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CAPÍTULO 1 PERSPECTIVA DO HUMANISMO NO DIREITO

1.4 HUMANISMO NA CONTEMPORANEIDADE

1.4.1 Humanismo marxista

1.4.2.3 Considerações sobre o humanismo hoje

O mundo passa atualmente por um processo de transformação que atinge não apenas as estruturas sócio-econômicas e políticas, mas o modo de pensar e agir das pessoas e dos operadores do Direito. A chamada globalização, que se desenvolve especialmente na área econômica, tem acarretado inúmeras e profundas mudanças em nossas concepções éticas, impondo novos e grandes desafios, práticos e teóricos. Dentre eles destaca- se o de propor uma política crítica do Direito, que preserve o pluralismo e ao mesmo tempo rompa com os paradigmas e valores de uma tradição marcada pelo individualismo, pela retórica, pela erudição e, principalmente, pela desumanidade.

Em decorrência, torna-se cada vez mais premente investigar, rediscutir e revitalizar os valores e princípios do humanismo: dignidade, liberdade, autonomia, tolerância e justiça. Expressões de tal esforço são a tentativa de fortalecimento da sociedade civil frente ao Estado e a valorização da jurisprudência frente à lei, bem como a superação das interpretações excessivamente pragmáticas e excludentes da pesquisa histórica.

PAVIANI178 assevera que “o conceito de humanismo pressupõe uma concepção do humano como centro da vida, das relações de produção e de comunicação, das relações entre os indivíduos e as sociedades”. Por outro lado, continua o autor, “não se trata apenas do humano como valor, mas do humano como realidade ético-ontológica. O humano não é um adjetivo, uma qualidade, mas o modo fundamental de existir no mundo”.179

Diante dos efeitos perversos da globalização, dentre os quais se destaca a hegemonia do pensamento neoliberal, é cada vez mais urgente recuperar, tanto nas instituições jurídicas quanto na própria organização social, os valores da perspectiva humanista, pautada na proteção do indivíduo, na reação aos anti-humanismos180 e, como já

178

PAVIANI, Jaime; DAL RI JUNIOR, Arno (orgs.). Globalização e humanismo latino. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 26-27.

179 Idem, 2000. p. 27.

180 Cf. TOBEÑAS, op. cit., p. 53-54. “A característica da sociedade atual é o predomínio da técnica e o regime

de massas, em detrimento dos valores do espírito [...] a civilização mesma parece estar em transe de desumanização. Os campos de concentração, o maquinismo, a proletarização das antigas classes médias, as

mencionado, no valor e na dignidade do homem. Só através da interpelação do Direito a partir do humanismo será possível operacionalizar uma prática e uma elaboração teórica estimuladoras da ruptura com a tradição legalista.

Para tanto torna-se necessário ressignificar a noção de humanismo – tarefa das mais árduas, pois o termo impregnou-se de idéias imprecisas e passíveis de controvérsia, mesclando uma “pluralidade181 de humanismos (greco-romano, renascentista, burguês- individualista, cristão, existencialista, marxista e tantos outros)”.

Primeiramente importa frisar que o humanismo pode ser considerado tanto uma filosofia quanto uma doutrina e um projeto de vida, cujo centro é a dignidade e o valor do ser humano. Na época de Cícero, a expressão latina “humanitas”182 compreendia a

educação do homem, o processo de formação civilizatória da experiência humana – é de onde deriva, etimologicamente, a expressão “humanismo”, embora os gregos, como referido, já traduzissem seu significado no termo “paidéia”.

Assim elenca CAPORALE183 as características do humanismo:

a) eleger o ser humano como valor central; b) afirmar a igualdade de todos os seres humanos;

c) reconhecer e considerar a diversidade (pessoal e cultural); d) valorizar a liberdade de idéias e crenças;

e) desenvolver uma consciência que transcende a verdade absoluta e f) repudiar toda e qualquer forma de violência.

desvalorizações monetárias, a existência dessas multidões que nos subúrbios de quase todas as grandes cidades do mundo e nos campos vivem em condições irreconciliáveis com a dignidade humana são, entre outras muitas que se podem citar, manifestações dolorosas do cruel anti-humanismo que sofre hoje nossa sociedade”.

181 Cf. WOLKMER, op. cit., p. 20-21. 182

Cf. BOMBASSARO, Luiz Carlos. Educação e formação humana: breves considerações sobre os aspectos filosóficos do humanismo atual. In: Humanismo latino no Brasil de hoje. DAL RI JUNIOR, Arno; PAVIANI, Jayme (Orgs.). Belo Horizonte: PUCMinas, 2001. p. 34. “Humanitas é a palavra latina usada para traduzir o termo paidéia. Trata da formação e do desenvolvimento de um processo civilizatório. [...] Humanitas é o nome que designa o modo constitutivo pelo qual se pode compreender a experiência da formação da cultura, do desenvolvimento e do aperfeiçoamento da experiência humana. [...] Durante a primeira metade do século XVI, humanista era quem se dedicava ao ensino das humanidades, representadas especialmente pelas então chamadas artes liberais. Ensinar a falar, a ler, a escrever e a calcular, eis como se manifesta no humanista o espírito da humanistas”.

Os aspectos acima elencados evidenciam a preocupação constante com o ser humano ao longo da história, o que configura o embasamento primeiro do humanismo. Ao comentar as características e/ou princípios do humanismo, especificamente no tocante ao primeiro aspecto destacado por Caporale, aduz BOMBASSARO184: “A aceitação do humano como valor fundamental indica que é a ética o elemento constitutivo do humanismo”.

Quanto ao segundo aspecto, a luta pela igualdade de todos deve ser entendida conjuntamente com a terceira característica, concernente ao reconhecimento da diversidade cultural. Em relação à igualdade há dois pontos que devem ser considerados: primeiro, o de que a igualdade deve ser afirmada desde que não exclua o imperativo de reconhecer a diversidade entre pessoas e grupos; segundo, o de que tal reconhecimento deve dar-se nos casos em que a diversidade, pessoal e/ou cultural, não interfira no tratamento dispensado a estes sujeitos, pois os desiguais devem ser tratados de forma diferenciada. Esta é a maneira que se vislumbra para que a diversidade seja contemplada com justiça, sendo o tratamento desigual a forma encontrada para dar conta de produzir a igualdade.

Por outro lado, há que lembrar ser esse um princípio consagrado na Declaração dos Direitos do Homem. Como enfatiza BOMBASSARO185: “Essa defesa de igualdade de todos os seres humanos não implica a anulação da diferença. Ao contrário, o reconhecimento do outro como legítimo outro, parte da diferença”. A aceitação da diferença é que constrói uma vivência humana.

No que se refere à característica assinalada por Caporale no sentido de uma consciência que transcenda a verdade absoluta, mais apropriado seria referir uma consciência que resultasse em fraternidade e união entre os seres humanos, repudiando a violência186 em qualquer cirscunstância. BOMBASSARO187 registra: “Para o humanismo, a violência é contrária à liberdade. Se quiser construir um mundo humano, no qual todos possam viver em liberdade, o homem precisa renunciar à violência [...] seja ela física ou intelectual”. Igualmente oportuna a assertiva de TOBEÑAS188 sobre o humanismo:

184 BOMBASSARO, op. cit., p. 71. 185 Idem, p. 72.

186 Cf. BOMBASSARO, op. cit., p. 72. “A violência é a efetivação do princípio contrário à aceitação do outro

como legítimo outro”.

187 Idem, p. 72.

188 Cf. TOBEÑAS, op. cit., p. 75-76. “Otro sería el presente y el porvenir del mundo si en vez de gastar nuestras

energías espirituales en fundar escuelas científicas, barajar sistemas e discutir ismos, nos hubiésemos consagrado a cultivar nuestros sentimientos humanos (fraternidad cristiana, caridad em suma) y a formar hombres, y no masas, que puedem ser soporte efectivo de las comunidades sociales, profesionales y políticas.

Outro seria o presente e o futuro do mundo se em vez de gastar nossas energias espirituais em fundar escolas científicas, embaralhar sistemas e discutir ismos, tivéssemos cultivado sentimentos humanos (fraternidade cristã, caridade em suma) e a formar homens, e não massas, que podem ser suporte efetivo das comunidades sociais, profissionais e políticas.

Urge trabalhar o humano na contemporaneidade a fim de que o mundo não venha a converter-se num grande parque de anti-humanismos. A sociabilidade, a comunicação com o outro, a interação com o mundo e a liberdade são inerentes ao homem, sendo a violência a negação deste leque de valores, central ao conceito humanista.

Referindo-se em particular ao humanismo latino, destaca PAVIANI189 a importância das instituições, especialmente no que se refere “à família, à religião e à lingua materna e a outros traços sócio-culturais como a cordialidade, a hospitalidade, etc”. Afirma o autor que as instituições, num contexto que as vincularia ao humanismo, ajudam a promover a integração entre as pessoas, as sociedades e as diferentes culturas e povos. Não é exagero afirmar que o humanismo, sob tal enfoque, seria o grande responsável pela humanização da sociedade multicultural globalizada.