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O Direito Internacional dos Direitos Humanos e os Sistemas Internacional e Regional

CAPÍTULO 2 Direito Internacional dos Direitos Humanos e as críticas à atuação dos

2.3. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e os Sistemas Internacional e Regional

O Direito Internacional dos Direitos Humanos contempla a proteção dos direitos fundamentais ido ser humano, compreendidos estes como o ‘patrimônio jurídico mínimo’ da pessoa e que, na grande maioria das constituições dos países, estão caracterizados como normas principiológicas e, nessa qualidade, são os parâmetros básicos para a aplicação das demais normas e até mesmo dos demais direitos constitucionalmente assegurados.

Em que pese o fato de os direitos fundamentais constarem nas constituições de diversos países, verificou-se, especialmente por ocasião da Segunda Guerra Mundial, em razão das atrocidades praticadas pelos nazistas contra os judeus, confinados e dizimados em campos de concentração, sem qualquer tipo de julgamento e sem nenhum respeito às condições mínimas de sobrevivência, que o próprio Estado demonstrou ser, por muitas vezes na história mundial, o algoz dos direitos e garantias fundamentais do ser humano.

E surgiu nítida, portanto, a imperiosidade de um supradireito, editado por órgãos supranacionais e com reconhecida legitimidade para elaboração de instrumentos normativos garantidores da observância dos direitos e garantias fundamentais do ser humano, que então passaram a pertencer a um corpo internacional de normas. Assim, impõe-se que tais direitos

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HUBERMAN, Susana. Como se forman los capacitadores: arte y saberes de su profesión. Buenos Aires: Paidós, 2000.

sejam respeitados não apenas pelos cidadãos, mas também que cada país o faça, não somente quanto aos seus nacionais, mas a todo ser humano, indistintamente.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é, assim, constituído por um sistema de normas estabelecidas em instrumentos de alcance internacional que obrigam a todos os países – doravante denominados Estados-partes - que os venham a ratificar.

O primeiro desses instrumentos – a Carta da Organização das Nações Unidas, adotada e aberta à assinatura pela Conferência de São Francisco em 26.06.1945, foi ratificada pelo Brasil em 21 de setembro de 1945, instaura uma nova era; não há a criação de novos direitos, mas, isto sim, observa-se uma mudança de enfoque na leitura de direitos já contemplados pelo ordenamento jurídico de diversos países – os direitos fundamentais – que passam a se denominar direitos humanos e a serem vistos por uma lente bem mais ampla, que rompe fronteiras e cuja observância passa a ser supranacional.

Assim, cria-se o órgão denominado Nações Unidas, cujo objetivo é, nos exatos termos de seu artigo 1o, item 2, “desenvolver relações entre as nações110”, fortalecer a paz mundial, estabelecer “uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário111” e “promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião112” (grifo nosso). - item 3 do artigo 1o

Verifica-se de pronto o explícito repúdio a qualquer forma de discriminação, o que, posteriormente, dará ensejo à elaboração de instrumentos jurídicos distintos específicos quanto à eliminação de qualquer forma de discriminação de gênero e de raça.

Inaugura-se, assim, um elastecimento, ou especialização, do Direito Internacional clássico. O Direito que antes se limitava a reger as relações entre os países, passa a promover

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CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL, 1945, São Francisco. Carta das Nações Unidas. São Francisco, 1945.

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a consecução de um objetivo global – a paz e a cooperação mundiais – e, aliado a isso, uma observação constante quanto à realização dos direitos humanos, ou seja, existe uma preocupação internacional com cada pessoa, individualmente considerada, o que demonstra uma radical mudança no enfoque do Direito: a primazia do Estado cede à primazia do ser humano.

Existe, portanto, um supradireito, denominado jus cogens, consubstanciado por um conjunto de princípios cuja observância é imperativa para os Estados; do jus cogens advêm obrigações erga omnes, dada a hierarquia especial e privilegiada dos tratados internacionais de direitos humanos, relativamente aos demais tratados tradicionais.

Segundo Hilary Charlesworth e Christine Chinkin:

Jus cogens é definido como um conjunto de princípios que resguarda os mais

importantes e valiosos interesses da sociedade internacional, como expressão de uma convicção, aceita em todas as partes da comunidade mundial, que alcança a profunda consciência de todas as nações, satisfazendo o superior interesse da comunidade internacional como um todo, como os fundamentos de uma sociedade internacional, sem os quais a inteira estrutura se romperia. Os direitos humanos mais essenciais são considerados parte do ‘jus cogens’. 113

O segundo instrumento de maior importância é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948; foi ratificada pelo Brasil nesta mesma data; fundamenta- se no reconhecimento dos princípios da dignidade, da igualdade e da liberdade e na inalienabilidade dos direitos fundamentais para que, assim, possam concretizar-se a justiça e a paz no mundo; explicita em seu preâmbulo a igualdade de direitos do homem e da mulher; atribui a cada indivíduo e a cada órgão da sociedade, através do ensino e da educação, a obrigação de promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, seu reconhecimento, observância e efetividade internacionais.

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Ibid.

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Existe inclusive uma corrente doutrinária que atribui à Declaração Universal força jurídica vinculante, argumentando para tanto que a mesma integra o direito costumeiro internacional e consubstancia verdadeiro princípio geral do Direito Internacional; de fato, a simples leitura de seus artigos demonstra claramente que ali estão contidos os direitos fundamentais do ser humano, que foram posteriormente repetidos em tantas constituições, na qualidade de direitos fundamentais.

Nesse sentido, destaque-se a Constituição Francesa, de 03 de junho de 1958, que em seu Preâmbulo, “proclama solenemente sua adesão aos Direitos Humanos”; a Constituição Alemã, elaborada pelo Conselho Parlamentar a 08 de maio de 1949, em vigor a partir de 1 de abril de 1959, proclama em seu Preâmbulo o objetivo precípuo de “servir à paz do mundo, integrado numa Europa unida sobre a base de igualdade de direitos” e em seu artigo 1o, item 2, admite a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos do homem “como fundamento de toda comunidade humana, da paz e da justiça no mundo”; a Constituição Portuguesa, de 02 de abril de 1976, em seu Preâmbulo, explicita que “A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais”, os quais objetiva garantir efetiva e plenamente, bem como “a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”; em seu artigo 7o, que trata das relações internacionais, acolhe explicitamente o “respeito dos direitos do homem” e, no artigo 16, item 2, determina que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”; a Constituição Coreana, de 1987, garante em seu artigo 10 “os direitos humanos fundamentais e invioláveis”; a Constituição Angolana, em seu artigo 14o, preconiza que a República Popular de Angola “respeita e aplica os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da Organização da Unidade Africana”; a Constituição Paraguaia, de 25 de agosto de 1967, consagra, em seu Preâmbulo, os direitos Humanos; a Constituição Peruana, em seu Preâmbulo, declara sua crença nos direitos

humanos, “de validade universal, anteriores e superiores ao Estado” e propõe-se a garantir “a plena vigência dos direitos humanos”; a Constituição Japonesa, em seu artigo 9o, reconhece expressamente todos os direitos humanos fundamentais.

Em nosso âmbito, a Constituição Brasileira de 1988 adota, em seu artigo 4o, inciso II, o princípio da prevalência dos direitos humanos e atribui, em seu parágrafo primeiro, sua aplicabilidade imediata, incluindo o parágrafo segundo todos os demais direitos porventura advindos de tratados internacionais que venham a ser celebrados pelo Brasil.

A força normativa da Declaração Universal dos Direitos do Homem é tamanha, que mesmo diversos países que ainda encontram-se sob o império da ditadura e do autoritarismo possuem no bojo de sua norma fundamental a expressa menção aos direitos humanos, objetivando, com isso, certamente, integrarem-se à ordem jurídica mundial.

Todavia, é importante registrar que fatores históricos, culturais, religiosos e sociológicos encontram-se de tal forma arraigados nesses povos, que possuem uma tradição do que para nós consubstancia franco desrespeito aos direitos humanos, de tal forma que, na própria constituição que acolhe os direitos humanos há dispositivos que os rechaçam, demonstrando evidente conflito entre um país mergulhado no autoritarismo e um mundo globalizado que busca o desenvolvimento e a paz através do respeito aos direitos humanos. Como exemplo, pode ser citada a Constituição Iraniana, de 31 de março de 1979, que garante em seu Princípio 3o, item 14, “todos os direitos à pessoa” e em seu Princípio 14o estatui que o Governo da República Islâmica do Irã e os muçulmanos devem salvaguardar aos não muçulmanos seus direitos humanos, ressalvando que “Este princípio é válido no caso daqueles que não conspiram contra o Islã e tampouco contra a República Islâmica Iraniana”. A contradição reside, especificamente, no fato de que o respeito aos direitos humanos, enquanto direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa, não admite qualquer tipo de exceção, pois constitui um padrão mínimo que deve ser respeitado em qualquer circunstância.

Em que pesem tais fatos, os direitos constantes da Declaração Universal passaram por um processo de “juridicização” através da elaboração de dois Pactos Internacionais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assim distintos em razão de conter aquele primeiro uma categoria de direitos auto-aplicáveis, o que não ocorre com os direitos protegidos no segundo, de natureza “programática”, isto é, por demandarem ônus em sua implementação, dependem de políticas governamentais que destinem verbas para sua realização progressiva.

Assim, os referidos Pactos foram adotados pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro 1966 e ratificados pelo Brasil somente em 24 de janeiro de 1992. Ambos os pactos explicitam que os direitos neles contemplados estendem-se indistintamente a homens e mulheres, vedando qualquer tipo de discriminação.

Ainda assim, verificou-se que as discriminações, acentuadamente as de gênero e de raça, continuavam fazendo com que os direitos contemplados pelos instrumentos acima citados e pelos ordenamentos jurídicos nacionais fossem negados, na prática, às chamadas “minorias”: mulheres, negros e índios.

Estudos antropológicos, sociológicos e psicológicos têm tentado explicar o porquê da predominância do homem branco sobre tais “minorias”; certo é que o Direito, seja lá qual for a explicação para tal fato, deve coibir tais discriminações, em razão do princípio da igualdade. Então, objetivando eliminar todas as formas de discriminação de gênero e de raça, foram aprovadas, respectivamente, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Resolução 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 18.12.1979 e ratificada pelo Brasil somente em 01 de fevereiro de1984, e a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, adotada pela

Resolução 2.106-A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965, ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968.

Outros instrumentos internacionais, mais específicos, constituem o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, podendo ser citados os seguintes, ratificados pelo Brasil: Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adotada pela Resolução 260A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 09 de dezembro de.1948 e ratificada pelo Brasil em 04 de setembro de 1951; a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resolução 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984, ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução L.44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990114

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Conforme já demonstrado, a diversidade de povos, culturas, religiões, etnias e fatores históricos e geográficos faz com que os mesmos direitos tenham distintos graus de eficácia em cada país. Os direitos humanos, fundamentados que são na dignidade da pessoa humana – o que os torna universais, devem, portanto, inserir-se não apenas em um ordenamento jurídico internacional, o que os deixariam, muitas vezes, dissonantes do ordenamento jurídico interno e os tornariam letra morta.

Assim, para facilitar a aceitação dos Direitos Humanos por todos os povos e, conseqüentemente, fazê-los realizáveis, criou-se o sistema regional de proteção aos direitos humanos, que não apenas respeita as peculiaridades de cada povo, mas, também, possui mecanismos e órgãos de monitoramento mais específicos que aqueles do sistema internacional.

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Assim, o sistema interamericano tem como principal instrumento a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana. O sistema europeu possui a Convenção Européia de Direitos Humanos, de 1950, que estabelece a Comissão e a Corte Européia de Direitos Humanos. O sistema africano conta com a Carta Africana de Direitos Humanos de 1981, que estabelece a Comissão Africana de Direitos Humanos.

Ater-nos-emos ao sistema regional interamericano, o qual é constituído pelos seguintes instrumentos internacionais: Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992; Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em 17 de novembro de 1988 e ratificado pelo Brasil em 21 de agosto de 1996; Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 09 de dezembro de 1985, ratificada pelo Brasil em 20 de julho de 1989 e, por fim, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 06 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, a qual será analisada a seguir.

Além desses, o governo brasileiro tem assinado todos os instrumentos de defesa dos direitos das mulheres das últimas décadas, entre eles os seguintes:

- Declaração e Plataforma de Ação da III Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993);

- Declaração e Plataforma de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994);

- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995);

- Protocolo Facultativo à CEDAW (1999);

- Declaração e Programa de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, 2001);

- Cúpula do Milênio: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (2000);

- Recomendação n. 90, de 29 de junho de 1951, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre a igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor;

- Recomendação n. 165, de 23 de junho de 1981, da OIT, sobre igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres com encargo de família;

- Convenção n. 100, de 29 de junho de 1951, da OIT, sobre a igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor;

- Convenção n. 111, de 25 de junho de 1958, da OIT, sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (entrou em vigor, no plano internacional, em 1960);

- Convenção n. 156, de 23 de junho de 1981, da OIT, sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores com encargo de família.

2.4. A CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE