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2.3. Cidade Apropriada: mapa das intervenções artísticas

2.3.1. Contexto Centro – Barra Funda:

Figura 19: Vista do centro de SP, São Paulo, 2011.Foto: Ana Paula Hirama.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Zona_Central_de_S%C3%A3o_Paulo#/media/File:Centro_de_SP.jpg

Faz-se necessária, aqui, uma breve caracterização do contexto histórico e social da região Centro-Barra Funda, indicando, resumidamente, como se deu a formação desses territórios e os principais fatos e problemáticas urbanas na ocupação da região, considerando que esse processo histórico também é responsável pelas características atuais desse território.

O centro do município de São Paulo foi fundado em 1554 pelos jesuítas, sendo a construção do Pátio do Colégio o marco para o povoamento da cidade. A povoação, inicialmente, concentrava-se nos atuais distritos da Sé e República, expandindo-se, posteriormente, para os territórios vizinhos. A região compreendida entre o Largo São Francisco, Largo São Bento e Praça da Sé é considerada o “Triângulo Histórico” da cidade. Já a expressão “Centro Novo” é usada para designar a região de expansão do centro, que compreende o território do Viaduto Santa Ifigênia e Viaduto do Chá, e que não deixa de abrigar importantes edifícios da história da cidade como o Teatro Municipal. Outra designação utilizada é o “Baixo Centro”, que compreende a região abaixo do Elevado Presidente João Goulart (popularmente conhecido como Minhocão), como o bairro de Campos Elíseos.

Largo São Francisco

Largo São Bento

Praça da Sé

Triângulo Histórico, no centro de SP

O Centro de São Paulo atingiu seu apogeu na primeira metade do século XX devido ao Ciclo do Café, com investimentos feitos pelos barões de café na área urbanística da região, que recebeu grandes construções arquitetônicas e se tornou o polo financeiro da cidade. Até a década de 1960, o Centro era a localidade de grandes arranha-céus e abrigava sedes de empresas nacionais e estrangerias, além de grandes bancos.

No entanto, após esse período, a expansão do crescimento industrial e empresarial gera mudanças econômicas no país, o que faz com que a região passe a sofrer um processo de deterioração, com a saída das empresas para as novas centralidades.

Uma nova centralidade surgiu na av. Paulista, remodelada e alargada no final dos anos 60 e início dos 70, onde edifícios modernos conviviam com casarões do começo do século. Surgia uma alter-

Figura 20: Triângulo Histórico de São Paulo: Largo São Bento, Catedral da Sé e Largo São Francisco.

nativa para a região central, quase totalmente ocupada por prédios antigos e que não ofereciam as condições exigidas pelas novas características empresariais. (SANDRONI, 2004, p. 365)

Com a mudança dos investimentos para outras localidades, o centro entra em um ciclo de degrada- ção do espaço público, esvaziamento populacional e aumento do número de prédios abandonados.

Na realidade, houve um duplo movimento: durante os anos 60 e 70, e antes que as novas centra- lidades surgissem plenamente, a demanda por novos espaços para a instalação de empresas que se ampliavam superava a oferta; duas décadas depois, sobravam espaços devido ao esvaziamento provocado pelo novo tipo de demanda que a região central não podia satisfazer, até mesmo para aqueles que lá permaneciam, mas necessitavam adotar as novas tecnologias empresariais e ad- ministrativas. Embora acessível por meios de transporte público, como ônibus e metrô, a região central foi se tornando cada vez mais “distante” dos meios de transporte individuais, como o au- tomóvel. Além disso, os calçadões e a falta de garagens e de áreas de estacionamento tornavam a acessibilidade difícil para proprietários, donos e/ou administradores das empresas, a quem cabia a decisão de permanecer ou se transferir da região central para as novas centralidades. Em síntese, os quadros de gerência e de alta administração. (SANDRONI, 2004, p. 365)

Com este processo de esvaziamento populacional na região central, inicia-se, na década de 1990, um tímido processo de requalificação urbana da região pelo poder público, em vista da estrutura arquitetônica do território, que não atendia mais às necessidades e desejos das novas configurações empresariais, do abandono dos prédios e do cuidado com o espaço público, geraram um quadro de violência urbana na região.

A imagem do centro como o lugar mais importante e, consequentemente, mais valioso da cidade sofreu um processo de deterioração muito rápido e intenso. A região central tornou-se hoje um referencial negativo do ponto de vista empresarial e também no imaginário da maioria dos habitantes da capital, que passaram a se acostumar com a beleza, a riqueza, a segurança e a limpeza dos shoppings centers localizados nas novas centralidades. (SANDRONI, 2004, p. 371)

Entre as medidas para requalificação urbana destacam-se a transferência da sede da Prefeitura da Cidade para o Viaduto do Chá, onde se encontra atualmente, o restauro do Teatro Municipal e as mudanças no Vale do Anhangabaú, que se torna um espaço livre para pedestres. A partir de 2000 há novos projetos de requalificação por meio das operações urbanas, no entanto essas ope- rações carregam questões conflitantes – por um lado há a injeção de capital no território (através de acordo público e privado), mas por outro ocorre uma expulsão dos moradores locais, pois as melhorias, na prática, aumentam o valor dos imóveis e impossibilitam que os antigos moradores permaneçam na área. Segundo Alves (2011), nas operações urbanas realizadas no centro, ainda

que o discurso oficial se paute pela requalificação, até mesmo funcional, e tenha como princípio (formal) a manutenção do encontro entre as mais diversas classes sociais, as ações indicam o contrário: as transformações visam atingir as classes mais abastadas procurando retirar e afastar da área as classes menos favorecidas.

Figura 21: Índice de imóveis vagos na região central de São Paulo.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2015/02/1592340-centro-de-

sp-tem-queda-de-70-no-numero-de-apartamentos-vazios.shtml.

Por fim, a região central, na última década, passa por um processo de investimento imobiliário, com construções de novos imóveis residenciais e comerciais, atraindo um novo público: jovens e famí- lias pequenas de classe média que buscam mobilidade sem carro e proximidade com os aparelhos culturais e de lazer ofertados no Centro.

Assim, o centro se configura como um território híbrido, onde a velha e a nova arquitetura coexistem, com um perfil de moradores, profissionais e de atividades também diversificados – eixo comercial, eixo cultural, a tradição dos antigos habitantes com os novos compradores e, ao mesmo tempo, a parcela da população que é formada por moradores de rua e usuários da Cracolândia (ruas do centro ocupa- das por usuários de crack e com pouca intervenção do poder público). Dessas contradições e dessa diversidade cultural que emergem os interesses de muitos artistas para criar intervenções na região. Levantamento inédito da Prefeitura de São Paulo mostra que a porcentagem de imó- veis vazios no distrito da Sé (o centro velho) despencou: foi de 39,7% para 11,7% em uma década —queda de cerca de 70%. Em 2000, aproximadamente quatro em cada dez apartamentos estavam vazios; dez anos depois, só um em dez está desocupado. Na vizinha República (o centro novo), a queda também foi expressiva, e a taxa de habitações sem moradores passou de 33,5% para 11,6%. O mesmo fenômeno ocorreu nos distritos da região central em geral, como Santa Cecília (de 24,2% para 7,5%), Pari (de 27,9% para 9%) e Brás (de 33,6% para 13,5%).

Barra Funda: um braço do Centro de São Paulo

Conforme já mencionado anteriormente, a Barra Funda pode ser considerada uma ramificação da região Central e, apesar de suas particularidades, passa por um processo de investimento imobiliário muito próximo ao que ocorre na região central. Entretanto, os novos empreendimentos na região ocupam grandes terrenos, antes desocupados ou pertencentes aos complexos fabris que caracteri- zaram o uso principal da Barra Funda durante anos. São complexos habitacionais com apartamentos grandes e que oferecem diversos serviços para seus moradores.

Figura 22: Foto aérea da região Barra Funda. Fonte: https://www.fotografiasaereas.com.br/banco-de-imagens/cidades/

sao-paulo-cidade/memorial-da-america-latina-pacaembu-barra-funda

O distrito da Barra Funda está situado na área de várzea ao sul do Rio Tietê, e por isso tem essa de- nominação. Desde o século XIX, a região é cortada por duas ferrovias: Santos-Jundiaí e Sorocabana, por isso abrigou, durante anos, grandes indústrias como as do Complexo Matarazzo. Essa vocação industrial da região atraiu como moradores os operários das fábricas, incluindo muitos imigrantes italianos, na primeira metade do século XX.

Abaixo, destacam-se algumas datas e fatos importantes para região:

ɧ 1850: região que corresponde à Barra Funda era a Fazenda Iguape, de Antônio da Silva Prado, que loteou o terreno para famílias italianas, atendendo às demandas do bairro vizinho e elitizado – Campos Elísios;

ɧ 1875: Estrada de Ferro Sorocabana: escoamento da produção do café paulista, gera um aumento populacional e ocupação do entorno;

ɧ 1892: São Paulo Railway: a instalação do polo industrial impulsionou o desenvolvimento da região;

ɧ 1902: primeiro bonde elétrico, ligando a região ao Largo do São Bento (centro); ɧ A partir do século XX: forte ocupação da população negra na região;

ɧ 1917: inauguração do Teatro São Pedro;

ɧ 1920: instalação do Clube Palestra Itália. Trens passam a transportar também passageiros, e não somente cargas;

ɧ Primeira metade do século XX: a proximidade com bairros elitizados (Higienópolis e Campos Elísios) faz com que parte da elite paulistana se instale na Barra Funda. A casa de Mario de Andrade, por exemplo, é mantida até hoje na Rua Lopes Chaves;

ɧ 1954: desfile do Grupo Carnavalesco Barra Funda, o bloco mais antigo da cidade de São Paulo; ɧ 1970: ampla migração nordestina;

ɧ Final de 1980: inauguração do Terminal Rodoviário Barra Funda;

ɧ 1989: Memorial da América Latina, de Oscar Niemeyer, como novo reduto cultural da região, onde era o antigo Largo da Banana8.

8 O Largo da Banana era um importante espaço público da Barra Funda, ocupado pela população negra e pelo samba desde a década de

20. “Não! O largo não existe mais. Foi substituído por um viaduto que liga dois trechos da avenida Pacaembu, mas ainda vive na memória de gente que nem o conheceu. O Largo da Banana, na Barra Funda, em São Paulo, era onde negros se reuniam no início do século 20, aguar- dando a chegada do trem que trazia mercadorias do interior para a capital paulista. O soldo aos carregadores era pequeno, mas ajudava a sustentar a família. Enquanto o trem não chegava, conforme contavam os que lá viveram, jogava-se conversa fora, além de cartas, dadinho ou tiririca (espécie de capoeira), uma roda de pernadas. Quem caía, além da vergonha da queda, pagava tostões ao vencedor”. Disponível em: <http://racabrasil.uol.com.br/especiais/largo-da-banana/2452/>. Acesso em: 16 dez. 2016.

O distrito da Barra Funda, nas últimas décadas, tem recebido grandes investimentos imobiliários, devido à extensão dos terrenos e sua fácil conexão com as demais regiões, graças à estação de metrô e ao terminal rodoviário. Isso tem alterado não somente a paisagem urbana (que se verticalizou), mas a população local, já que são imóveis de alto custo voltados para a classe média alta e alta, acarretando na saída dos moradores que não acompanham os altos preços do mercado imobiliário. A Barra Funda, bairro da zona oeste de São Paulo que convive com a ausência de melhorias na infraestrutura, com engarrafamentos, enchentes e falta de áreas verdes, vai ganhar mais 30 mil moradores nos próximos cinco anos, o dobro do que possui hoje, segundo levanta-

Fonte: https://br.brookfield.com/sp/sao-paulo/imovel-salas-

comercial-escritorios-barra-funda-marques-business-center

Figura 23: Estação Metrô-

CPTM Palmeiras Barra Funda

Figura 24: Empreendimento

Imobiliário de alto padrão

mento feito pela reportagem com base nos processos de obras na Prefeitura (...) O maior empreendimento ficará em um antigo terreno da Telefônica, considerado uma das maiores glebas vazias de São Paulo, de 250 mil metros quadrados, arrematada em 2007 por R$ 135 milhões. Faltam apenas alguns detalhes sobre o loteamento da área para o lançamento do enorme condomínio - serão 30 prédios com 3 mil unidades, além de um parque com aproxi- madamente 50 mil m². O plano da construtora é erguer um genuíno bairro no terreno, com centro para o comércio de conveniência, ruas e pequenas praças. Ainda segundo dados da Prefeitura, outros 12 empreendimentos serão erguidos na região até dezembro de 2015. Para se ter ideia, um terreno que há dez anos valia R$ 50 mil hoje não é vendido por menos de R$ 400 mil. (BRANCATELLI, 2010)

Figura 27: Foto aérea da região Barra Funda. Fonte: https://www.fotografiasaereas.com.br/banco-

de-imagens/cidades/sao-paulo-cidade/memorial-da- america-latina-pacaembu-barra-funda/

Diante desse contexto da região Centro-Barra Funda, os artistas criam suas intervenções para trazer à tona a discussão sobre as problemáticas e os conflitos dos territórios, bem como para apresentar possibilidades de novas formas de atuação, mais sensíveis e solidárias nos espaços públicos, reafirmando o direito à cidade como algo de todos e como um constante diálogo entre os vários atores da vida urbana.