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2 FUNDAMENTOS DA PERCEPÇÃO SOCIAL SOBRE O REÚSO DE ÁGUA

2.7 REÚSO DE ÁGUA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.7.1 Desenvolvimento na Região Semiárida

Referir o conceito de desenvolvimento sustentável a realidade do Semiárido é um grande desafio. Nesse caso especifico a implementação de projetos de desenvolvimento nessa região tem como um dos seus principais desafios o combate a pobreza e a construção de alternativas de convivência com a seca. Vários são os documentos internacionais que articular esses termos a exemplo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, também propostos pela ONU, que compreende como um dos objetivos do desenvolvimento a redução da pobreza extrema, sendo considerado como um dos seus requisitos a universalização do ensino básico (PNUD, 2007). Essas questões sociais, principalmente quando relacionadas a educação, refletem-se na capacidade das comunidades em assimilar novas tecnologia que permitam a sua permanência no Semiárido por meio de práticas sustentáveis de gestão da água, entre aos quais está o reúso de efluentes de esgoto.

A seca é uma constante nos registros históricos, uma verdadeira vilã a definir o sertão nordestino como uma terra condenada à improdutividade e à pobreza. Já no início do século XX, a uma visão mais crítica de fundo sociológico buscou analisar a forma como a “ocupação e exploração do território pelos colonizadores e seus sucessores que levaram à concentração das riquezas e do poder político, gerando miséria e dependência da maioria da população sertaneja” (SILVA, 2007).

Segundo Furtado (1959):

“o sistema econômico que existe na Região Semiárida do Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre o homem e o meio, entre o sistema de vida da população e as características mesológicas e ecológicas da região.” (p. 30)

Celso Furtado faz uma rica leitura dos desafios do desenvolvimento econômico na Região Semiárida na segunda metade do século XX. Para o economista, a estrutura econômica e fundiária da região a torna vulnerável a secas,

que criam crises na agricultura de subsistência e consequente problemas sociais. Neste sentido, a política do governo tradicionalmente tem consistido em reter essa população próximo a seus locais de trabalho, abrindo frentes de trabalho em obras públicas. Essa política, no entanto, nunca alcançou as metas pretendidas, resultando em uma grande dispersão da classe trabalhadora, que dificilmente retorna com o fim da estiagem. Para Furtado, a solução seria a busca do aumento da produtividade do sistema a fim de integrar a região aos mercados regional e nacional. (FURTADO, 1959).

A explicação histórica para o “divórcio” entre o homem e o meio, deriva do fato de que o litoral úmido do Nordeste brasileiro foi inicialmente ocupado por colonizadores europeus interessados em cultivar produtos de exportação, com base na mão de obra escrava e na quase ilimitada disponibilidade de terras inexploradas. Esse tipo de exploração econômica, fundamentada em interesses imediatistas e técnicas desvinculadas das características do meio, expandiu-se pelo interior, em busca de apoio para atividade litorânea, na forma de produção de cereais, carne e animais de trabalho, determinando a implantação de um sistema produtivo inadequado às condições ambientais do Semiárido (DUROUSSET e COHEN, 2000).

As tentativas de integrar a Região Semiárida aos mercados citados têm favorecido a ocupação da caatinga com processos produtivos pouco adaptados às condições dos ecossistemas, acelerando a degradação de solo e a exploração excessiva dos escassos recursos hídricos. Durante séculos de atividades econômicas intensificadas nas ultima décadas houve uma ampla substituição da vegetação natural pelo sistema agropastoril, com redução da cobertura vegetal; entre 1984 e 1990 a cobertura vegetal caiu de 1.002.915 km2 para apenas 725.965 km2, provocando a deterioração do solo pela perda progressiva da matéria orgânica e erosão acentuada. As condições climáticas, a natureza dos solos e a cobertura vegetal tornam o Semiárido (polígono das secas) a região mais suscetível aos processos de desertificação, tendo sido considerada área de risco, de grau alto e moderado (SUDENE, 2001).

O fato é que substancialmente o poder público tem concentrado sua atuação no “combate à seca” na construção de grandes obras de impacto, a exemplo da transposição das águas do rio São Francisco ou, de forma mais tradicional, na construção de açudes e implementação de grandes programas de agricultura

irrigada. Grandes e médios agricultores têm sido o público atendido prioritariamente por esses programas, que favorecem a implantação de agricultura irrigada modernizada, enquanto a maioria da população é excluída do processo, conduzindo ao êxodo rural da população pobre, ao enfraquecimento das redes de solidariedade familiar e social. (DUROUSSET e COHEN, 2000).

A busca de soluções de desenvolvimento adequadas para a Região Semiárida deve considerar a satisfação de um conjunto de requisitos de bem-estar e qualidade de vida. Estes requisitos devem ir além dos empregados na definição de IDH da ONU, insuficientes para qualificar o desenvolvimento, já que não abrange as dimensões das condicionantes históricas do subdesenvolvimento e da cidadania (OLIVEIRA, 2001). O referido autor destaca ainda que “a primeira dimensão substantiva do desenvolvimento local refere-se à capacidade efetiva de participação da cidadania no que podemos chamar o governo local e ela aparece como um resgate da ágora grega, posto que a forma democrática representativa é insuficiente para dar conta da profunda separação entre governantes e governados na escala moderna”.

Quando associado aos adjetivos local, integrado e sustentável, o desenvolvimento inclui trabalho com comunidades, movimentos populares, desenvolvimento localizado em territórios e a ação de organizações não governamentais em novos estilos de intervenção de gestão de programas e projetos de caráter associativo com a finalidade de melhorar condições de vida locais — “prudência ecológica, eficiência econômica e justiça social”, tripé da Agenda 21 (SACHS, 1990, apud FISCHER, 2002). A primeira vertente da conceituação do desenvolvimento local defende que as iniciativas de geração de emprego e renda para enfrentar a pobreza e marginalização, a difusão e inovações fomentadas pela criação de entornos institucionais e a reorganização das bases empresarias, protagonizadas por governos, empresas, comunidades organizadas e redes produtivas. A segunda vertente, do desenvolvimento solidário, inspira-se nos valores da qualidade e cidadania, propondo a inclusão de setores marginalizados e subordinando o desenvolvimento econômico a imperativos não-econômicos. (FISCHER, 2002). Nesse sentido, a referida autora propõe a Gestão do Desenvolvimento Social, como um processo de mediação que articula múltiplos níveis de poder individual e social, a ser formulado.