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Instrumento de mediação semiótica e linguagem

objeto ↔ atividade ↔ sujeito,

REGRAS COMUNIDADE DIVISÃO DE TRABALHO Figura 3 – Modelo do segundo momento da teoria da atividade

1.1.4. Instrumento de mediação semiótica e linguagem

Esta seção objetiva discutir os instrumentos de mediação semiótica com ênfase na linguagem, o mais importante instrumento de mediação semiótica, como apontado por Vygotsky. Ele propõe que o comportamento humano só pode ser entendido na história de cada indivíduo e que as forças sociais, culturais e históricas desempenham papel fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Na tentativa de diferenciar o ser humano do animal, ele se interessou por essa incrível capacidade humana de construir e usar instrumentos.

Os instrumentos mediadores servem, assim, como meios pelos quais o indivíduo age sobre fatores sociais, culturais e históricos, sofrendo, ao mesmo tempo, a ação deles. A idéia de mediação traz consigo uma série de implicações acerca do controle, feito por meio de forças externas e internas. Vygotsky (1934/1998) afirma que os seres humanos controlam a si mesmos “de fora para dentro” por meio de sistemas simbólicos e culturais. Com o auxílio dos signos, o ser humano pode controlar voluntariamente sua atividade psicológica e ampliar sua capacidade de atenção, memória, retenção de informações, através do anotar, da escrita de diário, do fazer associações, e pode, dessa forma, exercer influência no seu meio através desses instrumentos abstratos, os quais têm o poder de transformar a atividade humana, criando novos processos psicológicos.

Ao mostrar que os instrumentos ocupam lugar de destaque no quadro sociocultural, Vygotsky (1934/1999) diz que os seres humanos, além dos instrumentos físicos, fazem uso de instrumentos semióticos que medeiam a atividade intelectual. O conhecimento acadêmico, por exemplo, pode ser considerado como instrumento cultural, permitindo que sucessivas gerações tenham acesso a ele, modificando-o e adaptando-o para a solução de novos problemas, conforme discute Wells (1998).

Considerando o sistema de atividade, a forma como os sujeitos usam os instrumentos (Newman & Holzman, 2002; Russell, 2002 e Wells, 2000) pode transformar a atividade, à medida que esses sujeitos criam novos instrumentos ou novos usos para o mesmo instrumento. Wells (1998) afirma também que, quando os instrumentos são usados para que o sujeito consiga alcançar o objetivo de uma ação, esse uso pode ser considerado como uma operação,

através da qual a ação é realizada. Um exemplo disso é o uso do dicionário para a compreensão de palavras em um texto. Entretanto, quando o indivíduo ainda está aprendendo a fazer uso do instrumento, isso se mantém no nível da ação, pois ela exige ainda atenção consciente.

A discussão sobre instrumentos semióticos ficaria incompleta, entretanto, sem se enfatizar a importância da linguagem, considerada como o maior instrumento de mediação semiótica. Segundo Vygotsky (1934/1999), a linguagem é o sistema simbólico fundamental que organiza os signos em estruturas complexas. Ela permite lidar com objetos do mundo exterior, mesmo quando estão ausentes, promove a abstração, a generalização a partir de uma idéia inicial; ordena o real em categorias conceituais; é usada para comunicação e permite a transmissão e assimilação de informações e experiências acumuladas. Tem, então, um papel fundamental de organizadora do pensamento e das funções psicológicas superiores e a sua função primordial é a comunicação.

Como, também apontado por Vygotsky, em relação ao processo de desenvolvimento da consciência infantil, quando a criança começa a conhecer o que a rodeia, com a ajuda da fala torna-se possível a produção de novas relações com o ambiente, além de nova organização do comportamento. Toda a fala é social, incluindo a fala interna ou egocêntrica, que pode ser considerada como um instrumento do pensamento que ajuda a criança a criar soluções para possíveis problemas ou dúvidas. Mesmo mais tarde, na fase escolar, a fala egocêntrica continua como organizadora do pensamento.

Dessa forma, segundo Vygotsky, a linguagem imprime três mudanças essenciais para as funções psicológicas superiores:

• possibilidade de lidar com os objetos do mundo exterior, mesmo quando eles estão ausentes;

• generalização, abstração e análise de conceitos;

• comunicação, o que possibilita a preservação, transmissão e assimilação de informações e experiências acumuladas pela humanidade, ao longo da história.

O trabalho de Vygotsky sobre a mediação semiótica não chega, entretanto, a tratar do discurso, da importância do falante (para quem, de quem, o que, de onde e porque fala), nem de como o discurso é estruturado. Wertsch (1985) sugere que esta lacuna poderia ser preenchida com a teoria de Bakhtin sobre os gêneros do discurso. Hassan (2002) aponta que a análise do discurso poderia contribuir para um olhar mais detalhado para a mediação semiótica, enfatizando que além da ação, objeto, motivo e resultado, essa análise poderia contribuir para a compreensão das transformações propostas pela teoria da atividade.

Também Wells (1998) salienta que o discurso lingüístico desempenha um papel mediador vital, tanto na negociação dos objetivos a serem alcançados, como nos meios utilizados para alcançá-los. O discurso também permite que os aprendizes percebam a importância do que aprendem e para que aprendem, possibilitando tanto a internalização como a externalização da informação.

Neste trabalho, a discussão sobre a linguagem como um instrumento de mediação semiótica é fundamental, pois fazendo uso desse instrumento, as professoras poderão alterar a sua posição na comunidade escolar em que atuam, fazendo esse processo avançar no microcosmo da sessão reflexiva.

O uso das perguntas como instrumento de mediação semiótica para a formação e desenvolvimento da professora nas sessões reflexivas é outro aspecto que será discutido na base teórica de análise de dados, ligando-se, portanto, a esse tópico e destacando a importância dos instrumentos.

Trato, a seguir, das questões de sentido e significado, que, segundo Moita Lopes (2002), são construídos quando agimos no mundo social e são definidores da realidade social à nossa volta e de nós mesmos. Esses significados e sentidos construídos nas práticas discursivas, segundo ele, revelam como os indivíduos compreendem o mundo, a si mesmos e aos outros. Os indivíduos têm, portanto, suas identidades sociais construídas nas interações sociais das quais participam, tendo o discurso um papel central como força mediadora dos processos de construção das identidades sociais, como o confirma Moita Lopes:

“Nossa diferença consiste no fato de que nossas faces estão viradas uma para a outra; podemos ler em cada ser humano uma história composta em um mundo social, e podemos lê-la somente porque somos membros de tal mundo.” (Backhurst e Sypnowich, 1995, apud Moita Lopes, 2002:198)

Moita Lopes acrescenta que nossas identidades são multifacetadas e não são fixas, considerando que mostramos a face social a partir do que o outro representa para nós e, também, em quem é o outro, podendo ser contraditórias, o que é revelado no discurso.