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CAPÍTULO 1- O MUSEU DE ARQUEOLOGIA DE ITAIPU E SUAS

1.2 Identificação do Museu de Arqueologia de Itaipu

1.2.4 O caráter arqueológico do MAI e seus acervos

Como afirmamos, não é apenas na querela entre arqueólogos amadores e profissionais que reside a questão arqueológica no MAI. Além do passado do Recolhimento de Santa Teresa, o contexto arqueológico do MAI também se justifica pela descoberta de três sítios arqueológicos nas proximidades. Foram encontrados, durante a abertura das estradas e nos processos de urbanização da Região Oceânica, três sambaquis: Duna Grande (1962), Duna Pequena (1978) e Camboinhas (1979), todos eles em áreas muito próximas ao MAI. As descobertas arqueológicas pré-históricas na região de Itaipu indicam que a ocupação humana no local data de cerca de 8 mil anos.

O sítio arqueológico da Duna Pequena já está parcialmente destruído em 1978 por ocasião da abertura da estrada de Camboinhas. No ano seguinte é elaborado um projeto de salvamento que tinha por objetivo a reconstituição do quadro arqueológico e ecológico do litoral de Itaipu e estudos da adaptação de culturas caçadoras, pescadoras e coletoras litorâneas. A pesquisa estava diretamente ligada à urbanização da orla de Camboinhas e Itaipu, área que tinha por proprietária e realizadora das obras a empresa Veplan, antiga Companhia Territorial de Itaipu S.A.

Durante a pesquisa no Sítio da Duna Pequena, localizou-se um novo sítio: o Sambaqui de Camboinhas. São provenientes desse sítio os blocos testemunhos pertencentes ao Museu e apenas um dos seis blocos foi datado, constando sua existência de 8.000 mil anos (ou 6.000 a.C). Os estudos arqueológicos nessa região foram coordenados pela Prof. Dra. Lina Maria Kneip, por meio de um acordo de cooperação técnica entre o IPHAN e o Museu Nacional. Esse acordo tinha por objetivo a localização, identificação e verificação do estado de conservação dos sítios arqueológicos do estado do Rio de Janeiro e a reconstituição do quadro arqueológico e ecológico do litoral de Itaipu; os estudos da adaptação de culturas caçadoras, pescadoras e coletoras litorâneas e a evolução do meio natural. (IBRAM, 2014, p.14)

Dos três sítios arqueológicos, apenas o sambaqui de Duna Grande não foi destruído para a construção dos novos loteamentos e ruas durante o período de urbanização do bairro. Contraditoriamente ao interesse arqueológico demonstrado pela criação do MAI, os dois sítios obtiveram, por parte do IPHAN, o licenciamento para sua destruição, sendo que um deles, o Sambaqui de Camboinhas, era o último remanescente arqueológico desse tipo de sambaqui na região (FERREIRA, 2012, p.13).

60 O sítio restante, Duna Grande, foi, por ocasião do cinquentenário do IPHAN, escolhido como monumento símbolo da Pré-história brasileira. Embora sua proteção seja assegurada pela Lei Federal nº 3.924/61, o seu tombamento encontra-se em processo desde 198640 – há quase 30 anos. Diz a pesquisadora Eliana Teixeira Leite41,

sobre a importância da Duna Grande:

Este sítio ocupa uma duna de proporções consideráveis situada entre a praça atual de Itaipu (Ponta Sul) e a barra da Lagoa do mesmo nome. Trata-se de um sítio identificado como "acampamento sobre duna", ou seja, a ocupação humana ocorreu sucessivamente à medida que o acúmulo de areia ganhava altura. Restos ósseos de peixes, de animais, cinzas e carvões, carapaças de conchas e artefatos líticos (lascas de quartzo, principalmente), representados também por grandes e pequenos moedores, almofarizes, polidores, lâminas de machado, etc., ao lado de pontas (de pedra e osso), anzóis, furadores, além de restos de esqueletos humanos e variados tipos de adornos, refletem com abundância os inúmeros vestígios que caracterizam o modo de vida dos antigos ocupantes deste importante sítio do litoral fluminense. Possui cerca de 100 m de extensão, quase igual à sua largura, e, na ocasião de sua descoberta, aproximadamente 20 m de altura. Sua localização é magnífica, sendo estratégica no que diz respeito à proximidade e disponibilidade de diferentes e valiosos recursos adaptativos para as comunidades humanas que ali se fixassem (...) (Disponível em: www.portal.iphan.gov.br/ Acesso em: 23 de julho de 2014)

A preservação e a pesquisa científica sobre esses sítios são de extrema importância na busca pela compreensão sobre a ocupação da América, os hábitos, características e intenções construtivas dos povos sambaquieiros, bem como sua organização social. As evidências coletadas e pesquisadas até hoje permitem afirmar que a ocupação humana na região foi favorecida pela quantidade de alimentos disponíveis no ambiente, em especial a caça e a pesca, o que permitiu que esses grupos permanecessem por um tempo prolongado no local, possivelmente por sucessivas gerações.

O patrimônio arqueológico é único e representativo da ocupação humana no litoral fluminense e o sambaqui da Duna Grande encontra-se a pouco mais de 500 metros do Museu. A duna e os achados arqueológicos permeiam a existência dos moradores, que brincavam em suas areias e dela retiravam ossos, conchas, lascas de quartzo, artefatos que passaram a ser recolhidos e doados ao Museu.

40 Informações mais aprofundadas sobre a preservação da Duna Grande e suas relações com o MAI podem ser encontradas em HERINGER, Pedro Colares da Silva. Museu como ferramenta de proteção de sítios arqueológicos: O caso do sítio arqueológico Duna Grande e o Museu de Arqueologia de Itaipu. Rio de Janeiro. UFRJ/MH, 2014.

61 O acervo arqueológico do MAI é composto pela coleção Hildo de Mello Ribeiro, pelos blocos testemunhos do Sambaqui de Camboinhas e por uma pequena coleção de artefatos que remetem ao período do Recolhimento.

A Coleção Hildo de Mello Ribeiro constitui o núcleo inicial do acervo institucional, com cerca de mil artefatos. Formou-se durante as décadas de 1960 e 1970 através de coleta no sítio arqueológico da Duna Grande, realizada pelos moradores locais e pelo arqueólogo-amador que dá nome à coleção e foi agente federal de fiscalização da pesca e morador de Itaipu. A coleção, porém, não é reconhecida como científica devido à forma como foi composta, já que a falta de método científico para a coleta impossibilitou a datação dos objetos.

Fazem parte ainda do acervo arqueológico do MAI 8 blocos testemunhos e cerca de 177 artefatos, em sua maioria fragmentos cerâmicos, encontrados durante as obras de consolidação das ruínas e infraestrutura, que remetem ao período do Recolhimento.

O MAI conta ainda, desde 2000, com a coleção Aureliano Mattos de Souza, com 16 peças, a partir da doação do pescador que dá nome à coleção e composta por objetos representativos da pesca em Itaipu: redes, agulhas e pesos de rede.

O sítio arqueológico da Duna Grande sofre com a falta de cuidados: embora tenha sido cercado diversas vezes, é comum encontrar pessoas caminhando e às vezes pequenos veículos motorizados a passear sobre a Duna, bem como relatos sobre o uso desse local como ponto de encontro sexuais. Os cercamentos realizados pela equipe do Parque Estadual da serra da Tiririca – PESET são constantemente retirados e as placas de proibição quebradas. No entanto, compreendo que a falta de informação é a agressão mais danosa ao patrimônio. Não existe nenhuma explicação, placa ou pessoa responsável no local para oferecer informações sobre o local e sua importância arqueológica.

Nesse sentido, o MAI atua de forma sistemática para proteção do sítio, através das exposições, da fiscalização e denúncia sobre as degradações, mas principalmente através das visitas educativas42 que buscam informar e estabelecer relações entre os visitantes do museu e o monumento.

42 O conteúdo tratado nas atividades desenvolvidas pelo Setor Educativo, serão detalhados no terceiro capítulo.

62 Vale lembrar que, de acordo com a lei 3.924 de julho de 1961, em seu artigo primeiro, todos os monumentos arqueológicos e pré-históricos estão sob a guarda do IPHAN. Após a criação do IBRAM e a passagem do MAI para gestão dessa nova autarquia, a Duna Grande permanece aos cuidados do IPHAN e o MAI não possui autoridade legal para medidas diretas de proteção, como a proibição de subida dos automóveis.

As dunas também estão sob a responsabilidade do governo Estadual e de acordo com o disposto na Lei Estadual nº 1.807, de 03 de abril de 1991, o Poder Público tem o dever de proteger todas as dunas do Estado do Rio de Janeiro. Existe ainda o decreto Estadual número 41.226, de 16 de abril de 2008, que amplia o perímetro do Parque Estadual da Serra da Tiririca - PESET e inclui a Duna Grande em sua área de proteção. O governo municipal através do decreto municipal 9.060, de 2003, considera o sítio arqueológico como área de interesse ambiental e ecológico e considera que é atribuição municipal a preservação do sítio e do seu entorno. (HERINGER, 2014, p.86.)

Para Pedro Colares da Silva Heringer (2014, p.90) o MAI foi, desde a sua criação, a instituição que efetivamente se responsabilizou pela preservação do sítio, principalmente nos últimos 19 anos, em especial através do Setor Educativo, que realizou e realiza uma constante prática de disseminação do conhecimento arqueológico, com ênfase em atividades e ações de cunho educativo.

Compreende-se assim que o acervo arqueológico ao qual o MAI faz referência está diretamente ligado ao território espacial do qual faz parte. Mas quais sentidos são dados a ele quando da elaboração do discurso do Museu? Os vestígios, quando musealizados, são tratados como testemunhos do passado ou problematizados como vetores de dúvidas e das relações sociais? Nos museus, de uma forma geral, as discussões sobre o acervo arqueológico – e também sobre a paisagem, a história e os saberes locais – tratam dos objetos sobre si mesmos ou da projeção do homem sobre eles?

Para Ulpiano Bezerra de Meneses (1994, p.20), “mais do que operar com objetos históricos, o museu deve operar com problemas históricos”. O autor fala ainda

sobre a fetichização da instituição museu, quando são deslocadas as suas propriedades extrínsecas – seus valores e sentidos, para as suas propriedades intrínsecas – a natureza do acervo ou a tipologia temática.

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