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A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher

CAPÍTULO 2 Direito Internacional dos Direitos Humanos e as críticas à atuação dos

2.4. A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher

INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ): UM PARALELO

Mesmo com todo o aparato jurídico internacional e as adaptações feitas nos ordenamentos jurídicos nacionais, onde foi inserido o princípio da igualdade entre homens e mulheres, a discriminação de gênero continuou fazendo parte do dia-a-dia das pessoas. Para modificar esse quadro, celebrou-se a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, assegurando-lhe o pleno gozo de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW - fundamenta-se nos princípios da não-discriminação, liberdade, igualdade e dignidade, afirmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo os quais todos os direitos, sejam eles civis, políticos, econômicos, sociais ou culturais, devem ser obrigatoriamente garantidos a homens e mulheres, indistintamente.

A CEDAW, dentre todos os tratados internacionais de direitos humanos, foi o instrumento que recebeu o maior número de reservas formuladas pelos Estados, especialmente no que concerne à submissão à Corte Internacional de Justiça de controvérsias entre Estados-partes quanto à aplicação da Convenção; seguem-se, em ordem decrescente, as reservas feitas a seu Artigo 16º:

Artigo 16.1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão:

a) o mesmo direito de contrair matrimônio; (...)

b) os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução; (...)

g) os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação;

h) os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto a título oneroso.115

que concerne à eliminação da discriminação no casamento e na família; ao Artigo 4º:

Artigo 4º. 1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

2. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.116

relativas à possibilidade de adoção da “ação afirmativa”; ao Artigo 5º,

Artigo 5º. Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para:

2) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres.

b) Garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres, no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos.117

quanto à adoção de medidas para a eliminação dos preconceitos e estereótipos, dentre outros mais.

O Governo brasileiro, quando da ratificação da Convenção, em 1984, apresentou reservas ao art. 15º, parágrafo 4º , “Os Estados-partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei. 4. Os Estados-partes concederão ao homem e à mulher os mesmos direitos no que respeita à legislação relativa ao direito das pessoas, à liberdade de movimento

115

ORGANIZAÇÃO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW. Nova Iorque, 1979. 116

Ibid.

117

e à liberdade de escolha de residência e domicílio.”, e ao art. 16º, parágrafo 1º (a), (c), (g) e (h), da Convenção. Em 20 de dezembro de 1994 essas reservas foram eliminadas.

Quanto aos mecanismos de monitoramento, a CEDAW estabelece um Comitê próprio, cuja competência limitava-se, inicialmente, à apreciação de relatórios encaminhados pelos Estados-partes, que consubstanciam o único mecanismo de monitoramento previsto por este instrumento.

Artigo 18. 1. Os Estados-partes comprometem-se a submeter ao Secretário Geral das Nações Unidas, para exame do Comitê, um relatório sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições desta Convenção e dos progressos alcançados a respeito:

a) no prazo de um ano, a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado; e

b) posteriormente, pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar.

2. Os relatórios poderão indicar fatores e dificuldades que incluam no grau de cumprimento das obrigações estabelecidas por esta Convenção.118

Com o objetivo de fortalecer o mecanismo de monitoramento da CEDAW, a Declaração de Viena119, de 1993, recomendou que fossem adotados novos procedimentos que propiciassem a efetiva implementação da igualdade das mulheres e de seus direitos humanos, recomendando que a Comissão relativa ao Status da Mulher e o Comitê de Eliminação da Discriminação contra a Mulher examinassem a possibilidade de introduzir o direito de petição, mediante a elaboração de um Protocolo Optativo à CEDAW, acolhendo, ainda, a decisão da Comissão de Direitos Humanos no sentido de que seja indicado um relator especial concernente à violência contra as mulheres120.

118

Ibid.

119

CONFERÊNCIA DE DIREITOS HUMANOS, 2, 1993, Viena. Declaração de Viena. Viena: Nações Unidas. Assembléia Geral, 1993.

120

Essa recomendação culminou na conclusão do Protocolo Facultativo à CEDAW121, aos 12 de março de 1999, na 43ª Comissão do Status da Mulher da ONU, o qual instituiu dois mecanismos de monitoramento: o mecanismo da petição, que permite o encaminhamento de denúncias de violação de direitos enunciados na CEDAW à apreciação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e, também, um procedimento investigativo, que habilita o Comitê a investigar a existência de grave e sistemática violação aos direitos humanos das mulheres; para acionar tais mecanismos, é necessário que o Estado tenha ratificado o Protocolo Facultativo.

No caso do Brasil, destaca-se o Informe n° 54/01, Caso 12.051, em que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apreciou o caso de Maria da Penha Maia Fernandes, cuja denúncia consistia na tolerância, por parte do Governo Brasileiro, da violência doméstica sofrida por Maria da Penha, que culminou em uma tentativa de homicídio que a deixou irreversivelmente paraplégica. A Comissão conclui que houve um padrão discriminatório a respeito da tolerância de violência doméstica contra as mulheres no Brasil por ineficácia de ação judicial, recomendando ao Brasil que envide uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do delito, bem como para determinar se há outros fatos ou ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do responsável; recomenda também a reparação efetiva e rápida da vítima, assim como a adoção de medidas, em âmbito nacional, para eliminar essa tolerância estatal frente à violência doméstica contra mulheres.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) efetua, periodicamente, recomendações e emite decisões relativas às obrigações dos Estados membros para promover e proteger os direitos humanos das mulheres. Desde 1995, tem incluído em seu informe anual

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BRASIL. Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher. Protocolo facultativo sobre a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação

à Assembléia Geral da OEA, informes sobre temas relativos ao cumprimento dos Estados Membros com os termos da Convenção de Belém do Pará, e desde 1994 tem atuado na área dos direitos humanos da mulher com o apoio da Relatoria Especial sobre os direitos humanos da mulher. A CIDH está atualmente trabalhando em vários casos em que se alegam violações da Convenção de Belém do Pará, e tem efetuado vários informes analisando a implementação dos compromissos estabelecidos na mesma, com recomendações destinadas para avançar até seu total cumprimento. Recentemente, a CIDH122 publicou seu informe sobre o primeiro caso que está fundado principalmente em violações ao artigo 7 da Convenção (Caso de Maria Maia da Penha). Além disso, a Comissão e sua Relatoria Especial formulam recomendações em seus informes sobre a situação dos direitos humanos em países específicos, orientadas a melhorar o cumprimento dos Estados Partes quanto à Convenção.

A necessidade de celebração da CEDAW decorreu do fato de que a mulher continuou – e ainda continua – a ser vítima de grandes discriminações e violência, apesar de sua expressa vedação nos demais instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos; essa Convenção acentua a importância do papel da mulher para o bem-estar da família e para o desenvolvimento da sociedade, bem como a necessidade de modificar o papel tradicional tanto do homem, como da mulher na sociedade e na família.

Para tanto, determina que o princípio da igualdade entre o homem e a mulher venha consagrado nas Constituições dos Estados-partes (o que consta no inciso I, do artigo 5o, da Constituição Brasileira) e que seja assegurada, por lei, a realização prática desse princípio; a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação deve ser feita “por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas”, o que impõe à magistratura constante vigilância nesse sentido, sempre que se deparar, com os casos que lhe são submetidos a julgamento, com qualquer forma de discriminação contra a mulher; ainda que

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existam leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher – os quais devem ser modificados ou derrogados, por força da alínea f do artigo 2o da referida Convenção; incumbe ao juiz, quando do julgamento do caso concreto que lhe for submetido, declarar a sua inconstitucionalidade, pois contrário ao princípio da igualdade constitucionalmente assegurado, que deve ser o paradigma para a formação de seu convencimento. Ora, a violência de gênero é, à toda evidência, uma forma de discriminação, sendo aplicáveis a todos os casos em que se observe tal fenômeno os dispositivos em questão.

Os Poderes constituídos devem trabalhar, de forma uníssona, para possibilitar a concretização dos direitos e diretrizes estatuídos na Convenção em estudo: incumbe ao Poder Legislativo tomar as medidas apropriadas para tornar o ordenamento jurídico interno conforme as determinações da Convenção, sendo que a explicitação do princípio da igualdade entre homens e mulheres na Constituição nacional, como acima analisado, é de fundamental importância para que o Poder Judiciário tenha um instrumento poderoso para fazer valer os direitos humanos, relativamente à mulher.

Ao Poder Executivo incumbe tomar as medidas apropriadas, em todas as esferas, principalmente nas esferas política, social, econômica e cultural123. Dessa forma, somente através da harmonia entre os três poderes, realmente imbuídos da necessidade de fazer valer os direitos consagrados na Convenção em tela, é que se poderá falar em igualdade entre homens e mulheres.

Campanhas educativas e o ensino do Direito, em especial dos Direitos Humanos, desde as escolas primárias, além de outras medidas de cunho educativo, são necessárias para:

[...]modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia de inferioridade ou

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superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres.124

conforme contempla o artigo 5o da aludida Convenção, sem o que os direitos humanos serão uma realidade para os homens e uma utopia, para as mulheres. Afinal, como já visto anteriormente, a violência de gênero está fulcrada, justamente, nesses “padrões sócio- culturais”.

Passando-se para o sistema regional interamericano, verifica-se que a necessidade de elaboração e adoção da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), é um dos exemplos mais chocantes de como a que ponto chega o desrespeito aos direitos humanos: a violência contra a mulher, pelo simples fato de ser mulher; a forma mais bárbara de discriminação de gênero, que não respeita sequer o direito à vida e à integridade física, menos ainda à liberdade, quem dirá seus direitos econômicos, sociais e culturais.

De fato, o monitoramento regional dos direitos humanos acusou a violação dos direitos humanos primários das mulheres, quais sejam, o direito à vida, à integridade física, à liberdade individual e sexual, razão pela qual foi elaborada e celebrada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), incumbindo a cada Poder Constituído tarefas no sentido de erradicar, urgente e eficazmente, qualquer tipo de violência contra a mulher.

Mais uma vez, incumbe aos Poderes Constituídos agirem de forma integrada e harmoniosa para a consecução dos objetivos estabelecidos nessa Convenção, de forma emergencial, inclusive (artigo 7o), para que o ordenamento jurídico interno propicie elementos hábeis a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

124

ORGANIZAÇÃO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as

Interessam-nos, especificamente, os dispositivos que dizem respeito ao papel do Poder Judiciário nessa importante missão, ou seja, à forma e aos instrumentos que são disponibilizados ao magistrado para alcançar os objetivos dessa Convenção.

Nesse sentido, tem-se que toda mulher, ao ser vítima de violência, possui, dentre outros, “o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos” (artigo 4o, g),125 exigindo-se do Judiciário que imprima os princípios processuais da simplicidade e da celeridade aos feitos em que se constatar violação aos direitos da mulher, o que já é uma realidade no Brasil, graças aos Juizados Especiais Criminais.

Exige-se, ainda, que os Estados-partes atuem “com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher”, adotando “medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou por em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade”, estabelecendo “procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos” e também “os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher, objeto de violência, tenha acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes”, fomentando “a educação e capacitação do pessoal da administração da justiça, da polícia e dos demais funcionários encarregados da aplicação da lei, assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher” (artigo 7o, alíneas b, d, f, g e artigo 8o, alínea c, respectivamente)126.

125

Ibid.

126

É de fundamental importância que os operadores do Direito tenham sempre em mente essas diretrizes elementares; no caso específico dos Juizados Especiais Criminais, impõe-se a capacitação dos conciliadores que atuam nas audiências preliminares acerca de tais direitos.

Todos esses atos concernem à atividade do Poder Judiciário, precipuamente. É necessária, portanto, antes de mais nada, uma modificação na visão dos magistrados, para que venham sensibilizar-se quanto à questão do combate à violência contra a mulher, empenhando-se, cada qual, não apenas a prestar o provimento jurisdicional no sentido de punir o agressor, mas, também, no sentido de que a sentença possua um caráter educativo, preventivo e reparador, proporcionalmente à violência perpetrada contra a mulher.

À vista de tais balizamentos, conclui-se que os direitos humanos, inalienáveis, inderrogáveis e universais, estão fulcrados no que no âmbito do ordenamento jurídico interno denomina-se direitos fundamentais da pessoa humana; estes, por sua vez, estribam-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, norteadores do Estado Democrático de Direito.

Democracia, direitos humanos e paz social formam o trinômio que traduz o objetivo global da humanidade no Século XXI, de sorte que, ao lado do ordenamento jurídico interno de cada Nação, vigora o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, que conta cada vez mais com um maior número de Estados-partes; cuida-se de verdadeira especialização do Direito Internacional clássico, onde agora as atenções voltam-se para o ser humano individualmente considerado, sendo obrigação de todos os Países zelar pela observância dos Direitos Humanos.

A situação da mulher, nesse contexto, tem merecido detida atenção dos governantes e juristas. Embora os instrumentos internacionais de direitos humanos contemplem a plena igualdade de direitos entre homens e mulheres, as discriminações de gênero sempre foram

uma constante em praticamente todos os povos, o que tem sido modificado a partir do Século XX, quando então a mulher passou a exercer atividade lucrativa, mais especificamente a partir da Segunda Guerra Mundial.

Ainda assim, a tradicional subordinação da mulher ao homem, explicada pela Sociologia, Antropologia e Psicologia, vem interferindo no pleno gozo dos direitos universais aos quais a mulher faz jus, tanto quanto o homem, o que exige a concentração de esforços nacionais e internacionais para modificação desse quadro.

Um estudo de direito constitucional comparado, adstrito ao princípio da igualdade entre homens e mulheres em diversas constituições contemporâneas, demonstra quão difícil é a tarefa de tentar universalizar os direitos humanos – constitucionalmente denominados direitos fundamentais – em razão de fatores históricos, culturais, políticos, econômicos, sociológicos, étnicos e religiosos distintos de cada país.

Todavia, existe um parâmetro jurídico mínimo que garante a todos os seres humanos, sem qualquer tipo de discriminação, um mínimo de direitos com os quais possa viver dignamente, tais como, v.g., o direito à vida, à integridade física, à liberdade individual, à alimentação e à moradia.

Em virtude dessas distinções, coexistem harmonicamente os sistemas internacional e regional de proteção aos direitos humanos, onde aquele primeiro traça os princípios e as normas basilares do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e o segundo, como se examinasse com uma lente de aumento cada região do globo terrestre, à procura das características de cada uma para, assim, adequar os direitos humanos a cada povo, o que diminui consideravelmente a possibilidade de rejeição da nova ordem jurídica internacional, além de respeitar as peculiaridades sociológicas de cada um.

A América Latina e Caribe são as regiões do mundo que maior atenção têm prestado à luta contra a violência contra a mulher e têm percorrido um largo processo de construção de

redes sociais e institucionais que têm implicado na reformulação de marcos jurídicos, na criação de normas e instituições. Este processo se tem desenvolvido em distintos âmbitos conectados entre si. No âmbito internacional, produziu-se um dos debates mais importantes em matéria de direitos humanos e que concluiu pelo reconhecimento, por parte dos governos, de inserir-se a questão da violência contra a mulher como objeto de políticas públicas. É na área da legislação onde se tem registrado os avanços mais importantes, já que é a única região no mundo que conta com uma convenção específica orientada para sua prevenção, sanção e erradicação. A partir da entrada em vigor dessa Convenção, se tem registrado grandes avanços na legislação que os países têm adotado para combater a violência contra a mulher. Todavia, entre os problemas destacados na aplicação das leis, se tem observado que não há suficientes nem adequados mecanismos de seguimento que permitam verificar o cumprimento das sanções.

O Brasil é um dos poucos países da América Latina que ainda não possui uma legislação específica a respeito da prevenção e punição da violência contra a mulher127.

A Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) realizou um estudo acerca da implementação da CEDAW no âmbito da América Latina e Caribe, concluindo que há sérias deficiências no cumprimento dos objetivos da Convenção. No tocante ao acesso à justiça, por exemplo, constatou-se que:

– Em la mayoria de los países es muy limitada la protección concreta que se ofrece a las mujeres que son objeto de violência;

- Dificultad de las mujeres para acceder al ejercicio efectivo de sus derechos debido a desconocimiento de los mismos e insuficiente patrocínio jurídico gratuito y adecuado;

- Disposiciones insuficientes para la protección de las víctimas y los testigos durante el proceso de justicia penal y las comparecencias ante los tribunales;

- Insuficiente conocimiento y sensibilización de los jueces, magistrados y encargados de la administración de justicia, que impiden la utilización efectiva de los recursos