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CAPÍTULO 1- O MUSEU DE ARQUEOLOGIA DE ITAIPU E SUAS

1.3 Considerações parciais

Podemos perceber que as relações entre o IPHAN e os moradores, em especial com os pescadores de Itaipu, passaram a se estabelecer no período que antecedeu o tombamento dos remanescentes do Recolhimento de Santa Teresa.

Em um primeiro momento, o Estado e a Colônia de Pescadores apoiaram-se mutuamente. Com base nos documentos e na política cultural desse período, é possível interpretar que esse apoio visava enfraquecer uma empresa privada. A Companhia Territorial de Itaipu loteava o bairro de Itaipu, causando diversos problemas e inseguranças relativos à regularização fundiária e apresentava-se como proprietária legal de um imóvel que era objeto de interesse do DPHAN.

Após o tombamento, tendo em vista o conflito de interesses sobre os usos e destinações das ruínas, os pescadores e o IPHAN passaram a se desentender. Por outro lado, a Companhia Territorial de Itaipu, agora comprada pela empresa VEPLAN, recebe autorização do IPHAN para uma pesquisa que seria seguida pela destruição de dois sítios arqueológicos em Itaipu. Os resultados dessa pesquisa, deram origem à única coleção arqueológica que é reconhecida como “científica” pelos arqueólogos profissionais – a coleção de blocos testemunhos do MAI.

Mais de 20 anos após do tombamento das ruínas, a criação do Museu de Arqueologia de Itaipu é uma ação que consegue, ao mesmo tempo, promover a definitiva desocupação dos interiores das ruínas, fortalecer a disputa pela profissionalização do campo da Arqueologia e responder aos acervos arqueológicos do entorno. Podemos perceber que o MAI é fruto de um complexo passado histórico e sua existência está diretamente associada às disputas e relações de poder. Essas disputas, que estão também associadas às transformações urbanas da região, acabam por conformar, não apenas as ações do Museu, mas as relações locais.

Observando a importância histórica do Recolhimento de Santa Teresa, transformado em Museu de Arqueologia de Itaipu, o caráter local desse Museu,

82 evidenciado pela categoria regional dentro da política empreendida pelo IPHAN ou as particularidades que envolvem a pesca no litoral fluminense, é possível questionar as motivações que levaram à criação de uma instituição dedicada exclusivamente ao patrimônio arqueológico.

Para a ex-diretora do Museu, Maria de Simone, no que tange aos 35 anos de existência do MAI, ele foi forjado de uma forma diferente do que havia sido planejado:

A situação plantada por esta exposição [Aspectos da pré-história do Rio de Janeiro na faixa litorânea compreendida entre Niterói e Cabo Frio] somada às dificuldades técnico-administrativas e financeiras que assombram as instituições públicas brasileiras, acabaram por forjar um museu diferente daquele idealizado, que existiria em relação direta e integradora com seu entorno. Ao contrário disso, o que se nota neste quase 35 anos de história do museu é que sua criação parece ter contribuído mais para o afastamento do que para aproximação da comunidade.

A prática do MAI ganhou outro contorno, diferente e distante do de sua comunidade por um lado, e sem qualquer ligação com a pretensão anterior de se tornar lócus de pesquisa científica por outro, posto nunca ter havido um arqueólogo no quadro técnico da instituição que pudesse levar adiante as pesquisas de escavação projetadas para acontecer na região. Em oposição a isso, todas as vezes que pesquisas ocorreram em Itaipu, fosse no Sambaqui de Camboinhas (1979), nas ruínas do recolhimento de Santa Teresa (1991) ou no sítio Duna Grande (2010), elas sempre aconteceram em caráter emergencial e de salvamento, e foram realizadas por equipes externas ao museu. (FERREIRA, 2011.p.250)

É preciso considerar a pertinência das colocações da autora. Um mesmo discurso pronunciado durante 27 anos, tempo de vigência da segunda exposição de longa duração, necessariamente deixa marcas na instituição. Da mesma maneira, o desenvolvimento de qualquer museu com uma equipe reduzida ou nula formatará a sua presença ou ausência na participação das relações com seu entorno. No caso de museus públicos, soma-se ainda o excesso de formalismo, a despersonalização do trabalho e a hierarquização na tomada de decisões, características exigidas pelo sistema burocrático que criam barreiras e às vezes tornam essas instituições incapazes de solucionar as necessidades e os conflitos internos e externos.

É possível afirmar pelos documentos e relatos, que recentemente, em especial nos últimos 9 anos, o MAI passou, e talvez ainda passe, por um momento de questionamento e reflexão sobre suas ações. Essas reflexões foram motivadas pelas mudanças na estrutura política do país, notadamente aquelas que se referem às políticas culturais, mas também podem ser diretamente associadas ao fortalecimento do corpo

83 funcional e à percepção da equipe do Museu sobre o lugar que a instituição ocupa no território e como sua atuação pode estar voltada para a qualidade de vida dos moradores de Itaipu, quanto à preservação ambiental e à memória da pesca. Como afirma Mario Chagas, o fato de instituições terem surgido sob um caráter celebrativo, não significa que estão fadadas a jamais desenvolver trabalhos de estímulo à recepção crítica e à maior participação social. Alguns, e incluo o MAI dentre eles, buscam transformar-se gradualmente em equipamentos voltados democraticamente para o trabalho com o poder da memória (CHAGAS, 2006, p.33).

No entanto, para compreender essa busca por mudanças e as influências externas, ainda é preciso analisar como se deram as transformações externas, principalmente no que se refere ao ambiente natural e aos modos de vida dos moradores de Itaipu, em especial dos pescadores artesanais. Seguimos então para o segundo capítulo.

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