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Antes de mais, importa clarificar a distinção entre a literatura de viagens e literatura de turismo. Quinteiro & Baleiro (2017) argumentam que

enquanto que a literatura de viagens corresponde a um género (Hooper & Youngs, 2004, p. 14) ou subgénero literário (Cristovão, 2002, p. 35) assente em narrativas cuja característica fundamental é a descrição de uma viagem (real ou imaginária), a literatura de turismo refere-se a um conjunto de textos, que por determinados efeitos intencionais e semânticos, são permeáveis a uma exegese interdisciplinar nas áreas da literatura e do turismo. No conjunto destes textos encontram-se alguns dos classificados como literatura de viagens. Todavia os textos de literatura de turismo não se limitam à literatura de viagens. (p. 21)

Neste sentido, e segundo as autoras (Quinteiro & Baleiro, 2017)

a literatura de turismo designa os textos literários que têm o condão de motivar leitores a transformar-se em “turistas de facto”, e a realizar viagens para além daquelas que os livros lhes proporcionam, de modo a sentirem-se mais próximos dos livros, dos autores e das personagens. Ou seja, estes textos conseguem promover o turismo literário: um nicho do turismo cultural que tem a especificidade de implicar a deslocação a lugares, de algum modo, relacionados com a literatura. (p. 23)

Hopen et al ( 2014, p. 37) dizem-nos que “Literary tourism occurs when authors or their literature become so popular that people are drawn to either those locations associated with the author (e.g. birthplace, home, graveside) or those featured within their writings”.

Butler (2000) define-o como

a form of tourism in which the primary motivation for visiting specific locations is related to an interest in literature. This may include visiting past and present homes of authors (living and dead), real and mythical places described in literature, and locations affiliated with characters and events in literature. (p. 546)

Herbert (1996) distingue entre diferentes tipologias de sítios literários: sítios relacionados com a vida do autor (como, por exemplo, as casas-museu); sítios relacionados com o mundo ficcional criado pelo autor na sua obra; sítios relacionados com a vida e obra do autor, mas valorizados pelo visitante por o recordarem do seu próprio passado, evocando-lhe, por exemplo, memórias de infância, causando-lhe nostalgia.

Carvalho & Baptista (2015) alertam para a importância de distinguir entre “sítio literário” de “itinerário literário”. O sítio literário diz respeito ao lugar ao qual é associado um autor, quer seja pela sua vida ou ficção (obra literária) e que, nesse sentido, mistura passado e presente. Por outro lado, o itinerário literário procura estabelecer uma relação entre diversos locais, paisagens ou atracções associadas a um escritor ou poeta.

Os itinerários literários podem ser regionais, suprarregionais ou mesmo internacionais, envolvendo lugares, paisagens e atrações ligadas ao escritor ou à sua obra. Estes podem ser percorridos de forma independente pelos turistas ou podem estar integrados num pacote turístico criado por empresas ou organizações locais do turismo de modo a atrair visitantes, a divulgar o destino e a cultura local ou a aumentar as receitas com a vinda de turistas”. (p. 59)

Os locais relacionados com a literatura constituem um atrativo inegável para estes turistas, tais como casas-museu de conhecidos autores (refiram-se a título ilustrativo a casa de Charles Dickens, em Londres, ou a casa de Victor Hugo, em Paris), percursos reais tornados ficcionais, ou que foram mistificados pela criação literária, ou, ainda, festivais literários. Também os locais frequentados pelos escritores despertam interesse, tais como cafés, restaurantes, bibliotecas, hotéis, entre outros. Impensável visitar Lisboa e não tirar uma fotografia com Fernando Pessoa no Chiado...

Butler (2000) defende que lugares fortemente marcados pela presença de um autor podem ser ‘vendidos’ de forma a explorar essa mesma presença. Vejam-se alguns exemplos internacionais de autores cujas obras suscitaram um elevado interesse pelos locais onde decorre a ação das suas histórias, como Dan Brown, tendo o Código Da Vinci ou Anjos e Demónios, induzido inúmeros turistas a visitar Paris, Londres

ou Roma. O mesmo ocorre quando se lê Gabriel Garcia Márquez tendo a Colômbia como referência; Miguel Cervantes e o seu “Don Quijote de la Mancha” por terras espanholas; Franz Kafka e Praga; James Joyce e Dublin; Paris e Baudelaire; Grã-Bretanha e Agatha Christie, Anne Frank e Amesterdão, entre tantos outros... Alguns destinos já tomaram consciência do potencial deste mercado de nicho e desenvolveram projetos no âmbito do turismo literário. Oliveira (2017, p. 67) elenca alguns destes projetos: o KwaZuluNatal Project, que define mapas e itinerários literários para África do Sul; o New Zealand Book Council que construiu um mapa literário do país; ou o New York Times que traçou um mapa literário para a cidade de Manhattan.

Oliveira (2017) e Sardo (2008), referem, ainda, a França como o país que mais oferta apresenta no domínio do turismo literário a fim de dar a conhecer e disseminar as casas dos escritores e o património literário francês. De acordo com a Fédération des Maisons d’Écrivains & Patrimoines Littéraires existem cerca de duzentos e oitenta lugares literários só em França.

A um nível privado, agências especializadas em turismo literário promovem visitas a locais como Londres, onde decorre a saga de Harry Potter, ou o castelo do Drácula, na Transilvânia, na Roménia, espaço da obra de Bram Stoker. Estes são os exemplos mais recentes e mais mediáticos, pertencendo a uma literatura mais ligeira.

Existem grandes agentes como a British Tours, que dispõe de passeios privados de Londres a Paris, em torno de Paris, França, Roma e Itália, criadora de vários percursos em torno da literatura como: “Charles Dickens Literary Tour”, “Shakespeare Country Tour”, “Harry Potter Tour in London & Oxford”, “Overnight Pride & Prejudice Tour” ou “English Literary Tours”. Também a Literary Traveler surge neste panorama como um agente que diz ajudar os leitores a explorar a sua imaginação literária, desde 1998, fornecendo conhecimentos informativos e inspiradores sobre a temática em causa, apresentando uma grande variedade de passeios e eventos literários, nomeadamente um em Portugal: “Portugal: Poised Between Proud Tradition and Global Modernity”.

Os Hotéis Literários também estão a surgir um pouco por todo o mundo. O New York Times, numa lista publicada pela Revista Volta ao Mundo1 em 2017, apresenta sete propostas: o Library Hotel, em Nova

Iorque, que disponibiliza aos seus hóspedes 6 mil livros; o Heathman Hotel, em Portland, que possui 2700 livros autografados por alguns dos mais importantes nomes da literatura contemporânea; o Sylvia Beach Hotel, em Newport, com quartos inspirados em Agatha Christie, Mark Twain, William Shakespeare ou Jules Verne; o B2 Boutique Hotel & Spa, em Zurique, com 33 mil livros; o Eurostar Book Hotel, em Munique, onde

      

1https://www.voltaaomundo.pt/2017/02/06/hoteis-pelo-mundo-onde-pode-dormir-com-os-livro4/ (consultado em 2 de

cada andar é dedicado a um génio literário; o Taj Falaknuma Palace, em Hyderabad, com mais de 5 mil livros e manuscritos raros; ou o Gladstone´s Library, no país de Gales, com 250 mil livros.

Em Portugal, destacamos o The Literary Man Óbidos Hotel ou o Hotel José Régio, em Portalegre. Em Portugal também não faltam exemplos de autores cuja vida e obra estimulam o imaginário do leitor impelindo-o a transformar-se num turista, descobrindo autores como Camilo, Garrett, Eça, Pessoa ou Saramago, através dos lugares onde viveram/vivem e escreveram/escrevem ou aquelas paisagens que serviram de cenário aos seus textos, temática que será explorada na secção seguinte.

Turismo literário em Portugal