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4.3 Campo do jornalismo

4.3.1 Conteúdo jornalístico como bem simbólico

A notícia e suas variantes são os principais bens simbólicos produzidos pelo campo jornalístico. Sob o ponto de vista da sociologia interpretativa, o desenvolvimento da notícia como uma realidade construída pelos jornalistas e organizações de imprensa, que agem de forma a definir, em conjunto com a estrutura social, as normas sobre o que é notícia. A perspectiva da notícia como fator de construção da realidade e produzidas pelos jornalistas é apontada por diversos autores (MORLOTCH e LESTER, 1999; TUCHMAN, 2002; SCHUDSON, 1989, WEBER, 1924). Nesse sentido, Weber (1924) enumera os questionamentos que devem ser feitos para estudar a imprensa:

Perguntando primeiro: O que aporta a imprensa à conformação do homem moderno? Segundo: Que influências exerce sobre os elementos culturais objetivos supraindividuais? Que deslocamentos produz neles? O que se destrói ou é novamente criado no âmbito da fé e das esperanças coletivas, no “sentimento de viver” [...], que possíveis atitudes são destruídas para sempre, que novas atitudes são criadas? (WEBER, 1924, p. 1930).

Nesse sentido, tem-se que a produção de notícias tem importância no processo de subjetividade coletiva e a aciona para expor os fatos e opinar sobre os assuntos que julga de interesse. Tuchman (2002) afirma que as notícias auxiliam no processo de construção da

realidade social “como um fenômeno social partilhado”, visto que ao descrever os acontecimentos, elas “definem e moldam” a ocorrência, impondo-lhes significações (p. 94-95). Partindo da visão filosófica de Schutz (1962), Tuchman (2002) descreve que as notícias fazem parte da atitude natural do ser humano e fenômenos sociais que auxiliam na criação de significados. Assim, a autora descreve duas características da transformação dos acontecimentos em notícias e que fazem parte do caráter público das notícias e do trabalho noticioso como um todo: reflexividade e indexicalidade:

A reflexividade especifica que os relatos dos acontecimentos estão inseridos na mesma realidade que eles próprios caracterizam, registram ou estruturam. A indexicalidade especifica que os atores sociais, ao utilizarem relatos (termos, enunciações ou narrativas), podem atribuir-lhes sentidos independentes do contexto no qual esses relatos são produzidos e processados. (TUCHMAN, 2002, p. 98). Tuchman (2002) então explica que essas duas características são componentes do caráter público das notícias, que predispõe que as notícias registram a realidade social, mas também são um produto dessa realidade. O fato de as notícias dar forma pública a acontecimentos que não seriam conhecidos, faz com que ela lhe atribua existência e também faça parte dos acontecimentos em si (reflexividade). A autora afirma que a divulgação das informações é, ainda “base para a formação do conhecimento”. A publicação de matérias sobre determinados fenômenos sociais ajuda a formar uma consciência coletiva a respeito deles. Essa consciência e mesmo as informações relatadas nas notícias podem ser objeto de estudo e fonte de informação sobre os diversos assuntos, que, tirados de seu contexto, demonstram a indexicalidade das notícias.

A reflexividade também está presente no trabalho, explica Tuchman (2002) de produção de notícias à medida que o trabalho jornalístico está inserido no contexto de uma estrutura política no qual ele se baseia e reproduz. O fato de se tirar um acontecimento de seu contexto para contá-lo com estória numa página de jornal indica a indexicalidade própria da produção noticiosa.

Outro conceito de importância para se entender como as notícias atuam no processo de construção da realidade social é a noção de quadro simbólico, de Goffman (1974), que é responsável por organizar e dar sentido aos acontecimentos. As notícias possuem quadros simbólicos responsáveis por organizar a realidade do cotidiano, sendo parte desta mesma realidade, atraindo para si o seu caráter público (TUCHMAN, 2002).

Sobre o papel das notícias na realidade social partilhada, Morlotch e Lester (1999) apontam diferentes tipos de necessidades de notícias. As necessidades de notícias dos diferentes tipos de pessoas, que estão distintamente posicionadas perante a organização do trabalho

jornalístico, produzem “conhecimento” social e político do público. Nesse sentido, os acontecimentos são usados como pontos de referência para passado e futuro, sendo que alguns não são presenciados e passam a ser observáveis. Para os autores, as notícias são o trabalho de produção daqueles que estão nos meios de comunicação e são capazes de informar.

Morlotch e Lester (1999) descrevem o processo em que os fatos viram acontecimentos noticiosos e são considerados pontos de referência de acordo com sua utilidade. Considerando as ocorrências de acordo com seu papel para ser ponto de referência, jornalistas, historiadores, sociólogos e analistas políticos definem o leque de acontecimentos que criam o tempo público. Este tempo público, definem os autores, é o passado socialmente compartilhado e padronizado. Os autores mencionados acima descrevem as linhas de percurso desses acontecimentos públicos para a produção das notícias e explicam que todas as ocorrências passam por um conjunto de agências (indivíduos ou grupos), cujo os principais são: promotores de notícia, os newsassemblers (todos os profissionais do campo jornalístico que participam na “montagem” do produto do jornalismo) e os consumidores de notícias. Os promotores de notícias são responsáveis pela transformação de uma ocorrência em acontecimento e promovem a circulação das ocorrências das quais são responsáveis.

A segunda agência é responsável pela montagem das notícias e tem o papel de verificar o valor de uma “estória”. Os promotores de notícias poderosos podem mudar a rotina de trabalho dessa agência, que é formada pelos jornalistas, e aumentar as correspondências entre suas necessidades e a do corpo jornalístico. Sobre o trabalho dos jornalistas, os autores refletem que ele é permeado de intencionalidade, em que é produzido um bem que favorece as necessidades de acontecimentos de grupos sociais e desfavorece as de outros. O consumo, como terceira agência, pode definir as necessidades da mídia.

Considerando as agências na produção de acontecimentos, Morlotch e Lester (1999) definem quatro tipos de acontecimentos públicos: acontecimentos de rotina – realizado intencionalmente e promovidos pelo executor (as pessoas produtoras são aqueles que promovem os acontecimentos); acidentes – involuntariamente (não intencional), promovido pelo informador (residem nos cálculos errados que levam à quebra da ordem habitual); escândalos – realizado intencionalmente e promovido pelo informador; e descoberta por acaso – involuntário, em que o promotor dissimula o acontecimento fazendo parecer acidente. Nesse sentido, nenhum desses tipos de notícias é um evento espontâneo do mundo que a imprensa descobre por conta própria. Desta forma, Morlotch e Lester (1999) defendem que os jornais não refletem o mundo, mas sim as práticas daqueles que tem o poder de determinar as

experiências dos outros. Nesse sentido, os autores buscam os “propósitos que estão subjacentes às estratégias de criação de uma realidade em vez de uma outra” (p. 50). Assim, para se estudar e consumir mídia, os autores argumentam que é necessário considerar que os acontecimentos são considerados através de um trabalho político feito pelos detentores do poder no momento. Levando em consideração como as notícias são produzidas como bens simbólicos, parte-se, agora, para a discussão sociológica sobre um conceito-chave para a história da imprensa e para os estudos sobre o campo jornalístico: a objetividade. Como será visto, o esclarecimento sobre este tema é de importância para que se possa avançar nas pesquisas e aprofundar os estudos no sentido afastar o objetivo de se descobrir se um veículo ou profissional é parcial/imparcial, objetivo/subjetivo.