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objeto ↔ atividade ↔ sujeito,

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegar ao final deste trabalho e examinar o processo de construção do mesmo, tenho clareza o bastante para perceber o que significou para mim e para a Júlia. Um ciclo expansivo de aprendizagem que me fortaleceu e que me impulsiona para seguir caminhos que apontam para outras direções e para uma certeza: os que trabalham na área de formação de professores não podem esperar mudanças em sua atuação junto a seus alunos, se não mudarem a sua forma de atuar junto ao próprio professor. Para que se possa ajudá-los na tarefa de construção de novos conhecimentos (incidir na sua “zona de desenvolvimento proximal” – ZDP) é preciso partir daquilo que ele sabe. Essa terá sido uma das importantes lições deste trabalho. Nesse sentido, entendo que o pensamento de Vygotsky, que tem inspirado tantas reflexões no que diz respeito às questões relativas ao desenvolvimento psicológico e à linguagem, as inspira também no que se refere à questão da formação dos professores. Para Júlia, as sessões reflexivas se transformaram em um momento de troca e negociação. Um espaço onde pôde se fortalecer como sujeito crítico, para poder expressar sua voz.

Investiguei o movimento causado pelas contradições entre os sentidos já construídos e os novos, o peso da sócio-história, o uso dos instrumentos e as limitações ou possibilidades impostas por eles e pelo meio. Meu processo...

No início desse percurso, difícil foi conseguir conter meu entusiasmo com as muitas descobertas de possibilidades de transformar minha atuação enquanto professora, colaborar com a professora Júlia e, conseqüentemente, com a escola. Difícil foi escrever tudo isso, priorizar, planificar, focalizar e organizar todas as informações. O trabalho para realizar as leituras e para construir uma fundamentação teórica, que desse sustentação para tudo o que estava vivenciando durante as sessões reflexivas, foi intenso, prazeroso e gratificante, mas ao mesmo tempo conflituoso, já que me levava para outras leituras e discussões. Sem dúvida, tudo isso constituiu-se numa ampliação do campo de pesquisa, mas com um grande risco de perder-me pelo caminho. Tudo era interessante, tudo merecia seu espaço nessa dissertação, mas como

fazer? Foi um árduo e demorado percurso, mas, finalmente, pude compreender que esse trabalho configurou-se num ponto de partida e não num final de um processo. Concluo, portanto, que a partir desse momento inicia-se um novo caminhar!

Os dois anos de mestrado marcaram e mudaram minha vida e meus objetivos profissionais. Esse tempo foi sentido como tempo de aprendizagem intensa, das muitas descobertas e da possibilidade de unir a teoria à prática.

Nesse período, pude cursar disciplinas, encontrar pessoas e com elas compartilhar as alegrias, angústias e tristezas da vida acadêmica, profissional e pessoal. Alegria por compartilhar e aprender com essas pessoas a ser uma leitora crítica, preocupada em dar sugestões pertinentes para a melhoria dos projetos e, principalmente, aprender com elas a ouvir e internalizar críticas sobre o meu projeto. Angústia com a pressão da orientadora, a querida Ciça, por temer a censura castradora dos acadêmicos, por ter medo de não encontrar o fio da meada. Angústia por me envolver em coisas demais, ser convidada a trabalhar na Coordenadoria de Educação Freguesia/Brasilândia e não poder estar presente em todos os eventos familiares.

As pilhas de livros e de textos que se amontoavam por todos os cômodos de minha casa foram companhias permanentes neste percurso. Além deles, a participação em simpósios, cursos e congressos foi marcante para meu desenvolvimento e, com eles, os contatos e as trocas de informações foram se ampliando, a visibilidade do projeto foi crescendo.

As qualificações – as informais e a formal – foram etapas que trouxeram novos rumos para a dissertação. As informais realizadas pela Adriana, Cristina, Ermelinda e João, todos colaborando com sugestões e questionamentos que me fizeram repensar, afinar, trocar a ordem, tirar algumas coisas e acrescentar tantas outras. Já na qualificação formal, pude me valer das orientações apresentadas pela Professora Drª. Anna Rachel Machado e, pela hoje doutora, Otília Ninin.

Os dias que antecederam a qualificação (momento em que escrevo essa conclusão), me faziam acordar no meio da noite preocupada, pensando na dissertação e tentando achar um rascunho e caneta para registrar os

anos de LAEL, perceber o processo de escrita da dissertação como um processo de gestação e de nascimento, que exige força, paciência, que mexe com meu ser e faz com que, no processo do entendimento que acontece aos poucos, sinto a presença de Deus e, emocionada, agradeço! Penso nas bênçãos derramadas, no sofrimento que gera aprendizagem e desenvolvimento, recordo todas as pessoas envolvidas no processo e choro. Finalmente, nasceu!

Com a elaboração desta dissertação, aprendi que essa visão de ensino-aprendizagem, na perspectiva sócio-histórico-cultural, pode colaborar para transformar a escola em um lugar onde são formadas pessoas críticas, para poderem atuar na sociedade e, por conseguinte, transforma-la. Percebi o incrível poder e a pesada responsabilidade que nós, professores temos em nossas mãos e aprendi que ações simples podem ter um efeito grande na constituição do sujeito e na transformação de sistemas de atividade dos quais participamos.

Aprendi que o mais importante é conseguir relacionar o conceito cotidiano, do senso comum, ou seja, aquilo que cada um traz para a sessão reflexiva da sua experiência e história, com o conceito científico, aquilo que é ensinado e aprendido. A junção desses dois tipos de conhecimento produz o conhecimento verdadeiro e é o ponto crucial do trabalho que acontece na zona de desenvolvimento proximal, conforme discutido por Vygotsky e pelos neo- vygotskianos. É um conhecimento que implica problematizar, é fazer uso de perguntas como instrumentos de mediação semiótica, as quais possibilitam a formação do pensamento crítico.

Além da visão cultural de ZPD, entendi que a aprendizagem e desenvolvimento são um processo de construção social, mediado pela ação do outro, no qual há uma fusão de experiências históricas e culturais e os sujeitos estão em constante formação e ajudam na formação de outros sujeitos.

A investigação sobre os sentidos, que entendia (e entendo) fazer parte do processo de ensino-aprendizagem dos alunos e das participantes da pesquisa, foi determinante para perceber que não adianta iniciarmos um trabalho de preparação para a escola, sem termos a oportunidade de refletir sobre as questões históricas e culturais que se ligam ao ofício de ser professor.

A educação na visão sociocultural e a formação crítica têm muito a colaborar para revelar a situação acima apontada. Portanto, tanto a preparação do professor, como a prática de sala de aula precisam ser reavaliadas. Em que medida damos aos nossos alunos a oportunidade de fazer ligações do conhecimento científico com o conhecimento espontâneo? De que forma enfatizamos a aula como um modo de ser no mundo, como uma forma de fazer com que nossa voz seja ouvida e respeitada? Como fazer uso de novos instrumentos ou mesmo usar, de formas diferentes, alguns que já fazem parte da nossa prática? Como trazer para a sala as experiências e histórias dos alunos e professores, de modo que elas passem a fazer parte integrante do currículo? Como podemos formar professores e alunos críticos que possam interferir positivamente na sociedade, como cidadãos? Essas constituíram as questões importantes que foram suscitadas e discutidas ao longo deste trabalho e que podem colaborar para um melhor entendimento e atuação em contextos de formação de professores.

Dessa forma, esse trabalho aponta para a necessidade de formação do professor para trabalhar na escola. Entretanto, não basta o conhecimento sobre a necessidade dos alunos. O professor precisa ser formado como um educador crítico e cidadão que possa valorizar o espaço da sala de aula como decisivo para a formação de alunos críticos e cidadãos. Só poderemos transformar o nosso discurso cidadão em prática efetiva, se tivermos oportunidade de vivenciar esse discurso na sala de aula, viabilizando-o em ações.

Cabe a nós, estudiosos dedicados à lingüística aplicada, que acreditamos no poder da linguagem como instrumento de mediação semiótica, que estudamos e trabalhamos com a teoria sociocultural e que nos propomos analisar os discursos humanos, dar início a este processo de mudança e transformação, começando pelo nosso próprio discurso e ação, nos sistemas de atividade dos quais participamos. Estaremos, assim, contribuindo para que os professores desconstruam os sentidos negativos que geralmente atribuem ao ensino-aprendizagem dos alunos.

Para onde vamos...

“Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros.

Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:

- Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.

- De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.

-Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.

-Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.

Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:

-Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não á terra, então abra suas asas e voe!

A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.

O camponês comentou:

-Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!

-Não – tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe:

-Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe!

Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas.

O camponês sorriu e voltou à carga: -Eu lhe havia dito, ela virou galinha!

-Não – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas.

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:

-Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!

A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.

Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou o típico kau- kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez para mais alto. Voou ... voou ...até confundir- se com o azul do firmamento...” (Boff, 1997: 27-34).

Ao finalizar esta dissertação, penso em asas, no vôo dos pássaros e o quanto e como essas metáforas estão presentes no meu trabalho de professora. Hoje, vem viva, na mente e na ponta do lápis, a imagem, a metáfora do pássaro, das asas. E penso nos meus alunos, na exclusão social, no preconceito. Penso nos meus encontros com a Júlia e, penso no ser possível. Na discussão, nas sessões reflexivas, nos sentidos construídos e atribuídos, na liberdade de se expressar, no fortalecimento das asas, na percepção da força que cada um pode descobrir em si. Na responsabilidade de ser um multiplicador do ser possível.

O professor tem, sim, esse poder, de dar asas, de motivar e incentivar o vôo. Eu aprendi a criar espaços de discussão e reflexão com a Júlia e aprendi que posso, que ela pode, que cada um pode transformar os sistemas de atividade, nos quais participamos, como o ser possível. O vencer o limite com o ser possível, usando, para isto, instrumentos que podem ser novos

fazer para o ser possível. E a sociedade pode ser muito melhor com o ser possível. As asas estão prontas e fortalecidas. E vou voar em direção a um sonho que começou a ser sonhado desde o início do trabalho com a formação de professores – formá-los para trabalhar com a heterogeneidade, com a história de cada aluno, respeitando-a e valorizando-a.