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GESTÃO DE ÁGUA/SANEAMENTO

INDICADORES AGRICULTORES

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reúso agrícola, sob o ponto de vista de agricultores e formuladores de política, tem aspectos favoráveis e desfavoráveis. Por um lado, apresenta-se como uma oportunidade que beneficiaria a sociedade e o meio ambiente. Como tal, provoca uma reação positiva destes atores, que, na medida em que ponderam os riscos e os custos passam a revelar as feições negativas desta prática, como percebidas por estes grupos, como os riscos ao meio ambiente e à saúde e os eventuais custos da implantação de uma nova tecnologia. O reúso agrícola de água implica em mudanças de ordem institucional, para o qual é necessário que haja vontade política, gerada por um fator motivador forte, como o interesse social e econômico. Para que tenha sucesso, é necessário que o reúso seja percebido como uma necessidade de agricultores e de formuladores de política de recursos hídricos. A percepção do agricultor familiar a respeito do uso do esgoto tratado na agricultura foi avaliada a partir das respostas da amostra pesquisada, que apresentou características peculiares associadas à atual situação socioeconômica do Território de Identidade do Sisal. Destaca-se o pequeno número de jovens entre os entrevistados, apresentando uma característica demográfica diferente da observada para o município de São Domingos, apesar da alta representatividade demográfica da amostra. Este fato pode ser justificado pela baixa capacidade de atração das atividades agrícolas, fazendo os jovens buscarem atividades com remuneração regular no setor de serviços ou no serviço público municipal. Como resultado da pesquisa, destaca-se o fato de boa parte dos agricultores do distrito de Santo Antônio manterem atividades geradoras de renda paralelas à agricultura. Esta dificuldade de manter a atividade agrícola como geradora de renda na Região Semiárida tem impacto direto na falta de interesse pelo reúso agrícola.

A rejeição total ao reúso como uma opção de acesso a água é pouco expressiva e está relacionada à percepção de risco sanitário, embora a repulsa, sem motivo racional expresso, também seja importante. No entanto, a preocupação com riscos comerciais, relativos à dificuldade em comercializar produtos produzidos com água de reúso é bastante destacada entre os entrevistados. Esta constatação é

negada por parte dos agricultores familiares, participantes da reunião no SINTRAF, que consideram o uso de hormônios para criação de gado um risco maior à saúde.

O risco à saúde é a principal preocupação dos agricultores e formuladores de política entrevistados, que consideram que o risco à saúde do trabalhador e do consumidor deve ser reduzido ao máximo. No entanto, há divergências quanto aos critérios de segurança a serem adotados, considerados necessários pelos representantes da saúde ou excessivos pelos representantes do setor agrícola. A resolução estadual sobre reúso de água reflete as recomendações da OMS, que adota critérios bastante restritivos em termos da qualidade dos efluentes aplicados na agricultura, seguidos pela grande maioria dos países que praticam o reúso planejado da água. A experiência mexicana confirma que a falta de tratamento aumenta a incidência de doenças entéricas junto à população de agricultores, ainda que não tenham sido relatados surtos de doenças graves.

O risco ambiental de contaminação e degradação dos solos, percebido por parte dos entrevistados, foi verificado pela experiência internacional em diversos países, incluindo a Itália e a Bolívia. Embora ainda não tendo sido observado no México, segundo estudos referenciados, as análises de solo indicam que este é um problema potencial para a prática neste país. Contradizendo os dados da análise, os agricultores mexicanos demonstram que os solos, originalmente pobres do Vale do Mezquital, tornaram-se férteis e produtivos graças às grandes quantidades de esgoto não tratados que inundam periodicamente as suas lavouras. As duas situações de degradação e de melhoria da qualidade foram observadas na Índia em regiões diferentes. Essas discrepâncias indicam a necessidade de mais estudos e do contínuo monitoramento dessa prática. A necessidade de monitoramento das condições da água e do solo apresenta-se como uma das principais questões a dificultarem a implantação de sistemas planejados de reúso. Além do alto custo das análises, a concentração dos laboratórios em grandes centros urbanos dificulta a logística da tarefa.

A percepção de atores locais que atuam na formulação e operação das políticas de recursos hídricos aponta para a fragilidade institucional local. Apesar da percepção positiva em relação à prática, os representantes do setor de operação de recursos hídricos e saneamento demonstraram claramente não ser o papel das instituições que representam realizar o reúso. Alguns entrevistados apontaram os

riscos legais relacionados à falta de arranjo institucional adequado à implantação da prática. Pode-se concluir que é necessária a definição clara de papeis e responsabilidades.

A dificuldade de implementar políticas de gestão de águas e saneamento quando o problema já está consolidado é visível na situação mexicana. É difícil reverter uma prática de longos anos realizada em uma grande extensão territorial. Introduzir novas práticas mais seguras de reúso de água depende do envolvimento da população e requer intensa comunicação social. Em uma situação, como a do Semiárido Baiano, em que a prática ainda não existe, há a oportunidade de se alinhar os interesses dos agricultores aos critérios dos formuladores das políticas ambientais e de recursos hídricos, para a efetivação de práticas seguras de reúso que garantam resultados positivos para os agricultores.

Em pequena escala já são observados, no distrito de Santo Antônio, exemplos de reúso não planejado dos esgotos lançados sem tratamento a céu aberto, que precisam ser revertidos a fim de garantir a segurança sanitária e alimentar da população. Cabe às instituições públicas abordar e tratar o problema antes que ganhe dimensões críticas. A regulação do reúso, definindo parâmetros e papéis a serem exercidos pelas instituições envolvidas, deve evitar riscos e impactos negativos da prática. Da mesma forma, a regulação e a atuação positiva de instituições governamentais deverá gerar esclarecimento, valorizando os produtos obtidos com o reúso, evitando dificuldades com a comercialização.

Fatores de ordem ambiental, social, econômica e político-institucional determinam a formação da visão dos diversos atores sobre o reúso de água. O fator ambiental determina a necessidade de se realizar reúso, uma vez que a escassez de água e o empobrecimento dos solos configuram-se como ponto de partida da transformação do efluente de esgoto de um rejeito em um recurso, na percepção social.

A cultura, como fator social vai ser sempre determinante para aceitação do reúso, pelas reações associadas a essa prática, como nojo, e pela relação da população com a água e com a agricultura. A economia é fator decisivo na medida em que os resultados agrícolas do reúso podem ou não gerar interesse a depender do valor econômico da agricultura em cada região. O arcabouço político-institucional é fundamental para viabilização dessa pratica: sem instituições e leis fortes apoiando

e controlando o reúso, esta prática não tem condições de ocorrer de forma planejada e segura para todos os atores interessados.

A escassez de água é o fator ambiental que impulsiona o reúso agrícola. Em tais ocorrências, a experiência mostra que, se não houver uma iniciativa governamental para conduzir a implantação de sistemas seguros, o reúso não planejado da água tende a ocorrer. Da mesma forma, a exemplo da Espanha, águas recuperadas apresentam-se como uma fonte alternativa a ser considerada na gestão integrada dos recursos hídricos em situações de conflito pelo uso da água. Face à falta de água, as comunidades tendem a ter uma percepção mais positiva do reúso, diz a experiência internacional. No entanto, a pesquisa no Semiárido Baiano demonstrou que a carência não seria por si suficiente para assegurar a aceitação da comunidade, que demanda garantias institucionais de tratamento do efluente.

A carga de nutrientes presente no esgoto é uma das vantagens reconhecidas na prática do reúso agrícola. A irrigação com esses efluentes é denominada fertirrigação porque fertiliza ao mesmo tempo em que irriga. No entanto, esta característica não é determinante para a realização do reúso. Ao contrário, os nutrientes apresentam-se como vantagem, mas também são percebidos como risco, uma vez que a aplicação sem critério desses efluentes pode levar a alterações estruturais e químicas do solo, causando perda de fertilidade. Essa questão não despertou o interesse dos agricultores entrevistados, cujos interesses estão fortemente direcionados à oferta de água. Os formuladores da política, por sua vez têm uma visão clara de vantagens e riscos da fertirrigação.

O nojo é a questão cultural mais grave a se impor contra a água de reúso. Embora não seja uma reação racional, é uma reação profundamente arraigada, ligada aos nossos instintos mais básicos de sobrevivência. Se, apenas no século XIX, foi claramente entendida a relação entre o contato com excretas humanas e a transmissão de doenças, muito antes disso todas as civilizações humanas sempre buscaram se abastecer de águas limpas e se desfazer de excretas e dejetos da melhor maneira possível, acreditando, muitas vezes, que o mau cheiro causava doenças. Portanto, não é inesperada a rejeição ao reúso de água. O que a pesquisa e a experiência internacional indicam é que, apesar de importante, este é um fator contornável, na medida em que fiquem claros os benefícios do reúso e que seja

estabelecida uma relação de confiança entre os operadores de todo o sistema de reúso e a população.

A percepção dos agricultores familiares a repeito da segurança à saúde ficou evidente quando afirmaram que aceitam o reúso desde que o esgoto seja tratado. As entrevistas também evidenciam a confiança nos operadores de saneamento e recursos hídricos do Estado, EMBASA e CERB. Estas opiniões vão de encontro às respostas obtidas junto aos formuladores da política de recursos hídricos, que declaram que o risco da prática de reúso de água deve ser o menor possível, seja para agricultores ou consumidores de produtos obtidos com água de reúso. Por outro lado, este último grupo destaca a importância de se buscar critérios realistas que garantam níveis de segurança adequados à prática, mas que não a tornem dispendiosa ao ponto de se tornar inviável. Este equilíbrio pode ser alcançado pelo trânsito de informações entre a empresa de saneamento e os agricultores, de forma que estes últimos tenham conhecimento suficiente para realizar a utilização correta dos efluentes tratados. Considerando-se as percepções abordadas, sobretudo no que diz respeito ao meio ambiente e á saúde, verifica-se ser necessária a realização de estudos de análise de riscos a partir da comparação com práticas que não envolvam o reúso, a fim de que se possa definir o quanto esta prática tende a aumentar potencialmente estes riscos.

A percepção da escassez sinaliza a necessidade de se considerar outras fontes de água. Nesse tipo de situação, efluentes de esgoto, tratados ou não, que passem a criar uma disponibilidade constante, serão aproveitados pelas comunidades por onde passa, a exemplo do que ocorre no México e na Bolívia. No México, a capital federal produz efluentes para irrigar, apenas no Vale do Mezquital, cerca de 100 mil hectares, criando uma área com extensão suficiente para gerar produção agrícola de interesses econômicos significativos. São Domingos, como a maior parte dos municípios do Semiárido, tem população urbana pequena, limitando o tamanho da área que poderia ser irrigada a pouco expressivos oito hectares. A produção agrícola local tem baixa expressão econômica, destacando-se apenas o sisal, que não tem tido crescimento da área plantada e não se beneficiaria da irrigação. O crescimento da pecuária, confirmado pelos entrevistados, indica que essa atividade poderia ser beneficiada pela irrigação de culturas forrageiras.

A divisão de opiniões observada entre os entrevistados em torno do rateio de custos demonstra a importância do fator econômico para a implementação do reúso. Entre os agricultores familiares, alguns declararam que, se o resultado fosse bom, em termos financeiros, eles teriam interesse em pagar pela água de reúso. Mas, a surpreendente reação imediata de outros foi declarar que não tinham interesse, mesmo porque como havia muitos açudes no município, não chegava a faltar água. Afirmativa particularmente notável em plena estiagem, quando já não havia pastos verdes e os reservatórios das propriedades rurais estavam secos, que pode ser interpretada como indisponibilidade para pagar qualquer taxa por água de reúso, mais uma vez confirmando o baixo valor que as atividades do setor primário têm atualmente na região.

Os representantes do setor agrícola, membros do CONERH, fizeram afirmações semelhantes ao declararem que havendo acesso gratuito à água, não haveria disponibilidade em pagar por água de reúso. Estes atores destacaram também o fato de considerarem que o custo do reúso deveria ser assumido pela companhia de saneamento que teria vantagens operacionais no tratamento de esgotos. Outro aspecto relevante levantado foi que, na maior parte do Semiárido da Bahia, os agricultores “não sabem usar a água”. Ou seja, não há uma cultura de agricultura irrigada por falta de acesso à água em boa parte dessa Região, resultando em lavouras de subsistência com pouco valor econômico.

O reúso tem tido sucesso em situações onde há escassez de água, mas também onde a produção agrícola tem alto valor. A implantação de sistemas planejados exige esforço do setor público em se articular e interesse dos agricultores em suplantar barreiras culturais e investir tempo e recursos em uma nova tecnologia. É necessário identificar oportunidades economicamente motivadoras para que sejam direcionados esforços nesse sentido. A diminuição de potenciais custos com tratamento de esgotos pode ser o fator motivador para a empresa de saneamento, que incentivaria o Estado a buscar arranjos institucionais adequados e opções viáveis de reúso agrícola, que apresentem também valor social. Em resumo, os arranjos necessários dependem da definição de atribuições e responsabilidades entre os órgãos que operam o saneamento, os que fomentam a agricultura e os que realizam a fiscalização.

As percepções colhidas junto aos dois grupos de atores entrevistados fornecem uma resposta um pouco diferente da hipótese formulada. Embora as reações de nojo, repulsa e de percepção de risco à saúde sejam relevantes, são questões contornáveis face à percepção favorável que tem o reúso como uma fonte confiável de água. As dificuldades que os agricultores têm tido em se manterem nessa atividade devido ao baixo valor das lavouras no Semiárido configuram-se como o maior obstáculo à implantação do reúso. O pouco desenvolvimento que tem tido, mesmo as lavouras tradicionais, como é o caso do sisal, faz com que os investimentos privados e públicos, nesse setor, se concentrem em regiões, dentro do Semiárido, onde já existe uma agricultura de alto valor econômico, como é o caso da Chapada Diamantina e Irecê.

Outro problema para implantação dessa prática é que cerca de 70% dos municípios têm população total de até 10 mil habitantes, o que não permitiria irrigar grandes extensões de terra. Cidades de maior porte como Feira de Santana, Vitória da Conquista e Irecê apresentam-se como algumas das poucas oportunidades de realização de reúso em extensões mais significativas. Seria então necessário que o poder público buscasse identificar lavouras que fossem de interesse dos pequenos municípios do Semiárido, com valor econômico e de impacto social nas pequenas extensões de terra que pudessem ser irrigadas. Uma possibilidade seriam as frutíferas, que apresentam baixo risco, por não terem contato com o solo, e têm alto valor comercial.

A busca de soluções para o aumento da oferta de água aos agricultores do Semiárido que contemplem o reúso depende de esforços em todas as esferas de governo: federal, estadual e local. Na esfera federal, instituições de pesquisa e desenvolvimento, como universidades e EMBRAPA, devem continuar a pesquisar soluções tecnicamente viáveis, economicamente interessantes e seguras do ponto de vista da saúde e do meio ambiente. Cabe ao Governo Federal o primeiro passo na consolidação institucional do reúso. Não é possível realizar empreendimentos desse tipo sem que haja alinhamento entre as leis locais, estaduais e federais, bem como entre as agências de regulação de água e meio ambiente. Aos governos estaduais, pertencem as maiores tarefas: articular as diversas secretarias e órgãos do governo envolvidos nessa prática, buscar recursos e viabilizar a implantação do reúso. As prefeituras municipais têm como incumbência a articulação com o governo

estadual e com os agricultores familiares, a fim de criar um ambiente aberto para troca de informações que favoreça a busca das vocações agrícolas que possam ter resultados sociais e econômicos positivos e a capacitação da comunidade para o reúso de água.

Este é um desafio que se coloca, em um momento da história de grandes crises ambientais e elevada urbanização, em que é necessário buscar soluções que compatibilizem essa nova realidade. O reúso demonstrou gerar interesse suficiente, seja entre agricultores ou entre formuladores da política, para que se persiga o seu desenvolvimento e implantação. Para ter efeito, essa prática deve ser integrada a outras tecnologias apropriadas para o Semiárido, que associem gestão de recursos hídricos, saneamento e produção agrícola a fim de promover melhores condições sociais e econômicas na região rural do Semiárido, tais como: saneamento ecológico, barragens subterrâneas e cisternas para aproveitamento de água de chuva. Estas ações, como quaisquer outras, dependem, para o seu sucesso, de continuidade de estudos, desenvolvimento tecnológico, intervenção e acompanhamento, com presença permanente do Estado no Semiárido, em todas as suas esferas.