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objeto ↔ atividade ↔ sujeito,

Capítulo 3 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3.1. Sentidos revelados pelas professoras sobre seu trabalho

3.1.3. Sessões reflexivas finais

O recorte abaixo parece indicar que a professora considera o dar voz aos alunos como importante para o ensino-aprendizagem e como uma possibilidade de formar alunos críticos. Nota-se que, neste momento da pesquisa (sessão reflexiva 09/02/2006), há uma preocupação de introduzir as atividades, escutando, em primeiro lugar, a opinião dos alunos. A professora expressa também outro sentido para ZDP, que se liga à visão cultural de ZDP, definida como a distância entre o conhecimento científico fornecido pela escola

conhecimento verdadeiro, conforme discutido por Vygotsky (1934/1987). Júlia começa a entender que essa ligação entre os conhecimentos espontâneos, que surgem da experiência prática, e os conceitos científicos, que são ensinados e aprendidos na escola, é vista, por Vygotsky, como ponto crucial do trabalho de ZDP.

Então, é, através dos textos tem mais a ver com, com esse texto aqui “o papel do outro na constituição do conhecimento”, ele tem mais a ver com que a gente está trabalhando, com texto, que vai, realmente estar fazendo este papel

de mediador e, isso era o que não acontecia antes, que era só uma cópia, uma coisa jogada, então, a gente não estava assim, ééé, praticamente não estava assim, ouvindo mesmo o aluno, a gente não sabia o que o aluno já sabia, a gente não estabelecia aquela troca. Agora, com os textos, eu acho que fica mais

fácil pra gente trabalhar, a gente vai estar sempre em contato com eles, a gente vai estar o tempo todo, através das questões (...) (Sessão Reflexiva 09/02/2006)

Saber escutar o aluno não significa concordar com sua leitura de mundo e se acomodar. Respeitar e escutar sua opinião é, antes de tudo, procurar ser simpático a ela. É a maneira com a qual o professor com o aluno e não sobre ele, tenta a superação de uma maneira ingênua por uma outra mais crítica de se colocar e entender o mundo que o cerca. No fundo, o professor que respeita e escuta seu aluno, reconhece a história real do saber, o caráter histórico do processo de ensino-aprendizagem, assumindo, dessa forma, a humildade crítica própria de seu papel mediador.

Na penúltima sessão reflexiva (09/02/2006), a professora já tem consciência do seu papel e da transformação ocorrida:

... através desses textos, a gente vai, igual ao que você falou,

redefinir nossa função, né, porque não tem como estar chegando na classe/na criança se a gente não mudar nosso papel, né? (...) Eu tinha aquela

preocupação da sala muito heterogênea, não conseguia trabalhar né, mais agora, vejo que o importante é que ela seja mesmo assim, heterogênea, porque através da diferença que a gente vai conseguindo que uma criança ajude a outra, eles vão ter a oportunidade de trabalhar com todos da sala, (...). Então, através dessa

minha transformação e mudança de atitude, de postura comecei a perceber também que muitas vezes, quando as crianças estavam conversando que,

conversas eles estão se conhecendo, descobrindo várias coisas juntos e, o

mais importante que aprendi, é que a gente também pode estar aprendendo, conhecendo eles (alunos) e descobrindo com cada um deles, dos alunos(...)

(Sessão Reflexiva 09/02/2006)

O excerto acima, sessão reflexiva 09/02/2006, indica também a importância da interação no processo de aprendizagem e o papel do outro (Vygotsky, 1934/1987). Isto parece evidenciar o sentido que Júlia atribui à interação, à aprendizagem e ao trabalho na ZDP, ao outro, o par mais competente para mediar a ação na ZDP. Nesse excerto a visão de ZDP da professora parece ser a visão reducionista que privilegia a participação e o nível de ajuda daquele que “sabe o conteúdo”, considerando-o, sempre, como o par mais competente. Realmente, a princípio, essa pode ter sido sua visão do papel daquele que “sabe mais” como o par mais desenvolvido. Entretanto, logo a professora pôde perceber que no trabalho na ZDP ocorrem inúmeras outras formas, muitas vezes não previsíveis, levando-se em consideração o que cada um traz para o processo de aprendizagem.

Ao enfatizar a importância do outro no processo de aprendizagem, o que pode ser percebido no excerto acima, é que a professora expressa outros sentidos construídos sobre a ZDP, como uma zona de construção, onde alunos aprendem com os outros, assim como ela, também, participa desse processo, construindo novos conhecimentos (“(...) eles estão se conhecendo, descobrindo várias coisas juntos e, o mais importante que aprendi, é que a gente também pode estar aprendendo, conhecendo eles (alunos) e descobrindo com cada um deles, dos alunos (...)”). Isso é fundamental e esse processo contínuo de interação promove sistematização, reorganização de conhecimentos para uns e a construção de novo conhecimento para outros, conforme discutido por Lee e Smagorinsky (2000) e apontado no capítulo 1. O papel do outro na aprendizagem é fundamental, não na visão unilateral, somente do mais competente para o menos competente, mas como algo recíproco, uma relação dinâmica, que conforme já mencionado, promove uma contínua construção e reorganização do conhecimento.

A interação, nesse caso, conforme exemplificado no excerto acima, é fundamental e permite que um aluno ajude o outro a compreender a tarefa, a

organizar e a trazer para a cena aquilo que sabe ou que ainda não percebeu que sabe, sendo a linguagem o instrumento de mediação semiótica que viabiliza esse processo. Isso possibilita troca, ampliação e organização de vocabulário para que os alunos possam ter mais opções para expressarem suas opiniões sobre si mesmos e sobre os outros. Esse trabalho pode ser entendido como um movimento na ZDP, como discutido por Steiner (1996), Lee e Smagorinsky (2000), Putney et al (2000) que consideram a aprendizagem como social e participativa.

Isso me remete à discussão sobre a formação cidadã (Gentili, 2001), que não se limita a direitos e deveres, mas à possibilidade de transformar a sala de aula em um espaço, no qual os alunos possam questionar e refletir sobre a forma de agir e como isso interfere no comportamento do outro (o que também ocorre nas sessões reflexivas).

A discussão em sala de aula e nas sessões reflexivas (Giroux, 1997; Freire, 1970; Brookfield e Preskill, 1999) permite o desenvolvimento do pensamento crítico, principalmente quando os participantes têm a oportunidade de expressar suas opiniões sobre assuntos complexos, o que envolve regras de participação como o saber ouvir, tomar o turno, concordar ou discordar, completar o pensamento do outro. Cabe ao professor ou coordenador da sessão sistematizar essas regras, fazendo com que os participantes percebam que aquele espaço é um microcosmo onde eles podem ensaiar a participação efetiva na comunidade.

Isso liga-se à discussão de Hedegaard (2002) sobre o bom ensino, aquele que consegue combinar conhecimentos e habilidades que o aluno traz para a escola, com aquilo que a escola pretende ensinar, ou seja, há uma relação das experiências com a parte teórica, para a qual todos podem contribuir.

Finalizo essa seção, com um quadro que sintetiza os sentidos da professora, tanto os que atribuía e os desconstruiu, como aos novos que construiu sobre os papéis de professor, aluno e concepção de ensino- aprendizagem.

Quadro 8 - Sentidos iniciais, intermediários e finais da professora

Sentidos

Temas Iniciais Intermediários Finais

Papel de

Professor Professor é visto como transmissor do conhecimento. Valorização da mediação (ZDP) e interação. Importância do papel mediador do professor. Papel de Aluno Alunos

repetidores; Decoram e copiam o conteúdo transmitido; Alunos desinteressados, bagunceiros. Os alunos aprendem melhor quando interagem com o outro (professor/aluno). Interação gera desenvolvimento; Os alunos são capazes de aprenderem sem cópia. Concepção de ensino- aprendizagem Concepção tradicional de ensino, pautado na transmissão do conhecimento e na valorização da cópia. Valorização: - do planejamento; - das atividades significativas para os alunos; - do trabalho com diferentes tipos de textos. Valorização da construção significativa do conhecimento.