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Este capítulo tem por objetivo apresentar e discutir os fundamentos teóricos que dão sustentação ao trabalho e que me permitirão responder às perguntas de pesquisa, fornecendo suporte necessário para a discussão dos resultados. A importância da discussão teórica está em permitir que o pesquisador amplie o seu olhar e trave um diálogo constante com seus dados. Nesse projeto, a discussão teórica possibilitou-me tecer ligações, trouxe sentido e voz para as minhas histórias e para os relatos da professora participante, para nossas aulas e para os sentidos que eu e a professora atribuíamos e atribuímos ao ensino-aprendizagem-desenvolvimento.

Para isto, este capítulo divide-se, então, em quatro partes. Na primeira, discuto a teoria da atividade, apresentando seu histórico e características, para em seguida discutir os conceitos que me permitirão entender os componentes do triângulo, representação gráfica da atividade ou sistema de atividade, como: a constituição do sujeito, os instrumentos de mediação semiótica, objeto e resultado, divisão de trabalho, regras e comunidade e a relação entre eles que pode resultar em contradições ou conflitos. Nesse momento são discutidos também a linguagem como instrumento de mediação semiótica, assim, como significado e sentido, contexto e cultura.

A segunda parte objetiva discutir o conceito de dialogia bakhtiniana, pois é nessa prática que eu e a professora manifestamos nossos sentidos.

A terceira parte investiga questões referentes à formação contínua e reflexiva dos profissionais da educação e aos conceitos de reflexão e de colaboração.

Finalmente, na última parte, apresento a base teórica de análise de dados, que inclui Kerbrat-Orecchioni (1996), especificando os princípios que regem o sistema de turnos em uma conversação, as relações horizontais e verticais e a noção de polidez.

1.1. Teoria da Atividade

Inicio esta seção definindo a teoria da atividade (TA) e explicando a relevância dessa abordagem para esta dissertação, para, em seguida, traçar um histórico, desde o surgimento, começando com as discussões de Vygotsky (1982) sobre a consciência e chegando até as concepções de Engeström.

A teoria da atividade é definida por Russell (2002) como uma abordagem filosófica e heurística, que permite estudar as diferentes formas da ação humana, mediadas por instrumentos, levando sempre em consideração fatores históricos e culturais. Esta teoria enfatiza a mediação semiótica, a importância do uso de instrumentos ou artefatos no processo de aprendizagem. A aprendizagem não é apenas uma simples internalização da informação, mas um movimento expansivo que envolve transformação no uso de instrumentos e na forma como os indivíduos usam estes instrumentos para ensinar e aprender, para transformar e serem transformados.

Sobre esse aspecto, Lantolf (2000) argumenta que, para Vygotsky, os seres humanos não agem diretamente sobre o mundo físico, precisando fazer uso de ferramentas que permitam, então, que ajam no mundo, no modo de viver e na natureza das relações humanas. Essas ferramentas são os instrumentos ou artefatos físicos e psicológicos, os quais são criados pela cultura e são passados para as outras gerações com algum tipo de transformação. Cada geração transforma sua herança cultural de acordo com suas necessidades.

Como características da teoria da atividade, Cole (1996) aponta a ação sempre mediada pelo contexto sócio-histórico, a idéia da mente como algo que surge na atividade mediada conjunta das pessoas, sendo então co- construída; aponta também os indivíduos como agentes ativos em seu próprio desenvolvimento, embora não ajam em cenários de sua própria escolha e, por último, mostra a ligação com outras áreas do conhecimento como as ciências sociais e biológicas.

São cinco os princípios, que segundo Engeström (1999), resumem a teoria da atividade:

1. o sistema de atividade é coletivo, mediado por artefatos e orientado para um objeto, com as ações e operações geradas neste sistema fazendo com que ele se realize e se reproduza a si mesmo; 2. há uma multiplicidade de vozes presentes nos sistemas devido a múltiplos pontos de vista, interesses e tradições de seus participantes, que trazem para os sistemas dos quaisparticipam suas histórias e experiências;

3. os sistemas de atividade são transformados ao longo do tempo e só podem ser compreendidos em toda a sua complexidade, se sua história puder ser estudada;

4. as contradições são fontes de mudança e de desenvolvimento, gerando perturbações e conflitos, mas possibilitando mudanças na atividade. Nessa teoria, as atividades coletivas são culturalmente mediadas e orientadas por um objeto e motivo comuns. Entretanto, como nem todos os sujeitos envolvidos na mesma atividade compartilham o mesmo objeto, isso ocasiona, na maioria das vezes, um conflito entre o individual e o coletivo, entre o que é internalizado e o que é externalizado. As contradições ocorrem, também, entre os participantes da atividade, que trazem para a mesma histórias e práticas distintas, entre sujeito e instrumento, entre regras e sujeito, divisão de trabalho e outros elementos no sistema. Como instrumento de análise, a teoria da atividade possibilita identificar tanto o conflito, como a fonte geradora de contradições e tensões que, possivelmente, poderão se transformar em conflitos.

5. Estas possíveis transformações geram um ciclo expansivo, que pode ser compreendido como um trabalho na zona proximal de desenvolvimento. Pesquisadores como Sellman (2001), Engeström (1999) e Cole (1996) têm desenvolvido pesquisas sobre as contradições internas em um sistema de atividade, como forças

também por esse movimento na atividade e em descrever como os sistemas interagem e expandem.

O quadro abaixo sistematiza esses princípios e os relaciona com a situação estudada:

Quadro 1 – Princípios da Teoria da Atividade Teoria da Atividade

Síntese dos princípios Realização nesta pesquisa 1. Sistema de atividade coletivo é a

unidade de análise

-coletivo e mediado por artefatos e orientado para o objeto;

- se realiza pelas ações e operações;

- ações individuais e do grupo são entendidas como parte do sistema

O conjunto de sessões reflexivas realizadas é um sistema de atividade coletivo, do qual participamos eu e a professora. O objetivo desse sistema é o desenvolvimento das participantes e o resultado é a aprendizagem do aluno.

2. Multiplicidade de vozes no sistema

- múltiplos pontos de vista; - múltiplos interesses e tradições;

- a divisão de trabalho cria posições diferentes para os participantes;

- os participantes têm histórias distintas; - múltiplas camadas em seus artefatos e regras;

- os sistemas interagem;

- o sistema é fonte de questionamento e inovação

São os textos trazidos pelas participantes -e a voz de seus autores - para leitura e estudo, são tambémas vozes das outras profissionais que trabalham na Unidade Educacional e as prescrições das instituições que regem a Unidade (Coordenadoria da Educação, Secretaria Municipal da Educação).

3. Historicidade

- os participantes têm sua história e estão inseridos em contextos diversos;

- os sistemas são transformados ao longo do tempo;

- a história da atividade, seu objeto, instrumentos e idéias teóricas precisa ser estudada.

As histórias e experiências das participantes são determinantes para entender a função que as participantes exercem (contexto sócio- histórico-cultural) e a posição dos sujeitos no sistema.

4. Contradições

- fontes de mudança e desenvolvimento; - geram perturbações e conflitos, mas também renovam tentativas de mudar a atividade

As contradições observadas nesse sistema, como, por exemplo, a visão de aluno e de professor e a concepção ensino- aprendizagem geraram contradições no mesmo.

5. Transformações expansivas

- as contradições e possíveis transformações geram um ciclo expansivo, que pode ser compreendido como um trabalho na zona proximal de desenvolvimento.

São os questionamentos das tarefas organizadas pelas participantes, com possibilidades de análise e refacção das estratégias.

Nesta dissertação, como já apontei, a sessão reflexiva é entendida como um sistema de atividade coletivo, do qual participam eu e a professora. O objeto desse sistema é o desenvolvimento dos participantes e o resultado a ser alcançado é a aprendizagem do aluno. Existe nele uma multiplicidade de vozes trazidas pelos participantes, a minha e a da professora, além de suas histórias e experiências, e da herança cultural de suas comunidades. A teoria da atividade mostrou-se adequada para entender a complexidade deste contexto, no qual estão presentes questões sociais, culturais e históricas, permitindo-me tecer a ligação entre a teoria e a prática e apontando para a necessidade de investigar historicamente os sujeitos e os sistemas nos quais participam.

Passo, a seguir, a discutir o histórico da teoria da atividade. 1.1.1. Histórico

A teoria da atividade tem raízes históricas oriundas de três vertentes: a filosofia clássica alemã de Kant e Hegel, os escritos de Marx e Engels e a psicologia soviética fundada por Vygotsky, Luria e Leontiev. O termo surgiu na década de 20, na escola histórico-cultural soviética de psicologia, emergindo dos estudos de Vygotsky sobre a consciência. O conceito representa a essência da psicologia soviética e vem passando por transformações desde sua elaboração.

Em seus primeiros estudos sobre a consciência, Vygotsky (1982) sugere que a atividade socialmente significativa pode ser considerada como geradora de consciência por meio da relação com os outros. Nenhuma outra teoria tinha conseguido explicar, anteriormente, o funcionamento da consciência e a origem dos processos psicológicos superiores, que são produtos da atividade mediada. Nesse estudo, ele conseguiu romper o círculo vicioso da explicação da consciência pela consciência, do comportamento pelo comportamento, quando traçou, segundo Kozulin (1998), uma delimitação entre o objeto de estudo e o princípio explanatório1. Para Vygotsky, o comportamento

1

Foi essencial para o trabalho de Vygotsky a especificação para a psicologia do princípio marxista sociometodológico da transformação do indivíduo e da espécie por meio do uso de instrumentos. A atividade prático-crítica transforma a totalidade do que existe; é esta atividade revolucionária que, segundo Newman e Holzman (1993/2002), é essencial e especificamente humana. Tal atividade

e a mente humanos devem ser considerados como ações intencionais, ao invés de serem apenas respostas biológicas e adaptativas. A atividade ocupa, então, o lugar do traço na fórmula behaviorista, do estímulo e resposta:

E – R

transformando-se em: