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UM ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NA REDE SOCIAL FACEBOOK

1. Média e Cibercultura

Para Pierre Lévy, Cibercultura é “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (Lévy, 1999). Mas é também preciso definir o que é o ciberespaço:

O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (ibidem)

Os conceitos de cibercultura e ciberespaço estão ligados e ambos são importantes para a realidade que se vive atualmente. Estes conceitos mostram a evolução da sociedade e como a tecnologia se tornou importante para o Ser Humano. Para Inês Amaral, o conceito de cibercultura nasceu com o ciberespaço (Amaral, 2008) e aponta que “a Cibercultura define-se como a dinâmica sócio-cultural e política da rede, que traduz uma reformulação das relações sociais e a criação de comunidades em ambientes virtuais, ao mesmo tempo que diz respeito à emergência de novos comportamentos.” (ibidem). Desta forma a cibercultura veio alterar a forma como se vive, levou a que o mundo online a ficasse ainda mais próximo da população e que esta vivesse num mundo virtual. De certa forma, a população acabou por começar a viver mais neste mundo virtual do que no mundo físico e essa foi uma das grandes mudanças que a cibercultura trouxe:

(…) vivemos e respiramos Cibercultura, independentemente de concordarmos ou não com os rumos que nossa sociedade tomará. (...) O mais importante, num primeiro momento, é compreender que estamos inseridos na cibercultura, a cultura tecnológica, e que o prefixo inglês cyber (ciber em português) vem do grego kubernetes e quer dizer embarcação, governo, controle. Daí a ideia de navegação com a qual constantemente nos deparamos como metáfora do uso da Internet. O cyber também nos remete à questão da cibernética, disciplina criada pelo matemático norte-americano Norbert Wiener na década de 40 que diz respeito ao controle das informações através das máquinas. A cibercultura, portanto, dá conta dessa omnipresença tecnológica que muitas vezes nos parece trivial” (Amaral apud Amaral, 2008:328)

Como afirma Carina Rufino, a partilha e a interatividade entre as pessoas em todos os lugares do mundo é a principal característica desta forma de comunicação. (Rufino, 2009) A autora aponta ainda que “pela primeira vez na história, as tecnologias de comunicação passaram a permitir a interação, a colaboração e intercâmbio de informações em tempo real, sem as barreiras da distância física ou de processos lineares, introduzindo uma nova fase no processo comunicacional” (ibidem). À medida que a tecnologia avança, é expectável que cada vez mais influenciem e alterem o modo de vida de todas as pessoas.

 

Com o passar dos anos a Internet evoluiu e trouxe consigo a Web 1.0 e, mais tarde, a Web 2.0. Em 2004 a empresa O’Rilley Media criou o termo Web 2.0 como sendo uma segunda geração da World Wide Web, sendo que esta segunda geração estava mais relacionada com a colaboração e partilha de informação. (Silva et al., 2009). Na Web 2.0 o utilizador é consumidor e produtor de informação, há facilidade de criação e edição de páginas online, o utilizador tem vários servidores para disponibilizar as suas páginas de forma gratuita e há um número ilimitado de ferramentas e possibilidades. (ibidem). Esta evolução teve um grande impacto na sociedade. Desde 2004 e até aos dias de hoje, cada vez mais as características da Web 2.0 são exploradas por todos os utilizadores do mundo virtual. A Web 2.0 pode ser caracterizada por “um conjunto de tecnologias inovadoras que fazem com que a informação deixe de ser dependente de quem a criou e do site originário desta, é uma nova forma de a informação ser divulgada ao mundo.” (idem: 4)

As redes sociais vieram alterar a forma de viver das pessoas e a forma como estas viam o mundo. Inês Amaral aponta que:

as redes sociais na Web nascem da interacção mediada por computador e a nova sociabilidade compreende-se na medida em que através de ambientes espácio-temporais distintos, é possível gerar laços sociais. No entanto, as relações que se geram entre os atores sociais são claramente diferenciadas, na medida em que o espaço da nova sociabilidade, das interações mediadas por computador, é o território virtual (2016:102)

Desde que surgiram, as redes sociais, tornaram-se um fator de ligação entre pessoas de todas as partes do mundo. Passaram a ser uma forma de ajuda na diminuição da distância física. E levaram também a que muitas pessoas vivessem em prol do que se diz e se publica nestas. Gonçalo Costa Ferreira afirma que:

[a]rede social é uma estrutura social composta por indivíduos, organizações, associações, empresas ou outras entidades sociais, designadas por atores, que estão conectadas por um ou vários tipos de relações(…). Nessas relações, os atores sociais desencadeiam os movimentos e fluxos sociais, através dos quais partilham crenças, informação, poder, conhecimento, prestígio etc. (2011: 213)

Maria Inês Tomaél, Adriana Alcará e Ivone Di Chiara veem as redes sociais como “espaços para o compartilhamento de informação e do conhecimento. Espaços que podem ser tanto presenciais quanto virtuais, em que pessoas com os mesmos objetivos trocam experiências, criando bases e gerando informações relevantes para o setor em que atuam.” (Tomaél, Alcará, Di Chirara, 2005). São, desta forma, espaços de contacto instantâneo onde os utilizadores criam conteúdos e consomem conteúdos, estando conectados entre si de forma rápida. Recuero afirma que “redes sociais na Internet são constituídas de representações dos atores sociais e de suas conexões. Essas representações são, geralmente, individualizadas e personalizadas.” (Recuero, 2009) Desta

 

forma, as redes sociais são vistas através da forma como os utilizadores as usam, através dos seus perfis pessoais, e com quem se conectam nelas.

2. O Facebook e a violência simbólica

Sobre a rede social Facebook, Correia e Moreira, referem que “pode ser definido como um website, que interliga páginas de perfil dos seus utilizadores.” (Correia & Moreira, 2014) Foi em 2006 que ocorreu a grande expansão do Facebook, na qual qualquer internauta com uma idade superior a 13 anos e com um endereço de email válido poderia fazer parte desta rede social. (Correia & Moreira, 2014). O Facebook, desde que surgiu, tem sido a rede social com um maior número de utilizadores por todo o mundo e com o maior número de utilizações diárias. Pode-se até dizer que em vários casos é o Facebook que move as pessoas, ou seja, que as leva a unirem- se sobre um determinado assunto e que mais tarde as leva a tomar uma certa posição e a moverem-se por ela. Os mesmos autores apresentam o seguinte exemplo:

Um exemplo demonstrativo da importância emergente do Facebook na formação da sociedade contemporânea está relacionado com a derrota do presidente Hosni Mubarak, em 2011, no Egito, após um longo mandato. Com mais de cinco milhões de utilizadores, o Facebook, no Egito, assumiu um papel de particular importância, uma vez que os manifestantes usaram esta rede social para organizar e dinamizar a rebelião. (Correia & Moreira, 2014)

Também Nilton Kleina fala da importância do Facebook para mover as pessoas em torno de algo. O autor refere-se aos movimentos e manifestações existentes no Brasil em torno do Mundial de 2014. O autor aponta que:

No caso dos protestos contrários à Copa do Mundo de 2014, o site surge como uma forma de suporte efetiva para as manifestações, que se mostram tão ativas na internet quanto nas ruas no período anterior e durante o torneio de futebol. Não se pode negar que o site contribui na organização de mobilizações e na propagação ou discussão de ideias. A rede social configura- se, portanto, como uma extensão da esfera pública, ou uma esfera pública virtual.(Kleina, 2014)

O Facebook para além de uma forma de comunicar com pessoas em todos os pontos do mundo é, também ele, uma forma de mover as pessoas, de as unir em prol de algo maior e em que acreditam. É uma forma de organizar manifestações, festas e todo o tipo de eventos. O Facebook é uma ferramenta muito útil hoje em dia e chega até a ser uma forma de dependência para muitos utilizadores e deu origem a um conjunto de novos comportamentos, como a violência simbólica.

 

A violência “é um problema da sociedade, que desde a modernidade o tem tratado no âmbito da justiça, da segurança pública, e também como objeto de movimentos sociais.” (Minayo). Nos dias de hoje continuam a existir atos de violência física, algo que existe desde sempre na história do Homem. O conceito de violência é algo criado pela sociedade, isto é:

a sociedade é colocada sob julgamentos e suspeitaspermanentes. (…) Isto quer dizer que a própria sociedade determina os papéis decerto e errado, bem e mal e, desta maneira, cria um tipo de violência que é assimilada comocomum e passa, portanto, despercebida nas relações sociais. (Schinestsck, 2015)

Contudo há outro tipo de violência já conhecida há muito tempo e que se tem sentido cada vez mais nos dias de hoje. Foi no século XX que Pierre Bourdieu criou o conceito de violência simbólica. Este é uma forma de violência que causa danos morais e psicológicos. Violência simbólica segundo Bourdieupode ser definida da seguinte forma:

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os «sistemas simbólicos» cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outras (violência simbólica) dando reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a «domesticação dos dominados». (1989:11)

A violência simbólica é vista como:

um processo de intervenção no arbitrário cultural, no qual a concepção cultural dos grupos e classes dominantes impõe a toda sociedade um direcionamento pré-determinado, mesmo que de maneira inconsciente. É um tipo (…) de violência, (…) estabelecida pela linguagem que, por sua vez, está submetida a estratégias de discursos que criam efeitos de sentido que amenizam o “dito” através dos efeitos das palavras. (Schinestsck, 2015:20)

A violência simbólica é um tipo de violência suave, assimilada e transmitida pela sociedade sem questionamentos, como uma verdade absoluta que não necessita de nenhum tipo de reflexão. Para Bourdieu esta violência traz um poder simbólico que se define numa relação determinada entre aqueles que estão a exercer o poder e aqueles que lhe estão sujeitos (Bourdieu, 1989). Desta forma é possível ver que a perpetuação do poder simbólico são forças produzidas e reproduzidas pelas estruturas, reafirmando as posições na hierarquia e superioridade entre os indivíduos. A violência simbólica refere-se a todos os atos de imposição simbólica realizado através de significações incorporadas como legítimas e verdadeiras em determinado indivíduo ou sociedade. Trata-se de um conjunto de ações que insultam camufladamente o sujeito. (Schinestsck, 2015).

 

A violência simbólica na rede social Facebook é estudada através dos diferentes tipos de violência online. São eles, segundo Schinestsck:

Cyberbullying – práticas de agressão moral organizadas por grupos, contra uma determinada pessoa e alimentadas via Interne;

Cyberstalking – tipo de stalking realizado através da Internet e dos meios de comunicação neles existentes (redes sociais), e que pode espelhar os vários padrões de comportamento como abuso ou ameaça à integridade da pessoa;

Flaming – é uma interação hostil entre utilizadores através de mensagens ofensivas;

Online harassment – Direciona múltiplas e repetidas obscenidades e comentários depreciativos a uma pessoa específica;

Happyslapping – uma ou mais pessoas que estejam aborrecidas vão atacar alguém com o propósito de filmar e partilhar online;

Online Shamming – é uma forma de vigilância online na qual os alvos são humilhados publicamente. Todos os tipos de violência acima descritos partem de uma relação fundada na indiferença entre os indivíduos tornando-os cada vez mais fragmentados e individualistas, (Schinestsck, 2015) estando assim sujeitos a uma dominação da violência simbólica. No Facebook, outra forma de existência de violência simbólica, são as “indiretas”. Apenas quem as escreve sabe para quem as direciona, mas há sempre muitas outras pessoas que se sentem ofendidas ou atingidas com o que foi dito sem que nada tenha que ver com elas. Contudo, os comentários, as imagens partilhadas, os emojis, os gifs, os “memes”, entre muitos outros, podem também eles ser considerados formas de violência simbólica mas disfarçada. Quando se partilha algo no Facebook, se é de interesse ou até se é alguma “indireta” que outra pessoa sinta a necessidade de mostrar também aos seus amigos, há uma grande rapidez na propagação do conteúdo e, desta forma, reforça-se a violência simbólica no mundo online. Mesmo sem existir qualquer palavra ou expressão de tipo ofensivo, já há violência simbólica, ou seja, já se está a causar algum dano em alguém. Apenas a partilha de informações e a forma como são partilhadas já pode causar danos e já pode apresentar violência simbólica.