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Sessões reflexivas intermediárias

objeto ↔ atividade ↔ sujeito,

Capítulo 3 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3.1. Sentidos revelados pelas professoras sobre seu trabalho

3.1.2. Sessões reflexivas intermediárias

Conforme estudávamos, discutíamos e elaborávamos as atividades e as realizávamos em sala de aula com os alunos, o sentido da professora sobre o papel de aluno, a interação e o papel do professor foi gradualmente sofrendo alterações, porém, com muita resistência, principalmente em relação aos aspectos relacionados à cópia.

...Achei excelente porque, eu passei mais tempo trabalhando com

eles e, percebi que eles ficaram mais entusiasmados. Trabalhamos com

música, com palavras fáceis, no caso BOI que é fácil, com cópia (...) eu acho que essa atividade foi ótima (Sessão Reflexiva 13/12/2005)

O entusiasmo da professora demonstrado com a presença da modalização apreciativa (“Achei excelente ...”), com as novas descobertas em sala de aula, fica evidenciado pelos comentários, marcados pelas escolhas lexicais, no recorte acima como: “(...) passei mais tempo trabalhando com eles (...)”, “(...) eles ficaram mais entusiasmados (...)”. Isso demonstra a construção

de um novo sentido para o ensino-aprendizagem dos alunos: eles são capazes de se envolver com as atividades propostas e aprender. Aparece aqui o movimento do objeto/ do sistema de atividade, a professora inicia a tomada de uma nova ação, porém, sua prática continua atrelada à cópia. O trabalho docente pode ser abordado e analisado neste momento das sessões reflexivas em função da experiência da professora (Vygotsky, 1982/1999), quer dizer, do trabalho e do modo como é vivenciado e recebe significado por ele e para ele. Aqui, a experiência prática pode ser vista como um processo de aprendizagem espontânea que permite à professora adquirir certezas quanto ao modo de controlar fatos e situações do trabalho, atribuindo-lhes sentidos como o que se observa em relação à cópia. Essas certezas correspondem a crenças e hábitos cuja permanência vem da repetição de situações e de fatos. Podemos observar isto, no excerto já comentado da sessão reflexiva de 23/11/2005, em que a professora afirma que aprendeu por meio da repetição/ memorização e acredita que seus alunos poderão aprender da mesma forma. Assim, sua prática se pauta em métodos que privilegiam a repetição e memorização, por mais que nesse momento (sessão reflexiva de 13/12/2005) ela demonstre acreditar na capacidade dos alunos e no papel das ações mediadas por ela. Essa característica pode ser observada também, no excerto abaixo:

...Então, eu acho que assim, é o texto assim rodado pra eles fica bom, fica mais organizado e a criança se prende mais, porque, eles não estão

só copiando da lousa porque, no caso, se torna cansativo, eles copiam muitas vezes e não gravam né. Aqui, eles não precisam estar copiando todo o

texto, é mais fácil, acho que eles gravam melhor a letra (...) então percebi que

eles ficam mais centrados na lição e como têm várias folhas é, posso estar

ficando mais tempo com eles, dando maior atenção para cada mesa (Sessão Reflexiva 13/12/2005)

Aqui já existe a percepção da professora de que existiu um planejamento para as ações desenvolvidas em sala de aula e isso se reflete no comportamento dos alunos, “(...) mais centrados(...)” e na própria interação estabelecida entre a professora e os alunos, “(...) posso estar ficando mais tempo com eles, dando maior atenção para cada mesa.”.

As sessões reflexivas são, então um sistema de atividade, cujo objeto está se transformando (Engeström, 1999), à medida que os sujeitos agem e interagem, usando o discurso como instrumento de mediação semiótica. Este espaço pode colaborar na transformação de identidades, conforme discutido por Moita Lopes (2002), e pode propiciar a constituição de um novo professor, mais seguro de seu potencial, que pode repensar o seu papel de cidadão e a sua ação na sociedade.

Aos poucos, Júlia passou a estabelecer relações entre os textos pedagógicos que estudávamos com sua prática, conforme observação do trecho da sessão reflexiva de 03/01/2006:

... No texto quando ela fala assim: ‘... enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler e que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal’, assim, no caso, isso é o que acabo fazendo, quando dou a família, por exemplo, a família do B BA BE BI BO BU, no caderno eles assim, mecanicamente eles estão copiando mais isso não significa que foi gravado, eles não raciocinam assim, pra ter a compreensão de que aquilo é o B (Sessão Reflexiva 03/01/2006)

Júlia começa a atribuir sentido ao planejamento, à importância da interação e, conseqüentemente, percebe o aumento de interesse dos alunos.

Eee, da gente estar trabalhando mais tempo, eu fico mais tempo conversando com eles, e é o que propicia os alunos estarem se organizando

mais, e organizando mesmo, mentalmente o que está se passando quando a

gente lê o texto e quando trabalhamos item por item, né, todo mundo junto, não como eu fazia, que eu passava caderno por caderno, uma letra qualquer (...). e aqueles, também, que estavam copiando, realmente, eles estavam apenas copiando, aquilo não estava sendo gravado, aprendido, não tinha significado (...). (Sessão Reflexiva 03/01/2006)

No trecho acima, a professora deixa claro que os alunos tiveram a oportunidade de discutir o tema, expressar suas idéias. Isso confirma a importância de trazer, para a sala de aula, experiências dos alunos, informações e histórias, que precisam ligar-se ao texto trabalhado, para dar vida e significado a ele. Portanto, Júlia começa a possibilitar que outras vozes

se coloquem durante a aula (Bakhtim/Voloshinov, 1929/1995). Entretanto, essas experiências precisam ser problematizadas para que possam ser instrumentos de aprendizagem, para que haja um movimento na zona de desenvolvimento proximal (ZDP).

É, esmiuçar o texto, né? Então, a gente, o professor, tem que estar

junto com eles, com os alunos, ééé, então, ta entrando e atuando na ZDP, né?

(...) Então, o professor tem que estar atuando diretamente, senão, não tem como eles estarem aprendendo, além do que corre-se o risco de eu cair no mesmo problema do ano passado, cópia, cópia, cópia sem sentido para o aluno e, não proporcionar aprendizagem de fato, como pressupõe Vygotsky. (Sessão Reflexiva 16/01/2006)

A professora percebe que a concepção de Vygotsky sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizado, e particularmente sobre a ZDP, estabelece forte ligação entre o processo de desenvolvimento e a relação do aluno com seu ambiente sócio-cultural e com sua situação de sujeito que não se desenvolve plenamente sem o suporte do outro. É na ZDP que sua interferência enquanto professora, juntamente com a de outros, é mais transformadora. A implicação dessa concepção vygotskiana para o ensino escolar é imediata. Se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, então a escola, na figura do professor, tem um papel essencial na construção do ser psicológico do aluno. A professora começa a perceber que tem o papel explícito de interferir na ZDP dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente.