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Neste contexto de financeirização e alinhamento do jornalismo econômico às reformas liberais apontadas pelos autores aqui citados, cabe, então, estabelecer uma relação entre os campos midiático e econômico, mas especificamente o campo dos economistas no Brasil, marcado por linhas de pensamento econômico divergentes, que possuem relações entre si que merecem ser investigadas. A mídia, a política e a economia, nessa linha de entendimento, são campos sociais que possuem intersecções entre si, mas que são constantemente negadas e neutralizadas pelos argumentos dos valores essenciais de cada campo, quais sejam objetividade, bem comum e racionalidade (ASSIS, 2017). Essas intersecções agem, em determinados momentos, a fim de consolidar um olhar, enquadramento, a fim de dominar o “pensável” através do controle das estruturas cognitivas. É nessa área em que os campos se relacionam que é possível notar o grau de autonomia ou dependência de um campo em relação a outro e, de forma mais interessante para nosso estudo, como o campo de economistas produz sobre o campo jornalístico.

Nesse sentido, os campos do jornalismo e da economia como disciplina se aproximam porque se dizem pautados na democracia e informação dos fatos, basilares do campo jornalístico que levam à dedução, previsão e prescrição, características das interpretações econômicas (PULITI, 2009). Assim, a economia é utilizada como lente interpretativa para os fatos pelo jornalismo, tornando possível que o aparato simbólico das escolas de pensamento econômico tido como legítimo dentro do campo econômico perpassem às páginas dos jornais e análises econômicas supostamente baseadas na racionalidade e objetividade (ASSIS, 2017). O jornalismo econômico é, nesse sentido, um campo altamente dependente do econômico, inclusive do campo dos profissionais economistas, até mesmo pelas regras da audiência (BOURDIEU, 1997), provocando o papel de consolidador de visões econômicas hegemônicas pela mídia (ASSIS, 2017).

Nesta conjuntura, sobre a relação do jornalismo econômico brasileiro, tratado a partir da interação entre o campo dos jornalistas econômicos, subcampo do jornalismo, e o campo dos economistas, Pedroso Neto e Undurraga (2017), destacam que o jornalismo econômico não dá a mesma voz a agentes e enquadramentos diferentes, existindo uma hierarquia de princípios cognitivos que afetam os jornalistas e os enquadramentos no sentido de reproduzir visões dominantes no campo do jornalismo econômico. Nesse sentido, os autores sugerem a relação entre os agentes do campo do jornalismo econômico e os “agentes eficientes” do campo econômico, quais sejam economistas, banqueiros, pessoal de negócios e agentes financeiros, em que os jornalistas especializados em economia alcançam o topo de suas carreiras tratando a economia pelo viés dos economistas de tendência dominante, o que demonstra uma afinidade eletiva entre esses agentes. Desta forma, concorda-se com os autores que utilizam a explicação de Lowy (2004) para deduzir que tal processo faz com que duas formas culturais, jornalismo e pensamento econômico, adquiram “certas analogias, provocando uma relação de atração recíproca e influência, seleção mútua, convergências e reforço” (p. 2).

A partir dessa linha de pensamento e como poderá ser visto no capítulo a seguir, tem-se que o jornalismo, como um todo, aplica princípios de organização e diversos podem ser os fatores que influenciam na produção jornalística. Avançando nessa direção, entende-se ainda que o jornalismo econômico é um subcampo do jornalismo, em que são produzidos bens simbólicos, como textos, colunas, editoriais e notícias (PEDROSO NETO, 2015). Os agentes do campo do jornalismo econômico cultivam relações com jornalistas e agentes do campo dos economistas (PEDROSO NETO; UNDURRAGA, 2017).

O campo dos economistas é descrito por Loureiro (1997) como um espaço social em que seus agentes se tornaram elite dirigente no Brasil através da formação acadêmica nas escolas de economia, nas práticas dentro dos órgãos governamentais e no bojo das lutas político-ideológicas do País. Nesse sentido, Loureiro (1997, 2006) destaca que o conhecimento econômico se tornou recurso político e não é consensual, sendo objeto de disputas entre os grupos de economistas e uma das bases de organização do seu espaço social.

Entre as disputas que marcam esse “espaço social de lutas”, está a que surge em torno do planejamento econômico, surgido ainda nos anos 40, em que, de um lado, estão os agentes que defendem a intervenção estatal na economia através do planejamento e de proteção às indústrias e, de outro, aqueles, defensores do liberalismo, que rejeitam as propostas de planejamento e o excessivo protecionismo às indústrias e propõem “reformas na área monetária

e fiscal e a restrição da atuação do Estado apenas a medidas corretivas de desvios do mercado” (LOUREIRO, 2006, p. 350).

Outra disputa estruturante do campo se dá entre monetaristas e estruturalistas, surgida no Brasil das discordâncias entre o Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV) e a Cepal, respectivamente, nos anos 50 (LOUREIRO, 2006). Quando a Cepal começou a divulgar seus estudos, conforme Loureiro (1997, 2006), a FGV já havia se consolidado no Brasil através de uma visão considerada neoclássica (liberal). A Cepal, através principalmente dos estudos de Raul Prebisch e Celso Furtado, retoma a defesa do planejamento econômico e protecionismo pelo Estado, incluindo-se temas como pobreza, atraso, inflação, entre outros (LOUREIRO, 1997, 2006). Assim, os representantes das duas linhas travaram, conforme denota Loureiro (1997, 2006), disputas em periódicos acadêmicos e publicações especializadas em economia.

A ascensão de economistas ao governo em países latino-americanos, especialmente em agências de desenvolvimento e regulatórias, se dá justamente nos debates entre estruturalistas e monetaristas, sendo que essas disputas constituem o campo de lutas específico dos economistas (LOUREIRO, 1997, 2006). Dessa forma,

é no bojo desses debates que o grupo cepalino denomina “monetaristas” os membros da FGV, na medida em que privilegiam os fatores monetários na análise das causas da inflação, e chamam a si próprios de ‘estruturalistas1, porque procuravam apreender os determinantes estruturais do processo inflacionário. Entre as críticas de Gudin [um dos principais representantes da FGV] ao grupo da Cepal (por ele denominado de “esquerdista”) o aspecto que mais se destacava era a concepção do estruturalismo, visto como a ciência econômica latino-americana [...], [o que] quebraria a hegemonia de Gudin e de seus colegas entre os economistas brasileiros, ante os quais se posicionavam como indutores e divulgadores das teorias neoclássicas. (LOUREIRO, 1997, p. 45-46).

Assim, o campo dos economistas, dos anos 50 a 60, era estruturado sobre disputas teóricas a respeito do rumo econômico que o país deveria tomar e se alocou em instituições de ensino e governamentais (LOUREIRO, 1997). A figura 3 representa o campo dos economistas nessa época no Brasil, estrutura que deu origens ao campo que atualmente vigora.

Figura 3 - O campo dos economistas nos anos 50-60 no Brasil: posicionamento e propriedades sociais dos grupos

Fonte: Loureiro (1997, p. 50)

A partir da década de 1960, Loureiro (1997) destaca que ocorreu um processo amplo de modernização da ciência econômica no Brasil, com a implantação de cursos de pós-graduação, aumento dos cursos de economia e do número de alunos, desenvolvimento da produção acadêmica e de um quadro institucional de pesquisa. A internacionalização da ciência econômica, principalmente através da incorporação de padrões teóricos e metodológicos dos Estados Unidos, é descrita por Loureiro (1997), que recorre a Coats (1992), para definir algumas dimensões desse processo: ampla disseminação de textos relativamente homogêneos entre os países, maior crença da formação acadêmica como condição para o status profissional, crescente “matematização” e quantificação da disciplina, generalização do acesso a publicações acadêmicas de economia com o inglês como idioma oficial e grande “mobilidade de estudantes,

professores, pesquisadores, profissionais não-acadêmicos, técnicos e funcionários de agências governamentais” (p. 65-66).

No Brasil, a autora mencionada acima destaca, os processos de vinda de professores estadunidenses para lecionar economia em programas de pós-graduação como a Escola de Pós- Graduação em Economia da FGV (EPGE/FGV) e na Faculdade de Economia da USP (FEA/USP) e, de forma mais importante, de envio de professores e estudantes brasileiros para, a partir no final da década de 1960, doutoramento no exterior, principalmente nos Estados Unidos, marcam o processo de formação dos profissionais de economia (LOUREIRO, 1997). A internacionalização da ciência econômica brasileira influenciou, no entendimento de Loureiro (1997), o meio profissional, reforçando a polarização entre os meios acadêmicos de formação dos economistas brasileiros dos anos 50-60 entre estruturalistas e monetaristas e gerando diferenças nas práticas e estratégias profissionais.

Os polos são formados por EPGE/FGV-RJ e PUC-Rio, de um lado, considerado mais internacionalizado, enfático na modelização matemática, no instrumental econométrico, na participação do circuito científico internacional e na valorização do papel do mercado no sistema econômico; de outro, os cursos de economia da Unicamp e UFRJ, que permanecem ligados às questões estruturais apontadas pelos estudos da Cepal, valorizam a abordagem histórica e sócio-política dos processos econômicos, os aspectos políticos da economia e crítica à orientação neoliberal de eficiência do mercado; e, entre os dois extremos, a pós-graduação da USP, que possui influências mais plurais e práticas mais heterogêneas de consultoria (LOUREIRO, 1997).

Faz-se importante destacar também que essa internacionalização da ciência econômica no Brasil provocou impactos políticos, influenciando na atuação dos profissionais como policy- markers, de forma a dar mais legitimidade política aos que possuem maior inserção no circuito cientifico internacional do período pós-64 (LOUREIRO, 1997) até a década de 1990. O processo, para Loureiro (1997), inaugurou “novos canais de acesso aos postos de direção governamentais” (p. 78), exemplificado pelo maior grau de internacionalização de ocupantes de cargos do Banco Central e de responsáveis pelo Plano Cruzado, tornando-se “um dos mecanismos cruciais para a legitimação dessa nova elite de dirigentes” (p. 82).

A estrutura do campo dos economistas foi influenciada, a partir de 1964, por lutas entre correntes teóricas e metodológicas de pensamento econômico, em que a internacionalização da ciência também teve impacto (LOUREIRO, 1997; 2006). Esse campo é representado na figura 4.

Figura 4 - O Campo dos economistas no Brasil pós 64: posicionamento e propriedades sociais dos grupos

Fonte: Loureiro (1997, p. 84)

Sobre o estabelecimento do campo dos economistas no Brasil, Klüger (2017) faz um detalhado estudo sobre a influência dos laços sociais nesse processo e retrata, por ocasião da criação da Unicamp, as diferenças entre as linhas de pensamento econômico nas escolas de economia do País e as divergências entre elas.

A combinação dessas vertentes [ideias da Cepal, desenvolvimentismo nacionalista e enfoque no planejamento econômico soviético], a influência transversal de Marx e Keynes e a prioridade dada às áreas de História e Teorias do Capitalismo, Interpretação Histórica e Socioeconômica do Brasil e Economia Política levaram à constituição de uma escola bastante distinta daquelas nas quais a economia é construída sobre os alicerces da teoria da ação racional, modelada com largo uso da econometria e concebida como ferramenta neutra, universal e apartada da política. (KLÜGER, 2017, p. 543).

A partir desta perspectiva de campo de economistas no Brasil como espaço social de lutas a respeito do conhecimento econômico que implicam rumos e tomadas de decisões diferentes quanto às políticas econômicas, tem-se que os agentes deste campo se relacionam de

forma bastante frequente com o campo do jornalismo econômico, área da mídia que se viu, como apresentado nas seções anteriores, cada vez mais importante e considerada de elite do jornalismo como um todo. Nesse sentido, Pedroso e Undurraga (2017) realizam uma pesquisa que traz contribuições relevantes ao investigar os vínculos entre a elite do campo dos jornalistas econômicos e os agentes eficientes do campo dos economistas brasileiros (aqueles com visões financeirizadas, como banqueiros, operadores de mercado, economistas de corrente ortodoxa e diretores do Bacen, por exemplo), e conseguiu demonstrar haver uma afinidade eletiva, que, além de contribuir para a ascensão dos jornalistas no próprio campo, influenciam sobremaneira a discussão econômica do país, pois agem sobre os enquadramentos e tratamentos dados aos fatos econômicos.

A afinidade eletiva encontrada parece se dar, no entendimento de Pedroso Neto e Undurraga (2017), na forma de relação de mão-dupla entre economistas que são "agentes eficientes" em seu campo – de visão ortodoxa e agentes financeiros – e a elite do jornalismo econômico brasileiro: os primeiros precisam convencer pessoas e investidores das suas visões econômicas, e a segunda precisa explicar a economia e produzir "furos". Dessa maneira, os autores explicam que os agentes do campo dos economistas com visão ortodoxa conseguem ganhar espaço através da mídia econômica. Enquanto jornalistas econômicos que dão espaço aos primeiros, obtêm objetos de valia no campo jornalístico, como entrevistas e informações exclusivas, propiciando furos e destaque em capas de jornais, tão importante aos jornalistas.

Ao analisar um conjunto de dados que incluíram entrevistas com jornalistas considerados de elite e não elite, Pedroso Neto e Undurraga (2017) concluíram que os jornalistas econômicos possuem diferentes relações com economistas e que os economistas associados aos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), PUC-Rio e FGV/RJ possuem mais respeito entre a elite dos jornalistas econômicos, que justificam-se utilizando qualidades profissionais como seriedade, competência e confiança. Diferentemente dos de visão heterodoxa e dos governos do Partido dos Trabalhadores, que são explicitamente criticados e recebem avaliação negativa por parte dessa elite do jornalismo econômico. Nesse sentido, o reconhecimento que os jornalistas econômicos atribuem aos economistas ortodoxos e agentes financeiros faz que com a relação com essas fontes seja valorizada. Manter acesso a essas fontes evidencia, na cobertura econômica, uma sutil submissão à visão financista, colocando em tensão a busca pela neutralidade e a auto expressão do campo do jornalismo econômico (PEDROSO NETO; UNDURRAGA, 2017).

Para explicar essa afinidade eletiva, é preciso também considerar o contexto em que os jornalistas econômicos de elite obtiveram sua formação em economia que, como viu-se, foi marcado por crises de inflação, instabilidade econômica e tentativas e erros dos planos econômicos (PEDROSO NETO; UNDURRAGA, 2017). Nessa conjuntura, ao falar sobre a aquisição de conhecimento econômico, jornalistas citam economistas ortodoxos do espaço financeiro, fazendo com que o alcance de sucesso no campo jornalístico tenha sido facilitado pela habilidade de explicar a economia e compartilhar as visões mundiais e relações de agentes dominantes (PEDROSO NETO; UNDURRAGA, 2017). Além disso, os autores ressaltam que, no Brasil, os jornalistas econômicos de elite trabalharam com os agentes eficientes do campo dos economistas no governo ou em bancos privados, gerando afinidade entre esses dois grupos. As relações entre a elite do campo dos jornalistas econômicos e os agentes do campo dos economistas, como viu-se, dá-se na forma de afinidade eletiva, e, conforme Pedroso Neto e Undurraga (2017), nos auxilia a entender as ligações entre “governos, agentes econômicos e leigos” (p. 13) que afetam o debate público sobre, por exemplo, a distribuição de recursos, que envolve conflitos políticos determinantes no campo dos economistas. Assim, verificando a atuação do jornalismo econômico no Brasil e relacionando-a com a noção de poder simbólico, é possível dizer que os agentes do campo econômico possuem influência sobre as visões retratadas pela mídia através de seus enquadramentos orientados ao mercado (PEDROSO NETO; UNDURRAGA, 2017; ASSIS, 2017).

No contexto do campo dos economistas, Loureiro (1997, 2006) e Klüger (2017) apresentam, em seus trabalhos sobre as relações e disputas mantidas do campo dos economistas no Brasil desde a década de 40, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como importante local de formação profissional e execução das lutas do referido campo. Nesse sentido, Loureiro (1997) recorre a Martins (1976) para definir a importância do então chamando BNDE4 no início do processo de formação do campo dos economistas no Brasil, dizendo que o Banco se constituiu como uma agência que permitiu o desenvolvimento de uma expertise dos profissionais de economia, que era de pensar a economia em termos globais, e influenciaram no processo de legitimidade dado aos técnicos como novo corpo da elite dirigente.

Como foi observado no capítulo anterior, o BNDES, além de possuir importância operacional na implementação de estratégias de economia do País, também exerceu poder de agendamento das políticas econômicas dos governos em diferentes momentos e é espaço de

disputas simbólicas estruturantes do campo dos economistas brasileiros. É a partir da importância do BNDES nesse campo e da relação com o campo do jornalismo econômico, que esta pesquisa busca investigar, através dos enquadramentos utilizadas em seus produtos, como a mídia tratou a Instituição que guarda relação direta com as visões de mundo que os diferentes agentes do campo dos economistas buscam consolidar e executar na sociedade. Busca-se, portanto, apreender a relação entre jornalismo econômico e correntes de pensamento econômico através do produto final dos jornalistas, seus bens simbólicos, que trataram do BNDES, importante ator e local no espaço social dos economistas.