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A pesquisa proposta tem, por ponto de referência teórica, o estudo sociológico sobre a imprensa, em especial a escrita. Sendo assim, busca-se a explicação de importantes mecanismos e dispositivos que atuam no jornalismo sob o ponto de vista da sociologia. Assim como Weber (1992) explica, ao tratar de um programa para se pesquisar a imprensa, deve-se considerar a grande importância e necessidade que o mundo moderno tem para com o jornalismo. Busca-se, dessa maneira, explicar de forma sociológica os fenômenos que tornam o jornalismo como ele o é hoje ou suas possibilidades de acordo com os indicadores atuais.

Parte-se, ainda, de que a estrutura social do jornalismo é responsável pelo seu conteúdo, suas escolhas, agentes e motivações. Nesse sentido, com o objetivo de se estabelecer os pressupostos que dão razão aos fenômenos sociais coletivos que permeiam a imprensa, há algum tempo os cientistas sociais buscam entender a ordem por trás da produção de notícias e o primeiro estudo formal sobre como as empresas de jornalismo produzem as notícias, que tratava sobre os gatekeepers de White, data da primeira metade dos anos 1950 (SCHUDSON, 1989).

Schudson (1989) aponta três abordagens sociológicas para o estudo da imprensa: perspectiva da economia política das notícias, abordagem da organização do trabalho de notícias e perspectiva culturológica ou antropológica. Sobre a primeira perspectiva, o autor destaca que, apesar da visão caricata de “teoria da conspiração” que ela carrega, os estudos mais sofisticados trazem importantes contribuição para o estudo da mídia. A importante contribuição desse tipo de estudo é a relevância do poder econômico político sobre a imprensa com um todo. Weber (1992) já reconhecia esta como uma importante relação de poder que influencia a imprensa e que precisa ser estudada. No entanto, vários fatores desacreditam a influência econômica-política como única sobre o trabalho da imprensa: “fato que os repórteres geralmente iniciam seu trabalho por conta própria, que os editores raramente encontram com seus anunciantes e que a maioria dos jornalistas não tem ideia de quem senta na mesa de

diretores das instituições para quais eles trabalham” (SCHUDSON, 1989, p. 267, tradução nossa).

No entanto, as pesquisas consonantes com essa perspectiva apontam a larga coincidência entre a forma como os assuntos são tratados na mídia e a definição proveniente dos detentores de poder legitimados. Nesse sentido, Schudson (1989) cita o trabalho de Chomsky e Herman que oferecem o “modelo de propaganda” para explicar a imprensa. Para eles, a mídia serve para estabelecer poder, o que é explicado pelos fatos de que as notícias são produzidas por uma indústria relativamente concentrada em poucas corporações visando o lucro, de que esta indústria depende de publicidade para seus lucros, de que a imprensa é pressionada pelos grupos de direita e, ainda, de que está imbuída com a ideologia anticomunista. No entanto, este tipo de explicação não ganha solidez porque considera apenas um dos dois interesses que o jornalismo tem que atender, que são a própria legitimação como empresa íntegra e de credibilidade e a legitimação do sistema capitalista como um todo.

A segunda perspectiva pela qual a sociologia busca compreender o jornalismo revisada por Schudson (1989) é a abordagem da organização social do trabalho de produção de notícias, em que se defende que as relações sociais e burocráticas do trabalho jornalístico possuem mais importância do que o fator econômico para a produção das notícias. Isso foi demonstrado em pesquisas que concluíram que a interação dos jornalistas com as autoridades é que define o jornalismo diário (SCHUDSON, 1989).

A relação com as fontes oficiais é assunto de interesse dos estudos sociológicos sobre o jornalismo e a identificação de quem domina (autoridades ou jornalistas) divide opiniões. Nesse sentido também apontou o estudo de Breed (1987) sobre a mídia como garantia de que um conjunto de valores continue visível e se torne fonte contínua de consenso. O autor concluiu que a mídia “protege” valores, tipos de comportamento e indivíduos específicos. Assim, valores do capitalismo, lar, religião, saúde, justiça, nação e comunidade, bem como médicos, líderes de negócios, juízes, mães, entre outros, recebem tratamento favorável pela imprensa. Outra conclusão de Breed (1987) é de que o ritual de disseminação da mídia contribui para que esta mantenha a função de “conservação das bases socioculturais”, explicando que “não se trata de que as pessoas ‘aprenderam’ algo do media, mas de que elas se acostumaram a um ritual estandardizado” (p. 229).

Esta abordagem que valoriza a organização social do trabalho jornalístico une pressupostos teóricos da visão do construcionismo social e a teoria organizacional ou burocrática para explicar o fenômeno do jornalismo. Para esta última teoria, explica Schudson

(1989), não importa que os jornalistas são ou de onde eles vêm, pois eles são socializados nos valores e rotinas dos rituais diários do jornalismo. Dessa forma, esta abordagem enfatiza os “constrangimentos impostos pelas organizações [...] e a inevitabilidade da “construção social” da realidade em qualquer sistema” (SCHUDSON, 1989, p. 274, tradução nossa). Neste sentido, compartilha-se com Schudson (1989) e destaca-se o que prescreve Tuchman (1978) ao salientar que a verificação dos fatos feita pelos jornalistas é realização de caráter político e profissional. A abordagem culturológica ou antropológica revisada por Schudson (1989) traz importantes contribuições para o estudo da mídia a medida que enfatiza a relação entre os acontecimentos e um sistema simbólico em que ele toma sentido. Esta abordagem, para o autor, é relevante para entender interpretação vaga de como os jornalistas reconhecem as notícias quando as veem, que seria o newsjudgement. Sob esta perspectiva, Schudson (1989) se refere a Hoggart (1982) e afirma que o “ar cultural” é o mais importante filtro pelo qual as notícias são construídas (p. 278), o qual tem forma e conteúdo. O conteúdo do ar cultural do jornalismo norte-americano, de acordo com a classificação de Gans (1979) e recorrido por Schudson (1989), seria “etnocentrismo, democracia altruísta, capitalismo responsável, pastoralismo, individualismo e moderalismo” (p. 278) e a forma seria a narrativa e a forma de contar as estórias.

Considerando essas abordagens revisadas por Schudson (1989), apresenta-se, a seguir, a explicação do jornalismo sob o ponto de vista da teoria dos campos de produção cultural de Pierre Bourdieu, a qual foi escolhida como atitude reflexiva para se estudar o jornalismo nesta pesquisa. Esta escolha foi feita em razão de que a teoria apresenta o campo de produção simbólica do jornalismo considerando-o como espaço de relações de força internas – relações sociais – e externas (perspectiva organizacional e econômica política), bem como refere aos sistemas simbólicos e as disposições incutidas culturalmente (abordagem culturológica) para explicar os mecanismos e fenômenos do campo.