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FUNCIONALISMO E TRADUÇÃO LITERÁRIA: REFLEXÕES SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA

2. Um panorama da teoria do escopo

A teoria do escopo parte de uma teoria geral da ação, entendida como um agir-em-situação provido de intenção e motivado pela avaliação de uma situação e pela busca de uma nova situação mais valiosa do que aquela vigente. A ação resultante – transcorrida no contexto de uma cultura específica – atinge condições de felicidade quando as pessoas dessa cultura a consideram provida de sentido em função do objetivo que pretende atingir. Um dos objetivos possíveis de uma ação é estabelecer comunicação – e assim surge o texto, concebido como uma oferta de informação feita por um produtor a um destinatário, levando-se em conta as circunstâncias da situação comunicativa. O escopo da ação define a forma de agir.

No que diz respeito à tradução, a principal diferença em relação a outros tipos de ação consiste em partir de uma ação previamente concluída na cultura-fonte. Uma vez recebido pelo tradutor, o texto-fonte é reescrito na língua-alvo como um tipo especial de oferta de informação sobre uma oferta de informação. Por dirigir-se a um receptor distinto em uma cultura distinta, na teoria do escopo o tradutor não é visto apenas como executor de uma operação linguística, mas como responsável por uma operação intercultural. Os parâmetros desta operação não se encontram dados a priori: é preciso estipular os termos em que a comunicação deve ocorrer na cultura- alvo e então recorrer à língua-alvo para atingir o objetivo determinado. Torna-se assim possível e justificável que, na medida do necessário para se atingir esse objetivo, o texto-alvo sofra alterações em relação ao texto-fonte. Sendo assim, passa-se a um entendimento de que as traduções não realizam nem mais nem menos do que os originais, mas simplesmente servem a um objetivo diferente – e é precisamente esta forma de conceber a tradução que fundamenta a possibilidade de abordagens criativas no processo tradutório.

Quanto à oferta de informação a ser feita na cultura-alvo e na língua-alvo, existem dois tipos: o primeiro diz respeito ao tipo comentário, definido como uma oferta de informação que se revele no próprio texto como sendo uma oferta de informação sobre outra oferta de informação, enquanto o segundo diz respeito ao tipo trasladação, definido como um processo interlinguístico e intercultural que não se revela explicitamente no próprio texto e portanto não é prontamente reconhecível como uma oferta de informação sobre outra oferta de informação. A variedade de escopos possíveis e os diferentes procedimentos tradutórios necessários para atingi- los fazem com que as traduções se definam como textos não univocamente reversíveis em relação aos originais a que correspondem.

Uma vez recebida, a tradução pode ser compreendida e adquirir sentido desde que possa ser interpretada como suficientemente coerente consigo própria e com a situação da comunicação. A tradução encontra-se também sujeita à coerência intertextual em relação ao texto de partida, embora essa coerência esteja subordinada à coerência intratextual: uma tradução deve ser um texto autônomo e compreensível, sob pena de não satisfazer os critérios de existência de um texto.

Sendo o escopo o parâmetro mais importante de uma tradução, torna-se necessário admitir que uma tradução pode apresentar informações diferentes daquelas constantes no texto-fonte, uma vez que o objetivo do tradutor não consiste necessariamente em oferecer aos destinatários do texto-alvo a mesma informação oferecida pelo produtor original, mas tão-somente em oferecer-lhes a informação que julgar necessária da melhor forma possível em função do objetivo a ser atingido. Quando o escopo de uma tradução é fazer a imitação mais próxima possível da função e dos aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos do texto-fonte no texto-alvo, pode-se falar em uma tradução comunicativa: somente nesse caso é possível descrever a relação de uma tradução com o texto-fonte que lhe corresponde em termos de equivalência.

A fim de possibilitar tanto a análise de originais e traduções como as especificações do escopo e da realização efetiva de uma tradução – bem como a fim de oferecer um método que permita resolver possíveis conflitos entre o escopo do texto original e o escopo pretendido para o texto traduzido –, as teorias especiais da teoria do escopo propõem uma tipologia top-down, que parte dos elementos textuais mais genéricos e torna-se gradativamente mais específica até chegar ao nível do espécime textual particular em que se trabalha.

O primeiro nível de análise diz respeito ao tipo textual, que se divide em três: informativo, que tem como principal objetivo a transmissão de informação; expressivo, que tem como principal objetivo a apresentação de um texto artisticamente organizado; e operativo, que tem como principal objetivo a apresentação de um texto persuasivo. Dificilmente se encontram espécimes não-híbridos de qualquer uma dessas categorias, mas o tipo textual dominante pode e deve ser usado para resolver conflitos no interior de um mesmo texto. O segundo nível de análise diz respeito à variedade textual, definida como o conjunto de características supraindividuais observáveis em ações comunicativas recorrentes que apresentam padrões característicos de forma e de uso,

enquanto o terceiro e último nível de análise diz respeito às características do espécime textual considerado como texto único.