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CAPÍTULO 1 PERSPECTIVA DO HUMANISMO NO DIREITO

1.4 HUMANISMO NA CONTEMPORANEIDADE

1.4.1 Humanismo marxista

1.4.2.1 Humanismo existencialista cristão

O representante mais expressivo do humanismo existencialista166 cristão167 foi o dinamarquês Soren Kierkegaard (1813 – 1855), para quem o homem dificilmente alcançará sua autonomia, sendo o sofrimento uma certeza. O existencialismo defendido por ele é, bem se vê, extremamente pessimista. Isto se deve a sua própria vivência, pois é nela que Kierkegaard baseia sua teoria. NOGARE168 menciona uma das grandes dores do filósofo: “O rompimento de seu noivado com Regina Olsen, menina de 17 anos, à qual um amor puro e sincero o ligava”. O noivado foi rompido porque Kierkegaard acreditava não ter vocação para o casamento, embora sua ética autorizasse o enlace. De acordo com NOGARE169, “o ideal de Kierkegaard é: ser ele mesmo, mas sê-lo totalmente, ser ele mesmo perante Deus. [...] Sua existência, toda ela é uma busca da singularidade perante Deus”.

Baseado na fé, que tem como pressuposto a comunhão com Deus, o humanismo existencialista de Kierkegaard é caracterizado por sua preocupação com o homem e sua prática inclui a reflexão filosófica; também Sartre e Heidegger compartilharam tal reflexão, com a diferença de que defendiam um existencialismo ateu. A base da teoria

166 Cf. BASBAUM, Leôncio. Alienação e humanismo. 3. ed. São Paulo: Símbolo, 1977. p. 83. “O

existencialismo que nestes anos do após-guerra, tanto se difundiu, tentou isolar o homem da Metafísica e das abstrações considerando-o parte de uma situação real, mas não lhe dava nenhuma perspectiva: o homem começava e acabava em si mesmo, mais objeto do que sujeito, num mundo conflagrado que se caracteriza pela ação e no qual não agia: o homem era, continuava sendo o instrumento ou o joguete de uma situação”.

167 NOGARE, op. cit., p.117. “O humanismo feuerbachiano e marxista é intrinsecamente ateu. O ateísmo é sua

condição e quase estrutura. Suprime-se Deus para que exista o homem. O homem total não pode realizar-se enquanto Deus o cria, o domina, o julga. Deus é negado, não porque – existindo ele – não poderia existir plenamente o homem. Neste sentido Feuerbach é o verdadeiro pai do humanismo ateu contemporâneo. Quem quiser compreendê-lo em sua fonte deve remontar a ele. Verdade é que humanismo e ateísmo são tão antigos quanto o pensamento, mas o caráter especial que eles assumiram no século passado e no nosso (em Marx, Nietzsche, Sartre etc.) lhes foi dado inicialmente por Feuerbach”. E ainda: “[...] em nível de senso comum, mas com um fundo de verdade, pode-se dizer que na academia circula uma imagem pessimista da filosofia de Kierkegaard, a qual nos atrevemos a dizer, se origina em grande medida do fato das conclusões de sua filosofia terem sido obtidas de sua própria biografia pessoal, de sua própria experiência existencial frustrada, marcada por decepções amorosas. [...] Esta filosofia porta efetivamente conclusões acerca do homem, dentre as quais a de que ele nasceu para sofrer, bem como a de que não teria condições de atingir sua autonomia”. In: OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Direito e humanismo, p. 2. Disponível em: <http://www.estacio.br/direito/revista/revista3/artigo6.htm>. Acesso em: 09 jun. 2003.

168

NOGARE, op. cit., p. 119.

existencialista enfatiza a liberdade do homem para conduzir sua vida, sendo ele o responsável por seu destino. Além da razão, as escolhas170 do ser humano devem ser livres e baseadas em seus próprios valores, ao invés de se pautar por valores predeterminados.

Todavia, mesmo que as rédeas de nossas escolhas estejam bem firmes e que tenhamos liberdade de realizar escolhas por nós mesmos, nos encontramos sempre expostos às nossas próprias decisões e ao risco de decidir mal. O homem é, pois, responsável por suas decisões, sejam elas boas ou más, certas ou erradas. Isso traduz sua fragilidade, suas incertezas, sua pequenez, suas possíveis vitórias e fracassos, sua solidão no mundo. Enfatiza SEVERINO:

Diante desse risco permanente que o ameaça, o homem se vê instado a assumir a responsabilidade pela condução de sua existência, mediante árduo esforço, que é uma luta dramática contra os obstáculos, exigência de reerguimento após cada recaída. Mas mesmo tomando nas próprias mãos a condução do seu destino, nada lhe assegura a superação total de sua condição de radical finitude, de contingência, de abandono e de fragilidade. Ainda que condenado a ser livre, o homem é também predestinado a viver atravessado pela angústia, pela dor, pela contínua experiência do fracasso.

Em que pese o drama das vivências do ser humano – quer consigo mesmo, quer com os outros –, ele se supera a cada dia e a própria derrota lhe confere força para recomeçar. Esse recomeço torna o homem de fato um ser singular, capaz de enfrentar tempestades existenciais e transformá-las em alicerces para novas conquistas.

Para o existencialismo, no entanto, o homem é só, um ser isolado, sem possibilidade de comunicação com o outro. Este homem, enfatiza BASBAUM171, “é puro, só- no-mundo, isolado dos outros homens, incapaz de comunicar-se com seu semelhante, sem salvação na terra. A solidão é o seu reino e o seu destino”. O autor172

prossegue, afirmando que o homem real, que se comunica, que “também trabalha pelo pão de cada dia, que sofre as pressões econômicas e sociais do mundo hostil, continuava abandonado e desconhecido”

170 Cf. Paim, Antônio. A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e educação. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1997. p. 47. “Mais do que com a razão, é preciso contar com a vontade livre, única a nos possibilitar a escolha dos valores com referência aos quais iremos pautando nossas escolhas, que só serão boas por terem sido escolhidas por nós e não por corresponderem a valores preestabelecidos. A perspectiva existencialista, no plano filosófico, preocupa-se com a qualidade do modo de ser do homem, na concretude de sua existência singular, pois dada a total contingência de seu existir-no-mundo-com-os-outros, a cada instante pode ser vítima da alienação e passar a viver na existência inautêntica, como diz Heidegger, ou se reduzir à condição de um puro ser-em-si, na expressão de Sartre, ou a viver no plano puramente estético, no dizer de Kierkegaard”.

171

BASBAUM, Leôncio. Alienação e humanismo. São Paulo: Símbolo, 1977. p. 83.

pelos filósofos. Apesar de o existencialismo buscar conhecer e compreender o homem, embora sem êxito, a filosofia continuava em sua abstração, sem enxergar o homem real, aquele que a própria filosofia tanto buscava.