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CAPÍTULO 2 ENSINO DO DIREITO DO BRASIL

2.3 TRADIÇÃO DO HUMANISMO DO ENSINO DO DIREITO BRASILEIRO

2.3.1 Proliferação dos cursos de Direito no Brasil

Conforme o Censo da Educação Superior – os dados são de 2003, os mais recentes que é possível localizar320 – os cursos de Direito no Brasil somavam 508.424 matrículas, com 64.413 novos bacharéis ingressando no mercado naquele ano. Destaca-se que Direito foi o segundo curso em número de matrículas, perdendo apenas para o de Administração.

A Tabela II apresenta a evolução no número de cursos jurídicos, discriminando-os por ano e região:

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Disponível em: <http://.www.inep.gov.br/download/superior/censo/2004/resumo_tecnico_050105>. Acesso em: 28 abr. 2008.

TABELA II321

Cursos de Direito por região do Brasil

Ano Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul TOTAL

1991 10 23 17 80 35 165 1992 13 25 18 84 44 184 1993 14 26 19 91 51 201 1994 16 27 21 102 54 220 1995 18 27 23 111 56 235 1996 19 33 26 126 58 262 1997 20 31 29 131 69 280 1998 20 35 32 144 72 303 1999 21 39 40 173 89 362 2000 24 45 45 218 110 442 2001 26 57 49 250 123 505 2002 37 76 54 298 134 599 2003 41 98 64 349 152 704 2008322 62 195 110 506 221 1.094

Resta evidenciada, com base nesses dados, a facilidade com que se criam cursos de Direito no país, passando a nítida impressão de que o realmente importante não é a qualidade do ensino, mas o atendimento às demandas da iniciativa privada, para quem a educação é uma fonte de lucro, e de que seus próceres não são educadores, mas empresários do setor323. Mais lucrativo ainda se revela o “negócio” ao considerar-se que o ensino jurídico

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Dados retirados da Evolução da Educação Superior (1980-1998), das Sinopses Estatísticas da Educação Superior (1995-2003) e do Cadastro das Instituições de Ensino Superior. Disponível em: <http://www.inep.gov.br> e em <http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/lista_cursos.asp> Acesso em: 07 maio 2008.

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Constam no site do INEP duas denominações sobre o ensino do Direito: “Curso de Direito” e “Ciências Jurídicas / Ciências Jurídicas e Sociais”. Com a denominação “Curso de Direito” há 1.085 cursos, existindo nove com a denominação “Ciências Jurídicas / Ciências Jurídicas e Sociais”, o que perfaz um total de 1.094. Existem seis cursos de Ciências Jurídicas / Sociais na Região Sul, especificamente no Rio Grande do Sul (todos na capital) e dois na Região Sudeste, ambos na capital de São Paulo. O Censo da Educação Superior de 2007 iniciou a coleta de dados em 25 de fevereiro de 2008, estendendo-se a mesma até 18 de junho do mesmo ano. Disponível em: <http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/lista_cursos.asp>. Acesso em: 08 maio 2008.

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Sobre os empresários que tratam a educação superior como mercadoria, ver mais em: RODRIGUES, José. Os

dispensa investimentos em laboratórios e equipamentos caros – tudo o que se exige é um quadro-negro, giz, professores e uma biblioteca (muitas vezes insatisfatória).

Outro aspecto importante relacionado a essa situação é o elevado número de instituições privadas de ensino 324. Em 2003, dos 3.887.022 alunos matriculados em IES, nada menos que 2.750.652 – mais de 70% do total – pertenciam a instituições privadas de ensino superior, freqüentando na grande maioria o turno da noite. Corrobora MEDINA325:

Não se contesta que o ensino particular tem um papel a cumprir, no último grau, já que, dispondo de maiores recursos, pode suprir deficiências que se verificam em relação às universidades públicas, notadamente as federais, tolhidas, muitas vezes, no seu potencial de expansão e com problemas, até, para a própria manutenção, em face da política restritiva que o governo federal tem adotado, nesse campo. Mas os interesses empresariais e a ânsia de ganho não podem sobrepor-se à preocupação com a qualidade do ensino, como parece ocorrer em muitas instituições de ensino superior, na área privada.

Também deve ser ressaltada a tendência dos jovens de ingressar nos cursos jurídicos por ver neles uma chance de ascensão social, tendo em vista o leque de alternativas que proporcionam. NETTO LÔBO326 assevera que “a população estudantil vê o curso de Direito como espaço de ascensão social, [...] as instituições de ensino concebem o curso de Direito como de baixo investimento e receita garantida, convertendo-se em um „trem pagador‟ dos demais cursos”. Em outras palavras, como existem cursos menos rentáveis que o de Direito, este se torna um bom angariador de recursos para sustentá-los – o que vem a

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“O crescimento da iniciativa privada no campo educacional, que não vem acontecendo pela „mão invisível‟ do mercado, é fruto de uma política relativamente clara nos governos democraticamente eleitos, em plena sintonia com as orientações de organismos multilaterais, como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e, mais recentemente, da Organização Mundial do Comércio (OMC)”. RODRIGUES, op. cit., p. 19. O crescimento da iniciativa privada no campo do ensino superior não ocorre apenas no Brasil, mas também na América Latina e Caribe, conforme registra o secretário de Educação do Distrito Federal do México, Axel Didricksson: “Nos últimos dez anos houve um crescimento significativo do sistema de educação superior na América Latina e no Caribe. Atualmente, o sistema é composto por 8.756 instituições dedicadas ao ensino superior. Dessas, 1.917 são privadas, 1.023 públicas e 5.816 institutos de pesquisa (públicos em sua maioria)”. Didricksson reconhece que a expansão registrada na última década foi positiva ao ampliar o acesso da população ao ensino superior em toda a região, mas ressalta que o avanço é quantitativo e não qualitativo. “O perfil de cursos e carreiras criados pelas instituições de ensino, sobretudo pelas privadas, privilegiou necessidades do mercado. Muitos dos cursos surgem sob a influência direta de demandas mercadológicas e não no sentido de produzir conhecimento”. In: DIDRICKSSON, Axel. Sistema de educação superior cresce, mas aumento não representa avanço. Cartagena de Indias – Colômbia, 06 jun. 2008. Disponível em: <http://www.cres2008.org/pt/noticias_detail.php?linkId=150.>. Acesso em: 08 jun. 2008. Conferência Regional da Educação Superior 2008. Cartagena de Indias – Colômbia. UNESCO/IESALC, entrevista concedida a Marcílio Lana.

325 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Ensino jurídico, literatura e ética. Brasília: OAB, 2006. p. 144-145. 326

NETTO LÔBO. Paulo Luiz. Ensino jurídico: realidade e perspectivas. In: OAB Ensino jurídico: balanço de uma experiência. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000. p. 159.

reduzir os investimentos no próprio curso jurídico, tais como biblioteca e capacitação docente, por exemplo.

Outro fator que afeta a qualidade do ensino do Direito é o grande número de cursos noturnos, mesmo considerando-se que estudar à noite configura a única alternativa de horário para a população estudantil que trabalha durante o dia – e que representa a grande maioria. Em 2003, conforme o censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) 327,

[...] do total de 2.270.466 matrículas no ensino noturno, apenas 407.257 estão no setor público, enquanto 1.863.209 estão no setor privado, o que parece identificar uma grave contradição no processo de democratização do acesso à educação superior brasileira instalado nos últimos anos.

Embora este quadro, em especial no que tange às instituições privadas, signifique inclusão social e qualidade de vida para quem não teria outro acesso ao ensino superior, tal fato não implica apagar as contradições do trinômio representado pelo elevado número de alunos no ensino particular, pela grande quantidade de matrículas noturnas e pelo excessivo número de cursos jurídicos. Públicas ou privadas, as universidades têm um compromisso social com a educação, especialmente com a superior – instrumento essencial para a transformação da sociedade.

Existem outros focos de debate. Um deles é a “proletarização” da advocacia, decorrência da expansão dos cursos, aliada às baixas mensalidades – a média é de duzentos reais – cobradas pelas instituições privadas. Há ainda o problema da capacitação docente. Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2003328, os professores que deixaram de lecionar em faculdades particulares para cursar doutorado em IES públicas representam 55,2% do total de afastamentos para capacitação, enquanto nas IES privadas (universidades) o percentual é menor: 44,8%. Deste percentual de afastamentos, apenas 37,2% são para doutorado, enquanto as instituições públicas respondem por 83% dos afastamentos para doutorado.

327 Disponível em: <http://.www.inep.gov.br/download/superior/censo/2004/resumo_tecnico_050105.pdf.>.

Acesso em: 28 abr. 2008.

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“Nas instituições públicas 83% dos seus afastamentos são para doutorado, 15% para mestrado e 1% para especialização. Nas instituições privadas 37,2% dos seus afastamentos são para doutorado, 41,2% para mestrado e 8,66% para especialização. [...] A região sudeste mostra uma realidade bem diferente da realidade nacional e merece um comentário à parte. No sudeste encontra-se o maior número de afastamentos para capacitação nas diferentes formas de organização acadêmica – centros universitários, faculdades, escolas, institutos e faculdades integradas – do setor privado”. Idem, ibidem.

Tal quadro resulta numa conclusão óbvia: a de que são muito tímidos, nas instituições privadas, os investimentos em capacitação docente para doutorado – trata-se de inversões em dinheiro e este tipo de investimento não é o que mais atrai. O que definitivamente atrai as IES privadas é o filão da criação de vagas para cursos de Direito, restando em segundo plano à capacitação dos professores, recrutados via de regra entre juízes, promotores de justiça e advogados bem-sucedidos das comunidades que sediam os cursos. Isto não significa afirmar que estes profissionais não possuam competência para o desempenho da função docente, mas que a docência supõe atribuições muito mais amplas do que conhecimento na área, prestígio e eloqüência.