e com razão – relativamente ao critério adotado pelo legislador para definir o que vem a ser delito de menor potencial ofensivo, é o fato de que, dentre os crimes alcançados pela competência dos Juizados Especiais Criminais, inserem-se aqueles praticados mediante violência ou grave ameaça à vítima, em especial no que concerne aos delitos de trânsito, lesões corporais de natureza leve e ameaças.

Paulo Lúcio Nogueira apud Leda Hermann, anota que “as infrações penais da competência do Juizado deveriam ser as de bagatela, como os crimes patrimoniais inexpressivos, não aqueles em que prepondera a violência133”.

Leda Hermann afirma que a Lei n. 9.099/95, ao adotar tal critério para definir quais são os delitos de menor potencial ofensivo, tratou de forma linear e trivial os crimes cometidos mediante violência e grave ameaça contra a pessoa e, nesse âmbito, aglutinou a violência de gênero intrafamiliar, uma vez que esta se manifesta, em sua grande maioria, através de lesões corporais leves e ameaças. Linear, porque aplica o procedimento sumaríssimo especial estatuído pela referida lei enfatizando-se o aspecto meramente procedimental e indiferenciado; trivial, porque os agentes incumbidos da aplicação da lei no âmbito dos Juizados Especiais Criminais não o fazem dando uma “abordagem específica – e especial” aos crimes cujo potencial ofensivo, na realidade, é maior do que pretendeu ser o legislador, dadas as conseqüências graves no âmbito intrafamiliar, que repercutem e ecoam na sociedade, funcionando, assim, o novo sistema penal, como multiplicador – e não um eliminador – dos conflitos.134

133

HERMANN, Leda. Violência Doméstica: a dor que a lei esqueceu: comentários à Lei n. 9.099/95, Campinas: CEL-LEX, 2000. p. 133.

134

Tal crítica vem sendo feita por diversos juristas, operadores do Direito e consta, inclusive, no RNB/CEDAW, onde a questão foi pontuada da seguinte forma:

A aplicação dessa legislação aos casos de violência doméstica, entretanto, tem sido bastante polêmica no país. Entidades feministas sustentam que o novo procedimento banaliza os casos de violência intra-familiar ao classificá-los como crimes de menor potencial ofensivo, ignorando a especificidade e a habitualidade dos crimes ocorridos na esfera familiar.135

Importa considerar, todavia, que a denominação legal crime de menor potencial ofensivo não significa crime de menor importância, tanto assim o é que foram criados os Juizados Especiais Criminais para julgá-los com a maior celeridade, economia e presteza possíveis, uma vez que a principal queixa das próprias entidades feministas eram no sentido de que os procedimentos criminais tradicionais eram demorados e dispendiosos.

Ocorre que embora o procedimento efetivamente seja célere, mostra-se ineficaz para solucionar o problema, em decorrência de fatores que serão melhor analisados adiante.

Diante do quadro normativo internacional, repleto de direitos, garantias e mecanismos de controle, passaremos a analisar a atuação dos Juizados Especiais Criminais quanto à prevenção, punição e erradicação da violência de gênero intrafamiliar, tendo em vista as severas críticas que têm sido feitas por estudiosos da matéria136, organizações não-

135

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Relatório nacional brasileiro

relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18 daConvenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW. Brasília, 2002. 136 V

ide, outrossim,, os seguintes artigos, a respeito do tema:

- “Juizados Especiais Criminais: uma nova chance para a paz?” e “A violência doméstica e os Juizados Especiais Criminais”, ambos de Bárbara Musumeci Soares, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania/CESeC – Universidade Cândido Mendes;

- “Violência Doméstica”, da Promotora Juliana Santilli, do MPDFT;

- “Juizados Especiais Criminais e os conflitos familiares”, de Osnilda Pisa, Juíza de Direito;

- “A violência doméstica e a ineficácia do Direito Penal na Resolução dos conflitos”, de Janaína Rigo Santin, Dotoranda em Direito pela UFPR, Professora do Curso de Direito da UPF, Maristela Piva GUazzelli, Professora em Psicologia Clínica, Professora Adjunta do Curso de Psicologia da UPF, Joziele Bona Campana, Acadêmica do Curso de Direito, bolsista do CNPq d Liziane Bona Campana, Acadêmica do Curso de Psicolotia, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, pp. 155/170.

governamentais e pelas próprias vítimas, o que constou no RNB/CEDAW137. A responsabilização do agressor na esfera criminal, nos casos de lesões corporais, está atualmente prejudicada em decorrência da lei que criou os Juizados Especiais Criminais. No entendimento de Lênio Luiz Streck:

(...) institucionalizou-se a ‘surra doméstica’ com a transformação do delito de lesões corporais de ação pública incondicionada para ação pública condicionada. Anteriormente, quando a ação penal era incondicionada, as mulheres que denunciavam seus agressores estavam, de certo modo, protegidas, pois não dependia da vontade delas o segmento ou não da ação penal. Agora, como há a possibilidade da composição e, considerando que cabe à vítima dizer se deseja ou não representar contra o companheiro agressor, as mulheres estão expostas a todas as formas de pressão e, não raras vezes, são ameaçadas de morte e de novas violações à integridade física. Esse sistema tem gerado nas mulheres um sentimento de impotência diante da violência e um descrédito na Justiça. Trata-se do neoliberalismo no Direito, pois o Estado ‘assiste de camarote e diz: batam-se, que eu não tenho nada com isto’. Entretanto a punição dos agentes da violência doméstica tem sido um tema bastante polêmico, especialmente em razão da crise de legitimidade do sistema penal.138

Essa polêmica não será objeto de análise no presente trabalho. No entanto apenas para ilustrá-la, destacamos o entendimento de Vera Regina Pereira de Andrade:

(...) o sistema penal é ineficaz para proteger as mulheres contra a violência porque, entre outros argumentos, não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas, não contribui para a compreensão da própria violência sexual e a gestão do conflito e, muito menos, para a transformação das relações de gênero”. A autora ressalta que as experiências de reformas penais que ocorreram em outros países (Espanha e Canadá) tiveram resultados frustrantes em relação às expectativas originais139.

Essas críticas possuem fundamentos, ou seja, a atuação dos Juizados Especiais Criminais não se mostra efetiva para resolver esse problema? Qual a causa disto? O que pode ser feito para solucionar a questão?

137

Sobre o tema, vide o artigo A violência doméstica e a ineficácia do Direito Penal na resolução dos conflitos, escrito por Janaína Rgo Santin e outras, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, p. 155-170.

138

STRECK, Lênio Luiz. Criminologia e Feminismo. In: Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 94.

139

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Criminologia e feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito de construção da cidadania. In: CAMPOS, Carmen Hein de (Org.). Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 113-115.

Em junho de 2002 foi elaborado o Relatório Nacional Brasileiro sobre a Convenção140 sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18141.

O atraso na elaboração e divulgação do aludido relatório demonstra, de per si, o descaso com que o tema nele versado foi tratado por várias décadas pelas autoridades brasileiras, panorama esse que está sendo modificado em decorrência da crescente participação de entidades da sociedade civil em temas ligados aos direitos humanos e à exclusão social.

Através da análise minuciosa de dados estatísticos fornecidos pela Fundação IBGE142, pôde-se concluir que, em que pese existir no Brasil uma declaração formal de igualdade de direitos entre homens e mulheres, a concretização desses direitos, na prática, mostra-se insuficiente.

O Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG), que mede as desigualdades entre homens e mulheres nos países, utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), constatou nos relatórios de 1996143, 1997144 e 1999145 que, ao nível mundial:

- - nenhuma sociedade trata tão bem suas mulheres como trata seus homens;

140

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Relatório nacional brasileiro

relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18 daConvenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW. Brasília, 2002. 141

ORGANIZAÇÃO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW. Nova Iorque, 1979. 142

INSTITUTI BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE apud BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Relatório nacional brasileiro relativo aos anos de 1985,

1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18 daConvenção sobre aeliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW. Brasília, 2002.

143

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD. Relatório de

desenvolvimento humano. Nova Iorque, 1996. 144

Id., 1997.

145

- - a comparação da classificação do IDH dos países com seus níveis de renda confirma o fato de que a eliminação das desigualdades entre os sexos não é dependente de um nível de rendimento elevado;

- a igualdade entre os sexos não está necessariamente associada a elevado crescimento econômico, o que sugere a existência de outros fatores decisivos na elevação do IDH; e a desigualdade de gênero está fortemente relacionada a pobreza humana.

Os dados estatísticos do IBGE demonstram que, no Brasil, a população é majoritariamente formada por mulheres146; na área da educação, a média de anos de estudo de pessoas de 10 anos ou mais é de 5,9 anos entre as mulheres e 5,6 entre os homens; no setor da economia, segundo dados divulgados pelo Ministério do Trabalho em 1997, “do total de 241 milhões de vínculos empregatícios, 62,7% eram ocupados por homens. Em média os homens recebem 5,9 salários mínimos, enquanto que as mulheres recebem em média a remuneração de 4,6 salários mínimos”, sendo que, ainda assim, cerca de 26% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres147.

Quanto aos artigos 1º e 2º da Convenção:

Artigo 1º. Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Artigo 2º. Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações,

146

Em 1980, do total de 119.002.706 habitantes, 50,32% eram mulheres; em 1991, de 146.825.475 habitantes, 50,63% eram mulheres e, em 1999, de 160.336.471, 51,06% eram mulheres.

147

BRASIL. Ministério do Trabalho apud BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Relatório nacional brasileiro relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do

artigo 18 daConvenção sobre aeliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW. Brasília, 2002.

uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:

a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio; b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os dos homens e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;

d) abster-se de incorrer em todo ato ou a prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com essa obrigação;

e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

f) qualquer pessoa, organização ou empresa;

g) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;

h) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher”.

Relativamente à proteção dos direitos humanos no âmbito nacional, conclui o Relatório Nacional Brasileiro que, em que pese estar a Constituição Brasileira: em absoluta consonância com os parâmetros internacionais acolhidos pelo Brasil, em decorrência da ratificação da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, refletindo tanto a vertente repressiva-punitiva (proibição de discriminação), como a vertente promocional (promoção da igualdade)148

A legislação infra-constitucional e a jurisprudência pátrias mantêm traços sexistas e discriminatórios, concluindo-se pela necessidade e urgência:

[...] em se fomentar uma doutrina jurídica apoiada na observância dos parâmetros internacionais e constitucionais de proteção aos direitos humanos das mulheres, que consagram uma ótica democrática e igualitária em relação aos gêneros.149

O RNB/CEDAW, ao analisar o artigo 2º da Convenção à luz do que tem sido feito no âmbito legislativo, destaca, dentre outros, os seguintes dispositivos constitucionais:

a) Art. 3º, inciso IV: um dos objetivos da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”;

148

ORGANIZAÇÃO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW. Nova Iorque, 1979. 149

b) Art. 5º, incisos I e XLI: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” e “a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais”;

c) Art. 226, parágrafo 8º: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações150”.

Ressalta o RNB/CEDAW que, embora a Carta de 1988 esteja em sintonia com a normatividade internacional sobre a matéria, inexiste “uma legislação nacional específica sobre a violência de gênero e em especial a violência doméstica151”.

Há que se fazer aqui uma breve digressão relativamente à integração das leis. A partir do momento em que a própria Constituição Federal assegura explicitamente direitos e garantias às mulheres e protege não apenas a família, mas também a cada um de seus membros da violência que venha a ocorrer no âmbito doméstico, tais dispositivos constitucionais possuem natureza principiológica e, nesta qualidade, devem reger toda a interpretação da legislação infra-constitucional.

Acrescente-se, ainda, que o parágrafo segundo do artigo 5º da Constituição Federal determina que ”os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”152.

Assim sendo, todos os preceitos e definições contidos na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher passam a fazer parte integrante da legislação pátria, de tal sorte que não deveria haver necessidade de leis infra- constitucionais que venham apenas repetir o que já consta na aludida Convenção.

150

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Relatório nacional brasileiro

relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18 daConvenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW. Brasília, 2002. 151

Ibid.

152

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. p.1

Por força da própria Constituição Federal, que institui normas principiológicas de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres e, a partir do momento em que o Brasil ratificou a Convenção em tela, em 1984, bem como o Protocolo Facultativo, em 28 de junho de 2002, os direitos e garantias constantes em tais instrumentos passam a fazer parte integrante da legislação brasileira e, como tal, impõe-se sua estrita observância em todas as esferas dos Três Poderes.

Acrescente-se que os países da América Latina e Caribe que possuem uma legislação penal específica quanto à violência contra a mulher153 continuam apresentando um grande número de ocorrências, de onde se pode concluir que a existência de uma lei específica bem formulada, que possibilite às autoridades recursos adequados e eficazes para a prevenção e punição dessa violência, representa um grande passo para o trato da questão, todavia, está longe de se alcançar a eliminação do problema.

No tocante às ações governamentais relativas às políticas públicas desenvolvidas frente à violência de gênero destacam-se, dentre outros, o Programa Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e Sexual, elaborado pelo Conselho Nacional de Direitos da Mulher em 1996154 como parte integrante do Programa Nacional de Direitos Humanos e do documento Estratégias da Igualdade155 seu principal objetivo é a articulação de ações interministeriais de combate à violência doméstica, a alteração de dispositivos do Código Penal, o fortalecimento do aparelho jurídico-policial e campanhas de sensibilização da opinião pública, bem como a construção e manutenção de Casas-Abrigo para as vítimas e implementação de Delegacias de Defesa da Mulher.

153 Vide Apêndice C 154 Vide Apêndice C 155

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER. Estratégias da Igualdade: plataforma de ação para implementar os compromissos assumidos pelo Brasil na quarta Conferência Mundial da Mulher. Brasília: Ministério da Justiça, [19--?].

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, lançou, em dezembro de 2004, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que prevê, em seu Capítulo 4156, as formas de enfrentamento à violência contra as mulheres, traçando para tanto objetivos, metas, prioridades e plano de ação do governo brasileiro, objetivos esses que pretende ver alcançados até 2007.

O RNB/CEDAW menciona novamente os Juizados Especiais Criminais, destacando que:

a dificuldade de acesso à justiça, bem como a sua morosidade, em alguma medida, foram superadas para os crimes de menor potencial ofensivo. Vale ressaltar que a maioria dos crimes perpetrados no âmbito familiar e doméstico são cobertos por esta lei. Entretanto, tem ocorrido grave distorção na aplicação dessa lei, na medida em que este tipo de violência tem sido trivializado e banalizado, conforme poderá ser observado nos comentários ao final desses artigos. (grifos nossos)157

O RNB/CEDAW afirma que “O Judiciário, em especial nos casos de crimes contra os costumes, de violência doméstica e nas questões de família, muitas vezes reproduz estereótipos, preconceitos e discriminações contra as mulheres”158

Todavia, no Relatório constam apenas excertos de recursos advindos de processos de varas criminais comuns ou do Tribunal do Júri, e não das Turmas Recursais, competentes para apreciar os recursos oriundos dos Juizados Especiais Criminais.

Existe, portanto, neste particular, um equívoco ou, ao menos, uma lacuna no Relatório, que acusa haver “grave distorção” na aplicação da Lei 9.099/95159 sem sequer citar