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CAPÍTULO 1- O MUSEU DE ARQUEOLOGIA DE ITAIPU E SUAS

1.2 Identificação do Museu de Arqueologia de Itaipu

1.2.1 O Recolhimento de Santa Teresa

Ouvir pessoas, possibilitar que elas recriem suas memórias e pensar sobre elas. Abrir as gavetas, descobrir documentos e analisá-los. Aqui se inicia a problematização

28 Estamos discutindo apenas o primeiro e o segundo parágrafo da lei 11.904/2009 que tratam da definição de museu. Vale questionar se esse caráter promotor da função social dos museus se estende à lei como um todo.

45 do passado. É preciso tratar o conflito com cuidado e carinho29. Expor as contradições pode ser sedutoramente revelador, no entanto é preciso estar atento: não cabem julgamentos e condenações sobre as escolhas do passado porque estes só poderiam ser feitos a partir de um ponto de vista contemporâneo. As escolhas estiveram impregnadas do momento histórico, do regime político, das condições humanas, financeiras e ideológicas e todas essas condicionantes não poderão ser reproduzidas ou retomadas. Interessa-nos, então, aquilo que pode ser apreendido, ainda que sejam detalhes, mesmo que repleto de lacunas.

O Museu de Arqueologia de Itaipu está localizado no município de Niterói no Estado do Rio de Janeiro. Está situado nas ruínas do Recolhimento de Santa Teresa. É uma construção em alvenaria de pedras, unidas pela argamassa de conchas dos sambaquis, óleo de baleia e areia. A estrutura do corpo principal ainda permanece: um retângulo medindo 46,40 metros de comprimento por 26,60 metros de largura, com sete pátios abertos. Ao todo são 1.234,24 m². Com o objetivo de manter o prédio e adaptar os espaços para receber o museu, foram realizadas consolidações das ruínas e a construção das salas administrativas, banheiros e depósito de material de manutenção.

O Recolhimento de Santa Teresa foi uma instituição religiosa fundada em 1764 para abrigar mulheres que pretendiam seguir a vida religiosa mas, principalmente, servia como confinamento para aquelas que não se adequavam ao que se compreendia por moral e bons costumes na sociedade patriarcal do Brasil colônia: órfãs, prostitutas, mulheres que haviam engravidado ou mantido relações sexuais antes do casamento, viúvas e ainda aquelas que eram ali instaladas por pais ou maridos em seus períodos de viagens (MAI, 2007, p.7).

De acordo com Helena Vieira de Souza30, o local onde foi erguido o recolhimento havia sido uma capela datada de 1721 e só teria passado a recolher mulheres quando da sua fundação, realizada pelos padres Manuel Francisco da Costa e Manuel da Rocha. Essa capela era ligada à Igreja de São Sebastião de Itaipu31, construída em 1716 e existente ainda hoje, próxima dali. A localidade foi escolhida

29 Como base nas anotações do exame de qualificação. SILVA, Aramis Luis. Exame de qualificação. Políticas de processos comunicacionais: participação dos pescadores artesanais na construção de narrativas do Museu de Arqueologia de Itaipu. 01.outubro de 2014. Notas de aula.

30 SOUZA, Helena Vieira Leitão de. Da História para a Memória: a transformação do Recolhimento

de Santa Tereza no Museu de Arqueologia de Itaipu. Rio de Janeiro, XIII Encontro de História Anpuh-Rio, 2008.

46 devido ao seu afastamento dos locais mais urbanizados (Rio de Janeiro, Niterói e Itaboraí) e pela dificuldade de acesso – entre a serra e o mar – servindo aos propósitos de um recolhimento. A região de Itaipu no século XVIII era ocupada por fazendas e engenhos de cana-de-açúcar, comunidades pesqueiras e pequenos comerciantes, e por ela passavam algumas rotas de tropeiros indo e vindo da região de Maricá.

Poucas são ainda as informações sobre a organização e o cotidiano do Recolhimento. Segundo o pesquisador Willian de Souza Martins é possível avaliar, pelos documentos encontrados, que a reclusão em Itaipu era usada como punição e castigo às mulheres que desagradavam seus pais e maridos, sendo um local reconhecidamente de má reputação, devido aos desvios morais praticados pelas recolhidas, à “pobreza franciscana” da instituição e das mulheres e às péssimas condições de higiene em que viviam.

No entanto, em alguns casos, principalmente quando a reclusão se dava a pedido das próprias mulheres, era uma forma de escapar da violência e infidelidade do marido e encontrar abrigo em local de onde seria possível negociar as condições de divórcios e da emancipação. Existem divergências sobre a reclusão feminina como uma forma de libertação de agressões. Essas conclusões, ainda controversas, justificam-se pela necessidade de análise caso a caso e é possível aferir sua complexidade pelas próprias palavras do pesquisador:

No período joanino, algumas autoridades seculares atribuiriam outros significados aos pedidos para reclusão de mulheres no Recolhimento de Itaipu. Em 1809, o intendente da Polícia, Paulo Fernandes Viana, elaborou uma informação sobre o requerimento de Bernardo Antônio do Amaral, que solicitou confinar Fortunata Maria da Conceição no Recolhimento de Itaipu ou no da Misericórdia. A mulher do suplicante encontrava-se na ocasião recolhida no Recolhimento do Parto, “tratando com ele causa de divórcio”. O intendente negou o pedido de Bernardo, por julgar “que era isto um ardil com que o suplicante procurava arredá-la para mais longe, donde não podem tratar da sua causa”. Permanecendo no Recolhimento do Parto, argumentava o intendente, Fortunata ficaria perto de seus procuradores, “a quem deve falar e dar informações, e porque não se diga que, anuindo às instâncias do marido, se lhe tiraram os meios e se procuraram os dela decair da causa”. (SOUZA, 2012, p.51)

O Recolhimento de Santa Teresa, os processos de reclusão e o cotidiano das pessoas que ali viviam é um dos contextos que determinam a arqueologia como campo de interesse do MAI. Devido à escassez de documentação, são grandes as expectativas sobre o que poderá ser encontrado por meio de uma pesquisa arqueológica nos pátios da instituição.

47 Os documentos oficiais encontrados sobre o Recolhimento de Santa Teresa não revelam as motivações para o fim das suas atividades como estabelecimento paroquial e nem os usos sociais que o prédio teve após sua desativação. Sabe-se, no entanto, que, desativado no início do século XIX, o prédio foi ocupado por pescadores da região que adaptaram os espaços internos para moradia e passaram a utilizá-lo também como local para tingimento das redes de pesca e festas religiosas. Nesse período, ao redor das muralhas surgiram residências de pescadores, pequenos armazéns e comércios.