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A revisão sistemática da literatura realizada para a consecução deste estudo não encontrou trabalhos que investiguem de forma específica o tratamento do jornalismo brasileiro dispensado ao BNDES, bem como o contexto simbólico presente dentro do Banco. No entanto, alguns trabalhos encontrados se debruçaram sobre a cobertura midiática a operações e programas em que a Instituição esteve envolvida, como o caso das privatizações, que resultaram em vários estudos sobre a atuação do campo jornalístico a respeito desse programa de Estado. Nesse sentido, vale destacar o trabalho de Bonone (2013), que apontou, através da análise de enquadramento, a presença majoritária do discurso pró-privatizações tanto na década de 1990 (de 1996 a 1998), quanto nos anos 2000 (2005 a 2007) em revistas impressas brasileiras que, supostamente, possuem linhas editoriais divergentes (Veja e Carta Capital). Também Contin (2015), ao analisar a cobertura midiática da privatização da Telebrás em quatro semanários nacionais – Veja, IstoÉ, Época e Carta Capital –, encontrou a presença da defesa das privatizações, apesar da última ser contra o processo em questão. Já Leal (2005) utilizou como corpus o jornalismo impresso diário e, através da análise de discurso crítico, identificou que o discurso jornalístico dos jornais Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense e Jornal de Brasília era favorável às privatizações das antigas estatais Usiminas, Vale do Rio Doce e Telebrás (essas duas últimas emblemáticas do primeiro governo FHC) e repudiava os protestos populares nas ruas que marcaram essas operações.

Além desses trabalhos sobre as privatizações, destaca-se um estudo sobre os discursos midiáticos do jornalismo econômico a respeito de outro grande programa com participação do BNDES, mas agora no governo Lula, o PAC. Na pesquisa de Soveral e Pedroso Neto (2016), utilizaram-se análise de gêneros jornalísticos, de enquadramento e de vozes para investigar a cobertura do PAC entre os anos de 2007 e 2014 nas editorias de economia dos jornais Folha de

São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo e Valor Econômico. Demonstrando uma grande similaridade no processo de produção das notícias, a análise resultou na verificação de homogeneidade do jornalismo econômico brasileiro, que se assemelharam em gênero, enquadramentos e vozes utilizadas para tratar o PAC (SOVERAL; PEDROSO NETO, 2016). Especificamente sobre os enquadramentos, que interessam de forma especial essa pesquisa, foi utilizada o método de valoração positivo, negativo e neutro, no qual houve predomínio do enquadramento negativo em relação ao PAC.

Vários são os trabalhos que tratam da cobertura midiática feita aos dois governos que são recorte temporal desta pesquisa. Estes estudos se caracterizam por múltiplos objetos: os governos como um todo (TEMER, 2004; BORGES, 2008; MACHADO DA SILVA, 2006); as campanhas eleitorais (MUNDIM, 2014; ASSIS, 2017); o perfil dos presidentes na mídia (DALTOÉ, 2011; PACHECO, 2008); escândalos (BIROLI; MANTOVANI, 2014; ARAÚJO, 2008); entre outros – e meios analisados – impresso, televisivo, radiofônico e online. Além disso, são utilizados diferentes métodos de análise, como análise de conteúdo, de discurso e sob a perspectiva da semiótica. A observação desses estudos revelou uma maior quantidade de trabalhos sobre o período Lula, bem como seu perfil e desdobramentos políticos e econômicos de seu governo, do que sobre o período FHC.

Desse modo, é possível perceber que, quanto ao próprio BNDES e sua atuação, sob a perspectiva de disputa de interesses e poder simbólico, existe uma lacuna na literatura. Os trabalhos sobre o Banco se caracterizam, de forma geral, por utilizarem as matérias jornalísticas como fontes de dados e, em outros, existe a menção de que os meios de comunicação foram importantes na consolidação de ideias defendidas por diversos agentes na sociedade, bem como reverberação de críticas ou apoio à atuação do Banco (COSTA et al. 2016; SALGADO, 2013). Portanto, esses trabalhos reconhecem a importância da mídia, seja como dado a ser trabalhado, seja como agente de consolidação, mas não se debruçam especificamente ao tratamento do jornalismo às estratégias e operações concretizadas pelo BNDES ao longo de sua trajetória.

4 JORNALISMO: CAMPO DE PRODUÇÃO SIMBÓLICA

A produção jornalística, desde a metade do século XX até a atualidade, por diversas etapas que tornam o seu produto – a cobertura informativa e/ou opinativa de fatos – se diz orientada pelos valores máximos da objetividade, imparcialidade e neutralidade (MIGUEL; BIROLI, 2010). No entanto, vários estudos indicam que diversos são os fatores que influenciam no modo de fazer do jornalismo e que, do ponto de vista sociológico, os textos jornalísticos não podem ser vistos de forma separada do sistema social nos quais estão inseridos.

Nesse sentido, o jornalismo pode ser considerado um campo de produção de “bens simbólicos”. Bens simbólicos, de acordo com Bourdieu (2009), são caracterizados por possuírem dupla face, a de significação e a de mercadoria, sendo que as duas são relativamente independentes entre si. O autor define que bens simbólicos devem ser tomados tanto por sua função de conhecimento, quanto por sua função social que, em uma dimensão mais ampliada, chega a ser função política.

Os bens simbólicos são detidos por pessoas e instituições que os utilizam para exercer um poder simbólico sobre os demais agentes e instituições, dentro ou fora de seu campo. Nesse contexto, o “poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo” (BOURDIEU, 1989, p. 9). Neste sentido, o autor salienta que as classes e frações de classe, assim como seus agentes e instituições, estão em constate luta simbólica a fim de estabelecerem a definição de mundo social que esteja em conformidade com seus interesses. Assim, “o campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes: é ao servirem aos seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produção” (BOURDIEU, 1989, p. 12).

Dessa maneira, Bourdieu (1989) ainda explica que o poder simbólico é uma forma transfigurada e legitimada das outras formas de poder, sendo além do que relações de força e relações de comunicação, mas a transmutação de diferentes tipos de capital em capital simbólico. Entende-se, para este trabalho, que a imprensa se relaciona com agentes e instituições detentoras de poder simbólico. Neste sentido, é importante destacar a ressalva do autor de que os sistemas simbólicos não podem ser reduzidos a relações de comunicação, mas sim que estas são inseparáveis de relações de força:

as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que […] podem acumular poder simbólico. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de

comunicação e de conhecimento que os “sistemas simbólicos” cumprem a função política de instrumentos de imposição ou de legitimação […] (BOURDIEU, 1989, p. 11).

Desse modo, considera-se que, a partir de seus produtos, os agentes do jornalismo realizam “tomadas de posição” e, sobretudo, se encontram em constante “luta simbólica” (BOURDIEU, 2010). A imprensa, como um campo de produção simbólica, é fortemente ligada a detentores de poder simbólico que buscam impor sua visão de mundo como legítima em seus campos e na sociedade em geral.

Nesta linha de pensamento, apesar dos valores-guia citados anteriormente ainda estarem presentes nos estudos e na defesa da atuação do profissional jornalista, numerosas são as análises que apontam a impossibilidade da existência da chamada informação desinteressada e que a produção jornalística não ignora o sistema e os agentes envolvidos no processo (MARCUSCHI, 1991; FARACO; TEZZA, 2003; MACHADO, 2000). Parte-se, neste sentido, para analisar a forma como o conteúdo da imprensa reflete e trabalha a sua “matriz ideológica” no processamento dos fatos que geram notícias (HACKETT, 1993). É neste contexto de influências sociais que também o jornalismo econômico se insere.

Depreende-se, portanto, conforme Porto (2004) aduz, que o jornalismo seleciona e trata os fatos e acontecimentos de acordo com um aparato cognitivo existente. Neste cenário, o enfoque lançado sobre assuntos, conflitos e temas dependem de um panorama externo que produz marcas e é marcado pelo jornalismo, enquanto construtor de uma realidade social (TUCHMAN, 2002). No entanto, nem só os fatores exteriores ao jornalismo influenciam a produção do bem simbólico que é a notícia, mas também a estrutura do campo jornalístico é responsável pelo tratamento dos fatos e a influência que ele exerce sobre outros campos de produção cultural (BOURDIEU, 1997). A teoria de campos também é apontada por Marchetti (2008) como de grande valor para analisar o jornalismo sem se ater apenas ao discurso reproduzido nas notícias.

A partir dos pressupostos teóricos do estudo dos campos, propõe-se uma pesquisa para analisar como a mídia econômica brasileira tratou os assuntos relacionados ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em dois momentos históricos distintos quanto à sua estratégia econômica: o governo de Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula. Esta instituição financeira, que possui importância fundamental para se entender as estratégias e políticas de desenvolvimento do país (COSTA, 2011), tem sua atuação delimitada pela forma como o desenvolvimento é encarado pelo governo do país.

Nesse sentido, passa-se à explicação de conceitos e teorias que são alicerces do trabalho proposto, quais sejam os pressupostos de bem e poder simbólico e campos e mercados de produção cultural de Pierre Bourdieu, que é o modelo pelo qual o jornalismo será analisado. A seguir, trata-se do campo específico do jornalismo, descrevendo sua estrutura e regras próprias, bem como a forma que ele age sobre e é influencias outros campos, em especial o econômico e o dos economistas.