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CAPÍTULO 2 ENSINO DO DIREITO DO BRASIL

2.4 DESUMANIZAÇÃO DO ENSINO E SEUS EFEITOS NA PRÁTICA

2.4.1 Educação e seu papel

2.4.1.1 Ensino do Direito

O Artigo 8º da lei que implantou, a 11 de agosto de 1827, os primeiros cursos de Direito e Ciências Sociais no Brasil, dispunha que para matricular-se era necessário, entre outros requisitos, aprovação nas disciplinas de língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral, e geometria. Noutras palavras, o candidato a bacharel deveria ter conhecimento de ciências humanas para efetivar sua matrícula em um dos dois únicos cursos jurídicos do país: Olinda e São Paulo. Eis o teor do artigo:

341 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 46 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 108.

342 “Este movimento de busca, porém, só se justifica na medida em que se dirige ao ser mais, à humanização dos

homens. [...] Essa busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade de existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos”.

343 Idem, p. 213. 344

Idem, p. 47.

Art.8º – Os estudantes que se quiserem matricular nos Cursos jurídicos, devem apresentar as certidões de idade, por que mostrem ter a de quinze anos completos, e de aprovação da língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral, e geometria.

Tal exigência aos candidatos era a expressão óbvia do valor que a sociedade da época atribuía – mesmo sob um enfoque elitista – à idéia de humanismo. Esse como que refinamento cultural foi fruto direto da instalação da família real e da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. O fato, como já mencionado, levou a uma notável expansão nos campos da cultura e da educação – mesmo que desconsiderasse as características e interesses da sociedade local, sendo imposta à sua revelia conforme os interesses de Lisboa, numa verdadeira invasão cultural.346

Como não poderia deixar de ser, a mudança repercutiu no perfil dos cursos de Direito e no pensamento de nossos futuros juristas, contribuindo de uma forma ou de outra para o desenvolvimento do Brasil.

A partir deste contexto histórico e de sua posterior evolução é possível visualizar a diversificada trajetória percorrida por nossos cursos jurídicos, do ingresso com viés cultural dos privilegiados do Império, passando pelo vestibular, até as novas formas de acesso, a exemplo do “processo seletivo especial por análise de currículo”, já motivo de reflexão e crítica no presente trabalho. Referindo-se às turbulências que marcaram o processo histórico de afirmação dos cursos de Direito no Brasil, BITTAR347 destaca:

O ensino jurídico já representou o máximo da cultura intelectual e política brasileira (República dos Bacharéis), já se fixou como bastião e foco de resistência em tempos revolucionários (Ditadura Vargas; Ditadura Militar), já atravessou crises estudantis em 1968...

Desde então o ensino do Direito vem centralizando debates que incluem da didática das aulas e formas de acesso à proliferação desenfreada dos cursos348 e à qualificação profissional voltada às necessidades do mundo contemporâneo.

Especialmente no que se refere ao ensino do Direito, é inegável que o Exame de Ordem e o Exame Nacional de Cursos (hoje Exame Nacional de Desempenho dos

346 “A invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a

estes sua visão do mundo, enquanto lhes freia a criatividade, ao inibirem sua expansão. [...] Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la”. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia

do oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 173.

347 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 5. ed. rev. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 114.

Estudantes – ENADE) são instrumentos valiosos e complementares de avaliação349. Iniciativa do Ministério da Educação para a melhoria da qualidade do ensino, o ENADE350 levou a um corte obrigatório, apenas no período compreendido entre janeiro e abril de 2008, de 19,8 mil vagas em 23 cursos, dentre os 80 cursos que, avaliados, obtiveram notas 1 e 2 – a informação consta de entrevista do ministro da Educação, Fernando Haddad, em 6 de abril de 2008. Conforme Haddad existe também uma pressão para que “estes cursos351

se comprometam a modernizar o currículo, a reduzir o número de alunos por sala de aula, a ampliar bibliotecas, a reformar instalações físicas e a contratar mais professores com título de mestre e doutor e em regime de tempo integral e dedicação exclusiva”. O não-cumprimento das exigências do MEC pode levar ao fechamento do curso.

Esta revisão das vagas oferecidas para o ensino superior – iniciando, neste caso, pelos cursos de Direito – contribuirá positivamente, sem dúvida, para a qualidade do ensino. Cursos reprovados na avaliação do ENADE porque lhes falta qualificação e até interesse em sanar suas deficiências não devem disponibilizar vagas, sob pena de comprometer a formação de milhares de estudantes. O resultado de tal irresponsabilidade seria, no caso, levas de bacharéis despreparados para o exercício da profissão, trazendo prejuízos tanto à sociedade quanto à classe dos advogados. O despreparo se reflete no Exame de Ordem, como já referido, pois estes egressos fracassam na prova – o que é amplamente divulgado nos meios de comunicação352.

Iniciativas em relação à melhoria da qualidade do ensino jurídico como as que vêm sendo adotadas pelo Ministério da Educação são positivas, mas devem se direcionar igualmente às instituições públicas de ensino.353

349 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. OAB recomenda 2007: por um ensino de qualidade. Aline

Machado Costa Timm (Org.). 3. ed. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2007. p. 8.

350 ENSINO DO DIREITO. Rigor do MEC deve se estender às faculdades públicas. O Estado de São Paulo, 06

abril de 2008. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/65287,1#null>. Acesso em: 30 abr. 2008.

351

Idem.

352 Somente nos estados do Pará e de Goiás, no ano de 2004, o percentual de reprovação no Exame de Ordem foi

de 70%. In: MEC garante à OAB critérios rígidos para cursos de Direito. Disponível em: <http://.oab.org.br/noticia.asp?id=1882&arg=matriculas and Curso and direito>. Acesso em: 08 maio 2008.

353

O ministro da Educação, Fernando Haddad, asseverou: “As universidades privadas, principalmente as que têm um número muito grande de alunos, costumam enfrentar dificuldades para oferecer cursos de qualidade. O objetivo não é inibir o setor privado, mas inibir o setor de privado naquela área de atuação em que ele não está bem”. In: ENSINO DO DIREITO. Rigor do MEC deve se estender às faculdades públicas. O Estado de São Paulo, 06 abril de 2008. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/65287,1#null>. Acesso em: 30 abr. 2008.