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GESTÃO DE ÁGUA/SANEAMENTO

3 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE REÚSO

3.1 REÚSO AGRÍCOLA DA ÁGUA NA EUROPA

Na Europa, águas servidas tratadas são usadas na agricultura irrigada, entre diversos outros usos não potáveis, em cerca de 700 projetos, principalmente no sul da Europa, como França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha. Mas, países do norte da Europa, inclusive Holanda, Reino Unido e Suécia veem adotando esta prática (MONTE, 2007).

Surveys conduzidos na Europa mostraram que sob o ponto de vista de uma parcela significativa dos gestores e da sociedade esgoto tratado continua sendo esgoto, gerando atitudes negativas em relação ao reúso. A pesquisa verificou que a aceitação do reúso agrícola é uma questão social com um intenso conteúdo emocional. O envolvimento de associações ambientalistas na interlocução com a sociedade mostrou-se essencial à construção de um ambiente de confiança que permitisse a formação de uma opinião positiva sobre a prática do reúso. Destaca-se a importância da transparência na comunicação de informações e a credibilidade pública das instituições envolvidas (BIXIO et al., 2006).

Desde o século XIX, a França vem realizando reúso de água. Mais recentemente, em Clermont Ferrand, um grande projeto de reúso foi implantado em 1999 com a finalidade de contribuir para a conservação da água de forma economicamente sustentável. São irrigados 750 ha de milho com os efluentes de uma estação de tratamento por lodo ativado. Neste país, o arcabouço legal foi elaborado com base nas orientações de 1989 da OMS, sendo ainda mais rígido com exigências a respeito do manejo da irrigação e proteção á saúde humana e ao meio ambiente. Os principais objetivos do reúso na França são: amenizar deficiências de

água; melhorar a saúde pública; proteger o meio ambiente; e eliminar a contaminação das águas costeiras, principalmente em balneários e áreas de desenvolvimento de atividades de aquicultura. (USEPA, 2004).

A Grécia é um país que historicamente sofre com a escassez de água. Destaca-se por possuir um dos primeiros registros de reúso planejado de água, construída pelos minóicos, na ilha de Creta, em plena Idade Antiga (VIGNESWARAN e SUNDARAVADIVEL, 2004). Para atender a crescente demanda de água, principalmente durante os meses de verão, a integração entre gestão de recursos hídricos e reúso de água tornou-se essencial. Com cerca de 80% das plantas de tratamento de esgoto a uma distância média menor que 5 km das fazendas com deficiência de água, avalia-se como uma situação ideal para realizar o reúso. Atualmente, os critérios para reúso de água ainda estão em debate neste país (MENEGAKI et al., 2007).

A prática do reúso na Itália teve início de forma não planejada e indireta com o uso de águas altamente carregadas de esgotos domésticos e industriais no vale do rio Vettabia (Região da Lombardia, norte da Itália), no início do século XX. A alta concentração de produtos tóxicos, como o bromo, contribuíram para a degradação do solo e enfraquecimento das lavouras, fazendo com que o reúso de água fosse abandonado. Em regiões onde a água é escassa como Sicília, Sardenha e Puglia, há forte demanda por água de reúso. Atualmente, grandes projetos de irrigação com água de reúso têm se instalado nessas regiões e também na Emília Romana, num total de 4.000 ha, com tendência a serem ampliados em virtude da grande disponibilidade de esgotos tratados a níveis adequados para essa finalidade na Itália. Cabe ressaltar que a escala das estações de tratamento (60% de grande e médio porte) contribui para a viabilidade econômica dessa prática na Itália. A legislação italiana sobre o assunto está atualmente em revisão, devendo acomodar viabilidade econômica e proteção à saúde e ao meio ambiente. (LOPEZ et al., 2006). Na Espanha, o reúso é regulado pelo Decreto Real 1620/2007, que determina os requerimentos de qualidade mínima necessários. A Espanha reutiliza cerca de 15% dos efluentes de esgoto, devendo passar para 30%, em futuro próximo incentivada por política de reúso que visa o aproveitamento integrado dos recursos hídricos. Essa prática é mais intensa nas regiões de Valencia, Andaluzia e Catalunha (MONTE, 2007)..

Ao norte de Barcelona, no distrito da Costa Brava, está a principal agência de promoção do reúso de água dos últimos 15 anos. Nas regiões costeiras, há muita atividade turística, o que intensifica a necessidade de se proteger a qualidade das águas, como também pressiona a expansão das redes de abastecimentos, coleta e tratamento de água. Combinando-se esta situação com a crescente necessidade de água para irrigação, tem-se a no reúso uma grande oportunidade que combina conservação da água e incremento da disponibilidade hídrica para a agricultura. No final da década de 1980, a agência de gestão de água criou o Consórcio Costa Brava, CCB, e introduziu o conceito de reúso planejado de água. O CCB optou pelo desenvolvimento progressivo do reúso agrícola, ponderando a condição ideal do clima mediterrâneo, sujeito a secas periódicas, e a garantia de segurança para a saúde pública, mesmo antes das leis para regulação da prática na Espanha. (WINPENNY, et al., 2010).

Portugal optou por adotar os critérios de segurança da OMS acrescidos da

proibição de uso da água de reúso no cultivo de produtos agrícolas consumidos crus, cuja parte comestível esteja em contato com o solo. A segurança agronômica foi abordada pelos critérios apresentados pela FAO de toxicidade e grau de restrição à utilização de salinidade, pH, íons de cloro, sódio e boro e hidrocarbonetos. A norma portuguesa, assim elaborada, NP 4434, aplica-se exclusivamente à reutilização de águas residuais urbanas na rega de culturas agrícolas, florestais, ornamentais, viveiros, relvados e outros espaços verdes. O reúso agrícola tem sido a principal aplicação do reúso, que tem visto crescer o interesse do reúso de água em campos de golfe. Os principais projetos de reúso agrícola em pomares e vinhedo estão no sul do país, utilizando os efluentes de tratamento terciário de estações localizadas próximas a Lisboa. (MONTE e ALBUQUERQUE, 2010).

A difusão relativamente restrita do reúso agrícola planejado na Europa pode ser atribuída a fatores como: a dificuldade das autoridades de água aceitarem uma prática que insere riscos biológicos e químicos nos sistemas de recursos hídricos e saneamento; os custos e as dificuldades de realização de monitoramento de qualidade de água e solo em tempo real; a má gestão dos aspectos sociais, notadamente da aceitação do reúso; finalmente a interminável discussão entre cientistas sobre qual seria o risco aceitável.