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CONTO A PRINCESA E A ERVILHA , DE ANDERSEN, E A FORMAÇÃO DO ALUNO-AUTOR

3. SEMEANDO AS CONDIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DO ALUNO-AUTOR

3.5. A construção da autonomia do aluno-autor

A última produção escrita ocorreu com a orientação que deveriam criar a sua versão do conto. A professora apenas distribuiu a imagem da princesa dormindo sobre a ervilha.

Alguns alunos se limitaram a descrever a cena, outros narraram detalhes do que aconteceu antes, durante o sono da princesa e logo depois que acordou. Houve casos de intertextualidade com os filmes a que assistiram e com diferentes histórias conhecidas.

O aluno RA foi totalmente original ao subverter os fatos da narrativa. A moça não comprova ser uma princesa e quem não consegue dormir é a rainha, como se pode ler: “A princesa não consegue dormir por causa do fedor de chulé. Era tanto que ninguém podia chegar perto senão morria. No dia seguinte a rainha disse: eu não dormi bem porque tinha algo me incomodando”.

RF introduz uma protagonista, uma menina que ouviu a história A princesa e a ervilha. Toda a narrativa é inusitada e diferenciada do conto original, o que surpreende ao final é o mesmo desfecho dado por Andersen, porém com outros personagens e na atualidade. Inspirado num dos filmes, RF escreve que a meninapediu ao seu avô para levá-la ao museu para verem a ervilha da história. Eles têm que ir de avião, pois o museu fica muito longe “a 100 quilômetros da casa dela”. A visita não satisfaz a menina porque não viu a ervilha da história, então, o monitor do museu explicou que: “a ervilha foi encaminhada para uma cama desconhecida e ninguém famoso conhece a cama”. A menina voltou triste para casa, se deitou na sua cama e sentiu uma coisa dura: a ervilha estava lá.

O texto de NI é marcado por um enredo de aventura, como se pode observar no trecho:

O acusado

Numa vila com um castelo enorme gigantesco! Mas é um museu tinha quatro crianças. A Laila o Toube, Carlo e o Fábio.

Eles viram uma espada maneira e o Fábio quis tirar uma foto e a espada quebrou e tocou o alarme e Toubi ultrapassou a faixa para ajudar o Fábio e correram a Laila falou. O guarda está vindo. Peguei você. O guarda disse e pegou o Toubi ele perguntava quem que quebrou a Espada cham cham cham.

É a última vez que eu vou dizer senão eu vou levar esse menino pra cadeia. Não! exclamou o Fábio. Então falem quem quebrou a espada [...]

A descrição do local (vila com um castelo enorme gigantesco) onde se passa a história colabora para iniciar a atmosfera de suspense. A opção pelos protagonistas crianças provoca empatia com o potencial leitor. A ação da narrativa é desencadeada por acaso, com a criança ultrapassando a faixa de segurança ao tirar uma foto. As estratégias narrativas para criar expectativas ocorrem pelo acidente com a espada, o alarme disparado, a chegada do guarda, a onomatopeia “cham cham cham”, a ameaça de ir para a cadeia, o desespero do menino revelado no uso da exclamação: “Não!”.

Era uma Princesa dorminhoca, que acordou com dor nas costas. Por quê? Não não não vou contar desde o início. Em um dia de neve, um lindo rapaz muito pobre caminhou do oeste ao Sul, em busca de uma Paixão. Mas quando menos esperou. Na frente de um castelo uma donzela ele viu. O rapaz foi logo perguntando o nome, e a donzela foi logo dizendo:

-meu nome é Kethin. O homem depressa foi fazer um teste pra saber se ela era a Paixão dele. Então deu pra ver que ela era uma princesa dorminhoca que acordou com dor nas costas. Porque ele viu que tinha uma ervilha embaixo do colchão. Então ele entrou pela janela e pediu ela em namoro e depois de um ano ela ficou grávida.

O narrador é diferenciado neste texto. Ele dialoga com o leitor e busca envolvê-lo nos seus argumentos e nas peripécias. Logo de início o narrador provoca o leitor perguntando se ele quer saber o motivo da princesa ter acordado com dor nas costas, e é enfático sobre sua indisposição de novamente narrar o início da história. Em seguida, apresenta um personagem pobre, que caminhou muito e num dia de neve, conseguindo mobilizar o leitor para as dificuldades enfrentadas. E então, segue-se uma frase – “Mas quando menos esperou” – para criar o suspense do encontro amoroso que se anuncia. O uso da expressão “logo” insere o leitor no clima de ansiedade dos dois pelo encontro. Nesta história, diferentemente da original, não se trata de um príncipe, mas de um moço qualquer e quem entra no castelo não é a princesa, mas o moço.

Nota-se que o desfecho é surpreendente porque inusitado para um conto de fadas. A entrada do moço se deu pela janela, portanto escondido. Eles não se casam, mas apenas namoram. O final está em aberto, cabendo ao leitor imaginar o que teria acontecido com a gravidez: Teriam fugido? Teriam conseguido permissão para se casar? Que dificuldades teriam enfrentado diante desta situação? Este aluno-autor conseguiu criar no seu texto efeitos de curiosidade, de suspense e de surpresa e que são essenciais ao texto literário.

Selecionamos, ainda, algumas escolhas lexicais que merecem destaque nos textos dos alunos-autores, por terem potencial para provocar impactos no leitor, como nos exemplos ressaltados em maiúsculas:

NI: Alguém bateu a porta pessoalmente era uma moça dizendo que era uma princesa a rainha FICOU CHOCADA.

CA: No dia seguinte falou para a rainha: - ESTOU ACABADA.

YO: A rainha perguntou você dormiu bem ela disse eu dormi mal e a rainha FICOU PARALISADA. KA: E a princesa disse ei Rainha quando eu estava dormindo eu senti uma coisa me incomodando. E O PRÍNCIPE DISSE YES!!!!!

O uso destas formas expressivas de se utilizar a língua causa efeitos de sentido e ampliam as possibilidades expressivas dos textos.