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O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, os Direitos Fundamentais e os

CAPÍTULO 2 Direito Internacional dos Direitos Humanos e as críticas à atuação dos

2.1 O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Convenção de Belém do Pará:

2.1.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, os Direitos Fundamentais e os

mulher no panorama jurídico mundial a partir da segunda metade do Século XX; 2.3. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e os Sistemas Internacional e Regional de Proteção aos Direitos Humanos; 2.4. A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará): um paralelo; 3. Os Juizados Especiais Criminais e o Relatório Nacional Brasileiro sobre a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (RNB/CEDAW); 4. Os Juizados Especiais Criminais, as Regras de Tóquio e o Código Penal vigente: ponto e contraponto entre o direito processual e o direito material.

2.1 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E A CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ: PROTEÇÃO À MULHER

2.1.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos

Denominam-se direitos fundamentais aqueles que, no âmbito interno de cada País, são reconhecidos como o ‘patrimônio jurídico mínimo’ de cada pessoa, isto é, são direitos mínimos que devem ser assegurados para que o ser humano possa viver dignamente. O princípio fundamental que orienta o ordenamento jurídico, portanto, é o da dignidade da pessoa humana, impondo-se observar que a partir da segunda metade do Século XX tomou vulto a preocupação internacional no sentido de que os Estados efetivamente propiciem às

pessoas uma existência digna e feliz; nesse plano, os direitos fundamentais passam a ser vistos sob a ótica dos direitos humanos, tomando uma dimensão global.

Alia-se ao princípio da dignidade da pessoa humana o princípio da igualdade, em especial no tocante à igualdade de homens e mulheres perante a lei e ao tratamento que lhes deva ser dispensado pelo Estado, ao assegurar-lhes os direitos fundamentais em questão. Nesse sentido, salienta Jorge Miranda: “A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.”79

José Afonso da Silva insere o princípio da dignidade da pessoa humana dentre os princípios relativos ao regime político e, também, dentre aqueles atinentes à comunidade internacional:

É a primeira vez que uma Constituição (a Constituição Brasileira de 1988) assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana. 80

[...] é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos a existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas

como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.81 (grifo nosso)

79

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. v. 4, p. 166.

80

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 5. ed. rev. e ampl. de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 84.

81

Ao elencar os objetivos fundamentais do Estado brasileiro contidos no artigo 3o da Constituição Federal vigente, prossegue José Afonso da Silva, asseverando, em última análise, que todos eles pretendem “efetivar na prática a dignidade da pessoa humana82”.

Mas, na prática, homens e mulheres brasileiros usufruem de todos esses direitos? Em caso positivo, de forma igualitária, recebendo o mesmo tratamento perante a lei? Ao aplicar a lei o juiz sempre tem em mente possibilitar, efetivamente, a concretização desses objetivos? Mais que isso: a legislação infraconstitucional oferece ao juiz instrumentos eficazes para fazê- lo? Em última análise, supondo-se positiva a resposta a todas essas perguntas: o Estado possui condições de implementar políticas públicas que possibilitem o pronto atendimento de todas as necessidades de sua população, constitucionalmente asseguradas? E sem distinção de sexo?

O estudo doutrinário do Direito Constitucional Brasileiro demonstra que há uma grande preocupação em positivar um grande número de direitos, detalhadamente enumerados e especificados, fundados em princípios que garantem aos brasileiros tudo o que o ser humano necessita para viver na mais perfeita ordem, harmonia e felicidade. Todavia, o que se vê, na prática, é que a grande maioria do povo brasileiro sobrevive sem as mínimas condições de saúde e alimentação, privado do mínimo que um ser humano necessita e, portanto, não se pode falar em uma existência digna.

A fome faz parte do cotidiano da maioria dos brasileiros e o que se vê são políticas públicas paliativas (políticas assistencialistas) de distribuição de cestas básicas, pão e leite, que demonstram a ineficiência do Estado em resolver problema tão elementar da população.

O Poder Legislativo pretende elaborar leis úteis e que, de forma supostamente legítima, possam resolver os problemas da população. O Poder Judiciário pretende, com essas leis, poder efetivamente julgar e dar a cada um o que é seu. O Poder Executivo pretende bem

82

administrar o erário público ao, supostamente, priorizar políticas públicas que propiciem à população bem-estar e uma vida digna. Mas, na realidade, a atuação desses Poderes mostra-se ineficaz.

Outro ponto a ser destacado, no que concerne aos direitos fundamentais, refere-se à incidência do princípio da aplicabilidade imediata e da eficácia plena das normas definidoras de tais direitos, nos estritos termos do artigo 5o, § 1o, da Constituição Federal porque, em que pese a expressa dicção do citado dispositivo, a doutrina chama a atenção para as normas designadas como sendo “de baixa densidade normativa”, isto é, aquelas que em razão de sua função prestacional e da forma de sua positivação, dependem de concretização legislativa e, ainda, para as denominadas “normas programáticas”, que são aquelas “que se restringem a estabelecer programas, finalidades e tarefas mais ou menos concretas a serem implementadas pelos órgãos estatais e que reclamam uma mediação legislativa”83; todavia, todos os órgãos públicos estão obrigados a proporcionar ao povo meios para que possam usufruir de seus direitos fundamentais constitucionalmente assegurados e, os particulares, a cumpri-los, incumbindo ao Poder Judiciário “viabilizar a fruição dos direitos fundamentais mediante o preenchimento das lacunas existentes”84.

Segundo Antonio Enrique Pérez Luño:

Os valores constitucionais possuem uma tripla dimensão: a) fundamentadora – núcleo básico e informador de todo o sistema jurídico-político; b) orientadora – metas ou fins pré-determinados, que fazem ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins distintos, ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados pelo sistema axiológico constitucional; e c) crítica – para servir de critério ou parâmetro de valoração para a interpretação de atos ou condutas. [...] Os valores constitucionais compõem, portanto, o contexto axiológico fundamentador ou básico para a interpretação de todo o ordenamento jurídico; o postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição; e o critério para medir a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade. 85

83

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 245.

84

Ibid.

85

PÉREZ LUÑO, Antonio Henrique. Derechos humanos, estado de derecho y Constitucion. 4. ed. Madrid: Tecnos, 1991. p. 288-289.

Nesse mesmo sentido afirma Flávia Piovesan que : “[...] o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional”. 86

Os direitos fundamentais são, portanto, normas principiológicas, pois decorrem diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos, assim entendidos como sendo os direitos fundamentais vistos no âmbito internacional, possuem a mesma qualidade e, assim, devem orientar as tomadas de decisões dos poderes constituídos, alicerçados no Estado de Direito. Isto significa dizer que os poderes constituídos devem priorizar sua atuação no sentido de tornar efetivos esses direitos, não sendo exceção o Judiciário. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet:

Que o Judiciário possa (e deva) viabilizar a fruição dos direitos fundamentais mediante o preenchimento das lacunas existentes pode ser aceito em diversas hipóteses e até mesmo como regra geral, o que não significa a inexistência de limites a esta atividade, que não podem ser desconsiderados.87

Sarlet admite a limitação da fruição dos direitos fundamentais, principalmente no que concerne aos direitos fundamentais sociais de natureza prestacional, que a doutrina denomina “limites da reserva do possível”, Luis Prieto Sanchis88, em distinto enfoque, afirma que os direitos somente podem ceder ante os limites que a própria Constituição expressamente o imponha, ou ante os que de maneira mediata ou imediata se infiram da mesma, ao resultar justificados pela necessidade de preservar outros direitos ou bens juridicamente protegidos.

86

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 53.

87

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 248-249.

88

SANCHIS, Luis Prieto. Justicia Constitucional y derechos fundamentales. Madrir: Editrorial Trotta , 2003. p. 217.

Há estreita correlação entre os direitos fundamentais, no âmbito nacional, e os direitos humanos, no âmbito internacional. Aqueles primeiros foram divididos em duas categorias distintas: os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, estatuídos no artigo 5o da Constituição Federal, e os Direitos Sociais, contemplados nos artigos 6o a 11º da Lei Suprema89, tal como se dá no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, com a adoção do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, onde constam os direitos equivalentes àqueles do artigo 5o da Constituição Federal Brasileira, e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que contêm direitos semelhantes ao que nosso ordenamento jurídico denomina Direitos Sociais.

Assim, além da proteção dos direitos fundamentais pelo ordenamento jurídico pátrio, também há aquela feita pelo sistema internacional de proteção aos direitos humanos, de caráter subsidiário, que poderá ser acionada através dos mecanismos contemplados nos dispositivos dos instrumentos internacionais declinados neste Capítulo, caso haja falha ou omissão do Estado, o que, portanto, pressupõe o esgotamento dos recursos internos para que seja acionado o sistema internacional (Anexo A).

Há um dever de cada Estado-parte no sentido de prestar contas à comunidade internacional quanto à implementação dos direitos assegurados nos Pactos Internacionais; daí a relevância da assinatura desses instrumentos, que configuram um sério compromisso que passa a integrar a agenda de seus signatários. Esse fator é de grande relevância para o tema tratado neste trabalho, tendo em vista que, a partir do momento em que o Brasil assinou a Convenção de Belém do Pará90, assumiu o compromisso de envidar esforços no sentido de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, o que se estende aos três poderes constituídos.

89

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. p.1

Todavia, a questão atinente à aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais ganha contornos críticos quando se faz necessária a aplicação de recursos financeiros, sempre vultosos, que dependem, como já dito, de realização legislativa e, portanto, de vontade política para sua implementação.

Se, por um lado, é bastante lógico que a realização dos direitos sociais – assim definidos pelo artigo 6o da Constituição Brasileira como sendo aqueles relativos à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados – implique na adoção de um planejamento prévio, com destinação específica de recursos, por outro é mais lógico ainda que o direito a uma existência digna, contemplado no caput do artigo 5o da Constituição Federal, não se efetiva sem a concretização dos direitos sociais.

A situação agrava-se quando o Poder Judiciário, instado a se manifestar em ação onde se pleiteia direito social em face do Estado, julga procedente o pedido, mas em sede de execução de sentença inexiste instrumento hábil a compelir o Estado inadimplente a cumprir a obrigação à qual foi condenado, especialmente se o Estado alega não possuir recursos financeiros suficientes para tanto.

Felizmente, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, por meio de sua vigilância sempre atenta aos acontecimentos mundiais, vem possibilitando cada vez mais a realização e concretização dos direitos fundamentais, pois há uma ordem jurídica mundial a proteger tais direitos, à qual se subordina a grande maioria dos Paísese, concomitantemente, cada Estado preocupa-se com sua imagem perante os demais, não sendo politicamente conveniente que venha a destoar no panorama jurídico mundial. Sobre esse tema, Piovesan explica:

Verificar-se-à como, na ordem contemporânea, reforça-se, cada vez mais, este complexo sistema de ‘concorrência institucional’, pelo qual a ausência ou

90

insuficiência de respostas às violações de direitos humanos, no âmbito nacional, justifica o controle, a vigilância e o monitoramento desses direitos pela comunidade internacional. Importa esclarecer que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é uma garantia adicional de proteção, só podendo ser invocado quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos humanos. Ao tratar da projeção internacional dos Direitos Humanos e sua inserção no sistema jurídico de cada país signatário, Flávia Piovesan destaca que “se no exercício de sua soberania os Estados aceitam as obrigações jurídicas decorrentes dos tratados de direitos humanos, passam então a se submeter à autoridade das instituições internacionais, no que se refere à tutela e fiscalização desses direitos em seu território. Sob este prisma, a violação de direitos humanos constantes dos tratados, por significar desrespeito a obrigações internacionais, é matéria de legítimo e autêntico interesse internacional, o que vem a flexibilizar a noção tradicional de soberania nacional. Flávia Piovesan cita, ainda, ao tratar do tema soberania x direitos humanos, Grahl-Madsen & Toman, os quais citam o Professor Lillich da seguinte forma: “’O Professor Lillich tem sugerido que o conceito de soberania no Direito Internacional é uma idéia que o tempo tem revisto e revisto. Ao se referir aos limites da ‘tirânica’ concepção de soberania, Lillich aponta a três grandes premissas: 1) humanidade – é a razão de ser de qualquer sistema jurídico; 2) o sistema internacional, por mais de 300 anos, desde a Paz de Westphalia, não tem satisfeito o que deveria ser sua função primária, a saber, a proteção e o desenvolvimento da

dignidade da pessoa humana; 3) qualquer proposta de nova ordem mundial deverá

ser estruturada no sentido de maximizar os benefícios não aos Estados, mas aos indivíduos que vivem nos Estados – da liberdade de expressão e eleição, de um lado, à liberdade ante a fome e ao direito à educação, de outro lado.91

Existe uma sistemática internacional de monitoramento e controle dos direitos humanos, denominada international accountability. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por si só, não apresentava força jurídica obrigatória e vinculante, daí a necessidade de “juridicização dos direitos humanos”, que culminou com a elaboração de dois tratados internacionais distintos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que atribuíram força vinculante e obrigatória aos dispositivos da Declaração.

Esses tratados internacionais de direitos humanos objetivam garantir o exercício de direitos e liberdades fundamentais aos indivíduos, atuando como um direito paralelo e suplementar ao direito nacional, superando as omissões e deficiências deste último.

91

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. rev. e aum. São Paulo: Max Limonad, 2000. 464 p.

Dentre os principais mecanismos de monitoramento do Direito Internacional dos Direitos Humanos estão os seguintes: elaboração de relatórios (reports) sobre as medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas, a fim de ver implementados os direitos enunciados pelo Pacto, nos termos de seu art. 40; nesses relatórios, o Estado-parte deve esclarecer o modo pelo qual está conferindo cumprimento às obrigações internacionais assumidas; esses relatórios são apreciados pelo Comitê de Direitos Humanos, instituído pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e devem ser encaminhados em um ano a contar da ratificação do Pacto e sempre que solicitado pelo Comitê.

Ao Comitê cabe examinar e estudar os relatórios, tecendo comentários e observações gerais a respeito e, posteriormente, cabe a esse órgão encaminhar o relatório, com os comentários aduzidos, ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.

O Pacto também estabelece a sistemática das comunicações interestatais (inter-state communications), segundo a qual um Estado-parte pode alegar haver um outro Estado-parte incorrido em violação dos direitos humanos enunciados no Pacto, nos termos do artigo 41; essa comunicação é feita através da elaboração de uma declaração em separado, dirigida ao Comitê de Direitos Humanos, cuja função é mediar o conflito em questão.

O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos acrescentou à sistemática de monitoramento e controle da implementação e observância dos direitos humanos o mecanismo das petições individuais, a serem apreciadas também pelo Comitê de Direitos Humanos, as quais permitem que os indivíduos apresentem petições denunciando violações de direitos enunciados no aludido Pacto; insta salientar que a petição ou comunicação individual somente será admitida se o Estado violador tiver ratificado o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e também o Protocolo Facultativo, no qual o Estado em questão reconhece a competência do Comitê para tanto.

Acrescente-se, por oportuno, que o Comitê de Direitos Humanos considera que as comunicações podem ser encaminhadas por organizações ou terceiras pessoas que representem o indivíduo que sofreu a violação. No caso específico da violência de gênero intrafamiliar, portanto, as organizações de mulheres possuem legitimidade para encaminhar as petições ao Comitê, acaso tenha havido violação de um ou mais direitos constantes do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, como, por exemplo, ao direito de não ser submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante, ao direito à vida, ao direito à liberdade, ao direito ao devido processo legal, ao direito de igualdade, etc.

Segundo Antonio Augusto Cançado Trindade, o sistema de petições “[...] mediante o qual veio a cristalizar-se a capacidade processual internacional dos indivíduos (direito de petição individual), constitui um mecanismo de proteção de marcante significação, além de conquista de transcendência histórica.”92

Ao decidir acerca da violação de direitos humanos noticiada na petição, o Comitê não apenas declara que restou caracterizada tal violação, mas, também, determina a obrigação do Estado em reparar a violação cometida e em adotar medidas necessárias a prover a estrita observância do Pacto. Embora tal decisão não possua força obrigatória ou vinculante, inexistindo previsão de sanção para a hipótese de descumprimento da obrigação, “[...]a condenação do Estado no âmbito internacional enseja conseqüências no plano político, mediante o chamado power embarrassment, que pode causar constrangimento político e moral ao Estado violador”93.

Além disso, estão previstas as seguintes obrigações de cada País signatário, perante uma alegação de violação de direitos humanos: a) promover investigações imparciais e exaustivas, realizando justiça; b) punir seus perpetradores; c) garantir compensações

92

TRINDADE, Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 8.

93

(indenizações) às vítimas e/ou seus familiares; d) adotar efetivas medidas para prevenir futuras ocorrências de violações. Flávia Piovesan cita o Report of the Special Rapporteur on Extra Judicial, Summary or Arbitrary Executions:

Os primeiros dois componentes destas quatro obrigações constituem, em si mesmos, os mais efetivos meios de prevenção de violações de direitos humanos. Contrariamente, se os perpetradores estão confiantes de que não serão punidos, tais violações continuarão a existir. O reconhecimento da obrigação de compensar as vítimas de violações de direitos humanos e a concreta compensação, pressupõe o reconhecimento, por parte do Governo, de sua obrigação em assegurar a efetiva proteção contra as violações de direitos com base no respeito aos direitos e liberdades fundamentais de toda e qualquer pessoa94.

Pouco a pouco, a inserção de programas de implementação de direitos sociais vem