• Nenhum resultado encontrado

TURISMO E LITERATURA: EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL E PERPETUAÇÃO DA MEMÓRIA

Eva Milheiro VALORIZA – Instituto Politécnico de Portalegre GOVCOPP – Universidade de Aveiro eva@ipportalegre.pt

Resumo

O turismo literário pode ser encarado como um produto turístico que subsiste a partir da literatura clássica, moderna ou contemporânea, e que visa proporcionar ao turista uma experiência intercultural enriquecedora, levando-o a conhecer o espaço físico retratado na obra de um escritor, ou a aprender a descobrir os lugares onde este viveu e/ou produziu a sua obra.

O turismo literário está, pois, relacionado com a descoberta dos sítios relacionados com a vida do autor, ou ainda com locais reais correspondentes aos espaços ficcionais criados pelos autores nas suas obras e poderá constituir uma alternativa às ofertas mais tradicionais do turismo cultural.

Cada vez mais turistas procuram conhecer locais relacionados com a literatura, tais como casas-museu de conhecidos autores, percursos reais tornados ficcionais, ou que foram mistificados pela criação literária, ou, ainda, festivais literários. Também os locais frequentados pelos escritores despertam interesse, tais como cafés, restaurantes, bibliotecas, hotéis, entre outros.

A questão que se coloca é como poderão os textos literários contribuir para tornar os destinos turísticos mais atrativos para o potencial turista e como podem ser potenciados pelas entidades de gestão de destinos para criar procura e acrescentar valor à experiência dos visitantes?

O presente artigo explora a relação entre o turismo e a literatura, partindo do pressuposto de que quer a obra quer a vida de um escritor podem servir de base à criação de itinerários e lugares literários capazes de potenciar turisticamente os locais onde eles irão ser desenvolvidos, potenciando uma experiência intercultural e a perpetuação da memória das obras e dos autores. Será feita uma reflexão sobre o potencial de Portugal para este tipo de turismo, apresentando diversos exemplos de locais com especial vocação para este efeito, a partir da obra ou vida de autores reconhecidos nacional e internacionalmente como Eça de Queiroz, José saramago ou Fernando Pessoa, entre outros.

Abstract

Literary tourism can be looked at as a cultural tourism product driven from classical, modern or contemporary literature, in the sense that it provides an enriching experience for the tourist, leading him to visit the places portrayed by the author or to learn how to discover the places where he has lived or produced his literary work. Literary tourism is therefore related to finding the places and itineraries associated with an author’s life or the real places which have inspired the fictional scenarios, becoming an attractive alternative to the traditional cultural tourism offers.

More and more tourists wish to know places associated with literature: house-museums from well-known writers, real routes taken in fictional novels or mystified by fictional stories, or even attend literary festivals. Likely the places where the writers have been, such as cafes, restaurants, libraries, hotels, and others, can be most interesting for the literary tourists.

Which leads us to an important question: how can the literary texts contribute making destinations more attractive for the potential tourists and how they might be potentiated by the touristic operators to promote these places adding value to the visitor’s experience?

This article explores the connection between tourism and literature, from the premises that both the life and the work of a writer can be the base for the creation of literary routes and places, able to develop tourism interest in the real scenarios, by offering an intercultural experience and perpetuating the memory of the author’s legacy.

A reflection will be made about Portugal potential for this type of tourism, showing several examples of places specially dedicated to this purpose, by reference to the life and work of Portuguese authors recognized nationally and internationally, namely Eça de Queiroz, José Saramago or Fernando Pessoa, and others.

Key-words: tourism, literature, cultural tourism, literary tourism, literary itineraries

Introdução

Os interesses culturais estão na génese do turismo. Desde os tempos ancestrais, com as visitas aos principais monumentos do mundo antigo, passando pela Grand Tour até aos nossos dias, a procura do conhecimento de diferentes culturas tem feito o Homem deslocar-se.

Cada vez com mais frequência as pessoas viajam, são confrontadas com outras formas de estar, de pensar, de viver, constituindo o turismo uma atividade propícia ao entendimento entre os povos, como é explícito no Código de Ética do Turismo (OMT, 1999), no seu artigo 2º:

o turismo, atividade a maior parte das vezes associada ao repouso, à descontração, ao desporto, ao acesso à cultura e à natureza, deve ser concebido e praticado como meio privilegiado de desenvolvimento individual e coletivo; praticado com a necessária abertura de espírito, constitui um fator insubstituível de auto-educação, de tolerância mútua e de aprendizagem das diferenças legítimas entre povos e culturas, e da sua diversidade.

A cultura, por seu lado, e no entender de diversos autores sistematizados por Santos (2018, p. 99) “é um conjugado de concepções simbólicas e materiais, além de costumes, crenças, valores e ideias, que são adquiridos pelos indivíduos em decorrência do convívio em sociedade, mediante a comunicação e partilha de experiências”.

Nesta perspetiva, e como defende Sardo (2008),

o turismo constitui uma ocasião propícia para o diálogo entre as civilizações, porque evidencia as riquezas que distinguem uma cultura de outra. As viagens e a atividade turística favorecem, ainda, a recordação de uma memória viva da história e das tradições sociais, religiosas e espirituais. (p. 77)

O turismo cultural surge, assim, como um tipo de turismo direcionado para o desenvolvimento sustentável dos territórios, alicerçando-se na sua originalidade, autenticidade e identidade, o que responde à multiplicidade de motivações turísticas que estão na origem das correntes turísticas.

Neste contexto, assistimos ao surgimento de um nicho do turismo cultural constituído por visitantes predispostos a viajar para conhecer os locais onde os autores de obras literárias viveram, produziram ou localizaram as suas obras, ou seja, o Turismo Literário, que é passível de atrair turistas nacionais e internacionais a esses locais.

Como salientam Quinteiro e Baleiro (2017)

a relação entre literatura e turismo é, sem dúvida, estreita. Antes de mais porque ambos proporcionam momentos de lazer (Mansfield, 2015, p. 19), mas também porque ambos têm implícitos atos de descoberta e aprendizagem, porque tanto o turismo como a literatura são enriquecedores, tornam-nos mais completos, logo, mais tolerantes, e porque ambos nos oferecem momentos inesquecíveis. (p. 4)

A relação entre turismo e literatura torna-se evidente e potencia a preservação da memória não só dos autores mas também dos lugares. Como refere Oliveira (2017)

A literatura é uma manifestação cultural que deixa a sua marca não só nos leitores como também em lugares físicos, descritos ou vividos pelos escritores, que alicerçados na indústria do turismo têm a oportunidade de fugirem do esquecimento e colocar na rota

deles quem gosta de descobrir as marcas de existência do que há por trás das palavras escritas. (p. 16)

Portugal possui um potencial para o Turismo Literário ancorado na obra de diversos autores reconhecidos nacional e internacionalmente, como Eça de Queiroz, Fernando Pessoa ou José Saramago, entre outros, que poderão atrair visitantes a locais mencionados nas suas obras ou que tiveram destaque nas suas vidas, como defende Oliveira (2017)

Portugal é uma nação de célebres escritores que deixaram e vão deixando as suas vidas por contar, as suas obras por explorar e ainda as ruas e outros espaços sociais por eles frequentados e/ou narrados por percorrer nos trilhos das suas pegadas escritas. Se dúvidas há, reflitamos na dificuldade que é não pensar em Lisboa quando se refere Fernando Pessoa ou ir a Lisboa e não tirar uma fotografia com o escritor no Chiado. (p. 16)

Muitos destes locais constituem recursos literários de inigualável valor, devido à sua conservação através dos tempos. Casas de autores, cafés que frequentavam, neles o turista “procura reminiscências dos seus escritores e poetas preferidos, imagina percursos e vive acontecimentos singulares, fazendo acontecer a experiência turística” (Sardo, 2009, p. 343). Este tipo de turismo está em expansão e, como refere Neves (2010, p. 265), “o que era há pouco tempo uma aventura confinada a intelectuais, amantes radicais da literatura ou passeantes, tem-se tornado um novo ramo do turismo em todo o mundo, o turismo literário”. Neste artigo, pretendemos efetuar uma reflexão sobre a relação entre turismo e literatura, apresentando diversos exemplos de como as obras literárias têm sido exploradas um pouco por todo o mundo e em Portugal em particular, no sentido de proporcionar experiências turísticas culturais a visitantes atuais e potenciais no contexto do turismo literário, contribuindo para a dinamização dos destinos.