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2 FUNDAMENTOS DA PERCEPÇÃO SOCIAL SOBRE O REÚSO DE ÁGUA

2.2 PERCEPÇÃO SOCIAL DO REÚSO

2.2.1 Percepção de Risco

Em todo o mundo, práticas convencionais de saneamento que incluem capitação de água, tratamento, coleta de esgotos, tratamento e lançamento de efluentes tratados ou não em outros corpos d’água e também envolvem riscos ambientais e à saúde humana. O reúso não planejado de efluentes é uma prática tão antiga quanto as civilizações humanas e de muito risco. O saneamento, na sua concepção moderna, é uma prática relativamente recente, com cerca de 150 anos e, de acordo com o British Medical Journal, constitui o maior avanço em termos de saúde pública nesse período (BOSELEY, 2007). O reúso planejado de efluentes tratados de esgoto já tem cerca de 100 anos (JIMENEZ, 2008), e mesmo quando realizado de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2006), apresente vantagens ambientais e socioeconômicas reconhecidas e não aumente os riscos para a sociedade, a percepção coletiva associada ao risco tem sido o principal fator restritivo ao avanço dessa prática (WILSON e PFAFF, 2007). Compreender as circunstâncias que influenciam essa percepção social é

fundamental para sua implantação como parte da política de gestão de recursos hídricos.

De uma maneira geral, para Baggett (2006), a percepção do risco é um fator fundamental na gestão dos recursos hídricos porque está associada não apenas ao atendimento de necessidades básicas, mas também a questões culturais que refletem a relação da sociedade com a água, a higiene e à forma como lidam com à saúde. Por essa razão, é fundamental a gestão participativa e transparente dos recursos hídricos, que permita a construção de um ambiente de confiança entre sociedade e gestores. Em relação ao reúso a opinião de especialistas é frequentemente diferente da percepção social, uma vez que enquanto a primeira é balizada, na maioria das vezes, por fatos científicos, a percepção social está sujeita a fatores subjetivos. De acordo com Baggett (2006), o ponto de vista do público em relação a risco é muito mais complexo do que o valor normalmente atribuído a questões de saúde pelo poder público. A credibilidade da instituição que avalia o risco é um fator fundamental. Da mesma forma, os interesses do público em uma determinada questão podem ter grande influência sobre a percepção de risco. Segundo o autor, se o público tem interesse em uma determinada atividade é comum julgar os riscos como baixos e os benefícios altos.

Partindo-se da definição de risco como sendo o produto da probabilidade de ocorrência de um evento extremo, que no caso do reúso agrícola poderia ser um surto de doenças entéricas, e da magnitude de suas consequências (número de doentes e mortes), pode-se perceber que risco está associado à incerteza (BROWNE et al., 2007). A incerteza é um importante fator do comportamento humano, sendo responsável pela forma como lidamos com o desconhecido. O estudo realizado por Browne et al. (2007) dá conta da correlação existente entre risco, confiança, emoção, justiça e subjetividade, sendo a influência mútua entre risco e comportamento esperado, melhor entendido no contexto da sua relação com outras variáveis. As principais questões que devem ser respondidas para que se possa compreender a atitude de uma comunidade em relação a uma prática que possa ser considerada de risco podem ser enumeradas: qual seria a ideia da comunidade a respeito de risco aceitável; se a ideia de risco da comunidade estaria de acordo com a opinião dos especialistas; quais seriam as garantias de que as pessoas necessitam; de que forma estariam associadas percepção de risco e

confiança; qual seria a relevância do risco ambiental; e quais seriam as conexões entre meio ambiente, saúde e sustentabilidade. Desta forma, pode-se obter uma primeira avaliação da atitude da comunidade em relação a novas práticas, como é o caso do reúso de água.

A percepção de risco corresponde à avaliação subjetiva da probabilidade, assim como das consequências, de um determinado acontecimento negativo. A percepção de risco não é uma construção individual e sim social e cultural que reflete valores, símbolos, história e ideologia (SJÖBER et al., 2004). Estes são aspectos que devem ser investigados na avaliação da percepção de risco em novas práticas, particularmente se relacionadas a elementos vitais como água e alimentos. Pode-se conceber que o risco estaria associado a uma ameaça ou a mudanças, inovações capazes de trazer resultados positivos para a sociedade (SANTOS e FADUL, 2008).

Estaria então compreendida a afirmação de Baggett (2006) de que a percepção de risco depende do grau de interesse em uma determinada atividade. Portanto, abraçar o novo é assumir um risco, que pode afetar a sensação de segurança coletiva. Esta seria uma razão para se rejeitar uma nova prática que iria mudar antigas formas de relação com o meio ambiente e com elementos tão carregados de tabus como as excretas humanas. De acordo com Santos e Fadul (2008), é também importante considerar que a inovação gera insegurança pelo sentimento de perda do controle sobre o mundo em que vivemos.

Uma questão central do debate a respeito da inserção do reúso nas políticas de gestão dos recursos hídricos é entender a razão pela qual o público percebe o reúso como um risco, a despeito das garantias de segurança dos especialistas e autoridades sanitárias. A percepção de risco tende a ser diferente entre especialistas (profissionais envolvidos nas etapas do reúso) e o conjunto da sociedade. Os especialistas tendem a definir risco em termos da probabilidade de eventos e tratam fatores subjetivos como dimensões acidentais do risco. A sociedade, por outro lado, tende a ter uma concepção mais ampla do que é risco, incorporando atributos como incertezas, medo, possibilidades de catástrofes, controle e equidade na equação. Essas dimensões, às vezes pouco consideradas pelos especialistas, podem assumir um importante papel na formação da reação pública em relação a uma situação de risco. (WILSON e PFAFF, 2007). Muitas vezes, níveis de risco considerados

aceitáveis por autoridades de saúde, como a OMS, que admite como risco aceitável para o reúso de água na agricultura um valor menor que 10-6 DALY por pessoa por ano2, aparentemente baixos ,para o público em geral pode parecer completamente inaceitável, quando se considera possibilidade de se tornar sujeito de um evento negativo. (MARKS, 2006).

Essas reflexões esclarecem um ponto levantado por diversos autores pesquisados (WILSON e PFAFF, 2007; MARKS, 2006; e HARTLEY, 2006) da importância da comunicação com a sociedade e da capacitação de agricultores e atores sociais para uma percepção positiva sobre o reúso. Fiedler et al. (2006) descreve também as principais medidas a serem adotadas para aumentar as chances da aceitação pública do reúso: manter a transparência e revelar todos os aspectos, riscos e vantagens do projeto; manter a comunicação com o público em um nível que lhe seja compreensivo; buscar a participação do público nos processos de tomada de decisão. Publicidade, incluindo campanhas de divulgação, educação e inclusão de todos os atores envolvidos nesse processo, são elementos chave para um planejamento bem sucedido e para a implementação de projetos inovadores em gestão de água. O referido autor afirma ainda que o envolvimento da comunidade em todos as etapas da implantação do projeto é a melhor maneira de ganhar o seu apoio.

2.3 CONTROLE DE RISCOS DO REÚSO AGRÍCOLA: